Acampamento Terra Livre e a redução das multas por crimes ambientais

Fatos relevantes e medidas de governo

Sustentabilidade ambiental e política agrária

Ainda antes da recente promessa do presidente Bolsonaro de isentar de punições fazendeiros que atirarem em invasores de sua propriedade, a violência no campo se intensificava, com o registro de dez assassinatos nos quatro primeiros meses do ano.

Em 12/04, Bolsonaro publicou o decreto 9.760/2019, que cria uma burocracia pública para intermediar a aplicação de multas ambientais cometidas por infratores. O decreto cria um núcleo de conciliação que poderá mudar o valor ou até mesmo anular multas por crimes ambientais. O núcleo de conciliação será formado por representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O decreto também congelou o mecanismo de conversão direta, até que o Ministério do Meio Ambiente estabeleça novas regras para seu funcionamento. O mecanismo de conversão indireta permite que os valores arrecadados com as multas possam custear projetos ambientais estratégicos, tal como nos municípios que compõem a Bacia do Rio São Francisco.

Soma-se a esse cenário a militarização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), no qual todos os diretores foram substituídos por policiais ou militares.

Outra questão relevante para o tema ambiental foi o projetode Lei nº 1551/2019, que pretende extinguir o princípio da reserva legal do Código Florestal Brasileiro.

O mecanismo da reserva legal está presente desde a primeira reforma do código, ocorrida em 1965, e obriga os proprietários de terra a manter um percentual entre 20% e 80% preservados em sua propriedade. O PL foi apresentado pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC) e encontra forte aprovação da bancada da agropecuária e da ala ruralista do governo Bolsonaro.

O atual governo também decretou a extinção de mais de trinta conselhos e comissões nacionais em abril de 2019. Dez destes estão relacionados aos indígenas, ambientalistas e trabalhadores do campo. Os conselhos extintos foram: Comissão Nacional de Florestas (Conaflor); Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI); Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT); Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI); Comissão Nacional dos Trabalhadores Rurais Empregados (Cnatre); Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae); Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO); Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio); Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (Conpdec), e Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf).

Entre 24 e 27/04, lideranças indígenas brasileiras se reuniram no Acampamento Terra Livre, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Tratou-se da 15ª edição do maior encontro dos povos indígenas do país, cujo tema foi “Sangue indígena, nenhuma gota a mais”. O encontro contou com cerca de quatro mil índios, que se manifestaram contra as medidas do governo Bolsonaro referentes aos direitos dos povos originários.

As principais reivindicações dos índios para os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário foram o retorno da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Justiça, a retirada da função de demarcação das terras indígenas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e fortalecimento da saúde indígena.

Desenvolvimento regional

Em abril, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) promoveu a Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. A marcha contou com cerca de oito mil pessoas e presença significativa de prefeitos e prefeitas de diversos estados. Foi o primeiro evento de prefeitos com a participação do presidente Bolsonaro.

O governo apresentou uma série de boas intenções para receber o apoio dos municípios, entre elas o apoio à PEC que eleva em 1% o Fundo de Participação dos Municípios – já aprovada pelo Senado e que tramita na Câmara dos Deputados. As demais intenções não passam de promessas. Por exemplo: um projeto de lei que libera R$ 10 milhões a estados e municípios (sem mencionar a origem do recurso); uma emenda que permita desonerar os Regimes Próprios de Previdência do Pasep; um Plano Nacional de Segurança Hídrica, e repasse de recursos provenientes do fundo social do pré-sal para os demais entes federados.

Um estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo apontou que em mais de um quarto dos municípios brasileiros os benefícios da Previdência Social eram superiores à receita total dos municípios. Essa foi arealidade de 1.533 municípios do país em 2017, os quais incluem quase metade dos municípios do Ceará (44%) e da Bahia (43,8%). Também incluem capitais nordestinas e nortistas como Salvador, Recife, Maceió e Belém, mas também grandes cidades do eixo Sul-Sudeste como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis, Osasco e Santos.

Análise crítica

Em janeiro de 2019, o desmatamento na Amazônia cresceu 54% em relação ao mesmo mês do ano anterior (Instituto Imazon). Na contramão de oferecer soluções para o problema, o Decreto 9.760/2019, que versa sobre a criação de um núcleo de conciliação para intermediar a aplicação de multas ambientais, significará a falência da repressão aos crimes contra o meio ambiente no país, já que será impossível os poucos técnicos que comporão o núcleo avaliarem um volume próximo a 16 mil autuações anuais. Publicado nos 101 dias iniciais do novo governo, o decreto aumentará a burocracia pública com afinalidade de favorecer os infratores que cometem crimes ambientais, ao flexibilizar a aplicação de multas conforme prometido pelo então candidato Jair Bolsonaro em sua campanha. A iniciativa aumentará o desmatamento, reduzirá o papel fiscalizador do Ibama e retirará a autonomia de seus técnicos. Por outro lado, a militarização do ICMBio afetará o rumo da política voltada para as reservas extrativistas.

No que se refere ao PL n° 1551/2019, que visa extinguir o princípio da reserva legal do Código Florestal Brasileiro, a bancada ruralista acredita que a limitação de percentual de reserva de vegetação na propriedade rural está impedindo a expansão do agronegócio. No caso de aprovação, a medida afetará mais intensamente as áreas localizadas na Amazônia, no Pantanal e na Mata Atlântica. A proposta visa expandir o agronegócio, reduzir o custo da terra e aumentar os lucros dos ruralistas.

Em contrapartida, reduzirá drasticamente as áreas de vegetação nativa e aumentará o desmatamento, especialmente nas áreas mais preservadas do país.

A extinção dos conselhos e comissões indígenas, ambientais e do campo agrada a bancada ruralista, que vê tais instâncias de democracia participativa como adversárias de seus interesses, e se soma a outros recentes agrados em troca de apoio à reforma da Previdência. Os conselhos e comissões sociais possuem a função de integrar a sociedade civil às discussões dogoverno.

Esse diálogo permite que pessoas e entidades diretamente envolvidas ou atingidas por políticas públicas específicas possam se manifestar para qualificar e/ou criticar a atuação governamental. No entanto, para um governo que preza por decisões autoritárias, esses conselhos representam um incômodo contraponto.

Os participantes do Acampamento Terra Livre identificaram o governo Bolsonaro como inimigo dos povos originários. Ao assumir a presidênciada República, Jair Bolsonaro assinou MP 870/2019, que trouxe mudanças negativas ao transferir as funções de demarcação de terras indígenas do Mapa – comandado pelos ruralistas.

A Funai foi transferida para o recém-criado MMFDH. Por fim,o Ministério da Saúde (MS) anunciou a possibilidade de mudanças na saúde indígena, visando desmontar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) e transferir a responsabilidade federal para os municípios.

Ao longo do tempo que estiveram em Brasília, os índios participantes do evento reuniram-se com representantes do Ministério Público da União e do Congresso Nacional. No Ministério Público, os índios encontraram reconhecimento da existência de violações de direitos de Guaranis em Itaipu. No Congresso Nacional, as representações indígenas reuniram-se com os presidentes do Senado e da Câmara e encontram apoio para alterar os efeitos da MP 870, em tramitação no Legislativo.

No que se refere ao desenvolvimento regional, o governo federal busca apoio dos prefeitos para emplacar a reforma da Previdência utilizando como moedas de troca promessas superficiais. Com exceção do apoio àPEC que eleva em 1% o Fundo de Participação dos Municípios, não apresentou propostas consistentes. Apesar de os representantes da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) apontarem o resultado da Marcha dos Prefeitos como exitoso, entidades ligadas à instituição, como União dos Municípios da Bahia (UPB) e Associação Municipalista de Pernambuco (AMUPE), criticaram bastante a posturado governo por apenas apresentar intenções rasas.

A proposta de reforma da Previdência encaminhada pelo governo Bolsonaro ao Congresso promove mudanças significativas nos benefícios previdenciários visando reduzir o montante de recursos estatais despendidos. Entretanto, os recursos dos benefícios do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) são importantes para o desenvolvimento da economia regional, principalmente nos municípios de menor porte. Desta maneira, a reforma daPrevidência, caso aprovada, terá um efeito negativo na dinâmica da economia local, agravando os problemas sociais e prejudicando a geração de emprego e renda do país.