Brasil, cada vez menos democracia e mais pacoba


PorAlexandre Navarro*

Originalmente publicado no site do Sindct

O Brasil executaria e cumpriria o Pacto dos Direitos Civis e Políticos “tão inteiramente como nele se contém” e esqueceria em algum almoxarifado da história as pacobas plantadas.

A Organização das Nações Unidas (ONU), criada em outubro de 1945, após a ratificação de 51 países-membros de seu documento fundacional, a Carta das Nações Unidas, é uma organização multilateral representante e voz dos povos do mundo, em particular pobres e vulneráveis. O Brasil foi um destes membros fundadores. Atualmente,tem 193 estados-membros representados em seu órgão principal, a Assembleia Geral (AG).

Os direitos humanos compõem o tripé central da atuação das Nações Unidas,junto a segurança e desenvolvimento. Marco técnico e humano para dar vazão à defesa dos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada pela AG em Paris, três anos depois da criação da ONU, dezembro de 1948, estabelecendo, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos.

A DHDH em conjunto com os Pactos Internacionais, dos Direitos Civis e Políticos, e Econômicos Sociais e Culturais, formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos, que vincula as ideias de liberdade, justiça e paz à criação de condições que permitam acada pessoa “gozar de seus direitos civis e políticos, assim comode seus direitos econômicos, sociais e culturais” (preâmbulo). 

Pois é, passados vinte e oito anos do Decreto do presidente Fernando Collor, hoje senador, o Brasil parece que não aprendeu nada e não pensa em cumprir o que assinou – esperamos que momentaneamente – apesar de alguns períodos de avanço democrático, reconhecidos pela própria ONU.

Num déjà vu bananeiro, pacobeiro e reacionário, que tem muito pouco a ver e é muito pior, idiossincraticamente, que conservador, saudosistas e justiceiros tentam confundir (e)leitores através de enigmas de pós-verdade e notícias falsas (fake news), e passaram a produzir dossiês persecutórios contra servidores públicos, que dizem   relatório, o que já seria estranho, como divulgou Jamil Chade no Portal UOL¹.

Segundo Chade“uma das possibilidades é o Brasil ser colocado em uma espécie de lista suja de governos que promovem intimidações”. Não é de se estranhar o anúncio do UOL, infelizmente.

Dentre outros ataques aos direitos humanos, em maio de 2017, o Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH)² apontou que o Brasil ainda não havia ratificado a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias, devido à falta de priorização de parlamentares e do governo federal.

No mesmo documento, observou a Anistia Internacional que o Brasil, embora apoiasse as recomendações destinadas a evitar com assassinatos pelas forças de segurança, as mortes ocasionadas por policiais continuaram, notadamente no ambiente da “guerra contra as drogas”,envolvendo, em muitos casos, o uso excessivo da força e execuções liminares em favelas brasileiras.

A Omega Research Foundation registrou que as recomendações para o País adotar medidas para prevenir e combater a tortura foram ignoradas,permanecendo as pessoas privadas de liberdade em prisões, fadadas a tratamentos torturantes e outras formas de maus-tratos.

A Human RightsWatch apontou que, inobstante promotores terem adotado medidas para minorar a violência policial, a exemplo de unidades policiais especiais para investigar casos de abuso policial, as recomendações não foram alcançadas, exigindo a adoção de novas políticas.

A Submissão Conjunta 20 (JS20) registrou rebeliões e fugas frequentes,   maus-tratos, além de superlotação, falta de acesso a tratamento médico, negação dos direitos à educação e violações física sem vários estados.

A JS18 informou que o Brasil recebeu 12 recomendações voltadas à proteção de defensores de direitos humanos, de jornalistas e da sociedade civil e5 sobre povos indígenas. Nenhuma, todavia, foi completada.

Num horizonte para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável(ODS), cobrou o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, que a materialização das recomendações às Partes,oriundas do Conselho de Direitos Humanos da ONU, “em particular por meio de mecanismos de direitos humanos e suas recomendações,constitui uma base sólida para os Estados alcançarem melhores resultados na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e na proteção dos direitos humanos em nível nacional”.

Completou Guterres, em sua exposição sobre o 3º Ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU), concluído pelo Brasil em 2017, que “a principal prioridade do Alto Comissariado de Direitos Humanos é a de garantir que os ODS sejam implementados de maneira consistente com os padrões internacionais de direitos humanos”.3

A RPU, criada através da Resolução AG 60/251 (parágrafo 5.e), é um dos procedimentos das Nações Unidas que podem refrear ímpetos saudosistas e persecutórios, de porão, como este dossiê que arrola e fotografa 579 pessoas por serem… “antifas”.

A RPU consiste na avaliação cooperativa, a cada quatro anos e meio, do cumprimento das obrigações e compromissos sobre a situação de direitos humanos nos Estados-Membros, assim como as medidas adotadas para o cumprimento das recomendações sugeridas pela RPU.

O Brasil, como um dos primeiros países a passar pela Revisão Periódica Universal,concluiu seu terceiro ciclo em 2017, quando o Grupo de Trabalho da RPU apresentou o relatório relativo ao país ao Conselho de Direitos Humanos em setembro de 2017.

Na contramão de alguns avanços registrados pela RPU na última rodada, no qual teve246 recomendações, o Brasil é hoje objeto de 431 recomendações da RPU. Um crescimento de 75%.

Muito deste resultado ocorre porque, embora o Brasil se submeta voluntariamente àRPU, não há mecanismo de acompanhamento da implementação destas recomendações no país.

Como resposta a esta ausência de instrumentos de freios e contrapesos associada à inação legislativa e executiva no tocante à realização das recomendações e pautas sociais de direitos humanos, a Câmara Federal criou, junto a titular do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michele Bachelet, em dezembro de2019, o Observatório Parlamentar da RPU, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Minoria (CDHM).

Como resposta do Congresso Nacional e do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia(DEM/RJ), que assinou com Bachelet a criação do Observatório, mesmo já tendo o ministério da Justiça entregue o dossiê(relatório) à Comissão Mista de Controle das Atividades   do Congresso Nacional, deveriam, as Comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado, convocar o ministro e requisitar o documento, pois o assunto não é investigativo e sim de Direitos Humanos.

1 – CHADE,Jamil. Uso de dossiê antifascista chega à ONU, e Brasil pode ir para “lista suja”. Portal UOL. Disponível emhttps://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/08/12/uso-de-dossie-antifascista-chega-a-onu-e-brasil-pode-ir-para-lista-suja.htm?cmpid=copiaecola.

2 – GENERAL ASSEMBLY. Summary of other stakeholders submissions on Brazi: Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights.

3 – UNIVERSAL PERIODIC REVIEW (UPR). The 3rd cycle 2017-2021(2022).

*Alexandre Navarroé vice-presidente da Fundação João Mangabeira e membro da Câmara de Mediação e Arbitragem da FGV, foi membro do Comitê de Peritos em Administração Pública das Nações Unidas – CEPA/UNDESA, secretário nacional e chefe de gabinete do ministério da Ciência,Tecnologia e Inovação, vice-ministro e ministro interino de Integração Nacional, presidente da Terracap e da BRB Serviços

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