RELATÓRIO CIÊNCIA E TECNOLOGIA – JULHO 2021
Publicado 26/07/2021 - Atualizado 26/07/2021
É fato inquestionável que o investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I é o motor para o desenvolvimento de qualquer País, situação que permite a governos ofertar condições civilizatórias e qualidade de vida a toda sua população.
Nesta crise epidêmica sem precedentes, os avanços da CT&I têm se mostrado imprescindíveis e, em certas situações, únicos para superação da crise sanitária, econômica e social que atinge o mundo como um todo.
Tragicamente,e no momento menos oportuno, a política fiscal brasileira de caráter regressivo, associada a uma falta de visão estratégia ancorada num plano nacional de desenvolvimento que alcance gerações, está colocando a Ciência brasileira e todo o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação1emcolapso.
Várias entidades que compõe o SNCTI paralisarão suas atividades – se não fecharem, simplesmente -, caso não vejam recompostos seus orçamentos para investimento, custeio e fomento ainda no exercício financeiro de 2021.
O descompasso brasileiro é evidente. Enquanto os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico– OCDE investem, em média, mais de 2% do Produto Interno Bruto – PIB em Pesquisa e Desenvolvimento – P&D e países como Coreia do Sul e Israel, reconhecidamente inovadores, mais de 4%, o Brasil, em 2018,gastou pouco mais de 1% e estima-se que, em 2020, tenha investido menos de 1%.
Na contramão dos países mais inovadores, o Brasil perdeu 15 posições no Índice Global de Inovação nos últimos dez anos.
Ocupa,hoje, a 62aposição em 131 países, situação que não é compatível com a capacidade econômica, social e de produção de P&D do país,mesmo tendo caído para 12ª posição no ranking das maiores economias do mundo.
Resultado esperado disso são os recorrentes cortes orçamentários que precarizam universidades e institutos de pesquisa, afetando sobremaneira a pesquisa realizada nessas instituições e a formação adequada de profissionais, com impacto considerável sobre o SNCTI.
A situação do SNCTI que vemos hoje não tem precedentes na história brasileira. Excetuada a estapafúrdia ideia de extinguir o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT em 1989, o que geraria uma mísera economia de Cz$ 30 milhões, além de transferir a Finep para o Ministério da Indústria e Comércio e o CNPq e seus centros de pesquisa para outro órgão, o SNCTI desenvolveu-se consideravelmente e de forma estável nestes últimos60 anos.
Responsável pela oferta de bolsas de P&D,e entidade fundamental para o SNCTI, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico–CNPq2viu seus caírem 8,3% em relação ao orçamento de 2020. Dos recursos preservados, 60,5% ainda estão condicionados à emissão,pelo executivo federal, de projetos de créditos – PLNs, vinculados à quebra da Regra de Ouro (art. 167, III, CF).
Com apenas R$ 362,5 milhões garantidos para bolsas, o CNPq só é capaz de assegurar 4 meses de pagamento. Mesmo com a liberação de créditos adicionais, quebrando a Regra de Ouro, ainda faltarão R$114 milhões para o custeio das bolsas já disponibilizadas.
Para fomento à pesquisa – recursos necessários para grupos de pesquisa,ampliação e modernização de laboratórios, aquisição insumos básicos, intercâmbio, editais para novos projetos – o CNPq tem previsto para 2021 um valor insignificante: R$ 22 milhões, cerca de18% do valor de 2019.
Na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES o orçamentoreduziu33%, passando de R$ 2,8 bilhões em 2020 para R$ 1,9 bilhão em 2021,ainda assim com R$ 1 bilhão dependente de PLNs.
Para bolsas de pós-graduação tem a CAPES apenas R$ 1,4 bilhão, número que garante apenas 8 meses de pagamento. Créditos voltados a bolsas para programas relacionados com a educação básica, mesmo com a suplementação via PLN, representam valores em 2021 28% menores que o total aprovado em 2020.
No caso do processo de desestatização do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada SA – CEITEC, empresa pública vinculada ao MCTI, incluso no Plano Nacional de Desestatização – PND, por meio do Decreto no10.297/20, além de ir contra a política de CT&I dominante em todo o mundo, que investe significativamente na montagem de fábricas de semicondutores, os procedimentos administrativos cometidos pelo MCTI e pelo Ministério da Economia – ME foram cabalmente eivados de improbidade administrativa, atentado ao interesse público, gestão temerária e indícios de irregularidade ostensivos e recorrentes, a saber, dentre eles:
- ausência de encaminhamento prévio ao Tribunal de Contas da União – TCU dos estudos de viabilidade e documentos motivadores da proposta de dissolução do CEITEC;
- risco de a dissolução impactar negativamente e causar descontinuidade nas atividades de P&D hoje em desenvolvimento no CEITEC;
- risco de que os estudos submetidos ao Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos – CPPI não consigam demonstrar a dissolução como melhor alternativa para o CEITEC, descumprindo requisitos legais, em afronta a princípios e critérios que regem o processo decisório no âmbito da administração pública, tais como a motivação, razoabilidade, proporcionalidade, interesse público, adequação entre meios e fins, indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinam a decisão, conforme previsto nos artigos 2o, caput,parágrafo único, incisos VI e VII e 50, ambos da Lei no 9.784/99;
- inclusão do CEITEC no PND, sem qualquer instrução material ou motivação do órgão central, o MCTI;
- inexistência de envio ao TCU de material que permitisse análise técnica da documentação que serviu de subsídio para decisão do CPPI para dissolução do CEITEC, fato que pode ser qualificado como tentativa de obstrução do controle;
- risco de perda pelo Estado do capital intelectual formado no CEITEC.
Em resposta a casos como este do CEITEC, exemplo crasso do movimento para desconstrução do SNCTI nacional, a aprovação recente da Lei Complementar no177/21 pelo Congresso Nacional, que vedou a alocação e esterilização dos recursos do FNDCT via Reserva de Contingência -RC, representou esperança para reversão deste colapso, no momento em que obrigou que os recursos incluídos na RC do FNDCT, a partir de2020, assim como futuros, passem a compor suas despesas, sem qualquer limitação de empenho ou contingenciamento (art. 9o,§ 2o,LRF), conforme disposto no § 3º do artigo 11 da Lei no11.504/07, que regulamentou a gestão dos FNDCT (alterado pelo art.2oda LC).
Entretanto,espelhado na omissão empregada na dissolução do CEITEC, o MCTI, e seus agentes públicos – todos -, agem como espantalhos, figurantes de uma onda que insiste em arrebentar, servidores públicos que olham no horizonte e nada fazem, por incompetência ou dolo.
Dos R$ 5,2 bilhões esterilizados na Reserva de Contingência do MCTI em2021, valores que não poderiam estar na Reserva devido à aprovação da LC, R$ 2,3 bilhões retornaram aos cofres da Finep, agência de inovação do MCTI e secretaria-executiva dos Fundos Setoriais que compõem o FNDCT, via PLNs (6 e 8/21).
Desses,R$ 1,9 bilhão não serão executados pelo SNCTI (pesquisadores,cientistas, universidades e institutos de pesquisa), nem por empresas, posto que são recursos reembolsáveis (financiamento).
Somado esse valor ao R$ 1,7 bilhão já previsto na Lei Orçamentária de2021, sem qualquer desembolso até hoje e projetos apresentados à Finep, alcança-se a marca de R$ 3,6 bilhões de recursos disponíveis, mas não realizados. Uma reserva de contingência ao avesso.
Como exigem contrapartida financeira, nem a empresas interessam. Estas conseguem juros equalizados menos onerosos no mercado financeiros ou externamente, uma boa parte em seus próprios países de origem.
Repetindo o crime contra o país e o CEITEC, não se preocupou, no mínimo, o MCTI, em buscar o cumprimento a Lei que regula a aplicação recursos do FNDCT, norma que reserva, expressamente, ao Conselho Diretor do FNDCT, com assessoramento do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – CCT (art. 5o,III e IV, da Lei no11.504/07), a função de definir onde serão aplicados os recursos arrecadados pelos 15 fundos setoriais (após extirpação irresponsável do Fundo Setorial do Petróleo/CT-Petro) que compõem o FNDCT.
Ouvido o CCT, o total das rubricas reembolsáveis certamente não alcançariam este montante, percentual malandro e escamoteado, também incluído – erradamente, este – pela LC no177/21, autorização legal que consumirá, como vem sendo observado(LOA 2021 e PLN 8), metade dos valores do FNDCT (art. 12, inciso II,alínea a,da Lei no11.504/07).
Paralelamente,às vistas do Congresso Nacional e de toda comunidade científica,está sendo construído um golpe em todo o SNCTI, através da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, norma responsável por definiras metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas para o exercício subsequente, limites que serão registradas na Lei Orçamentária Anual – LOA de 2022.
Aprovada no último dia 15 de julho, com 278 votos a favor 145 contrários,todos da oposição,na Câmara, e por 40 votos a 33 no Senado, além de prever um salário mínimo de R$ 1.147 em 2022 – hoje é R$ 1.100 -, um crescimento do PIB de 2,5%, taxa básica de juros média de 4,7% e déficit primário de R$ 170,47 bilhões para contas públicas do Governo Central (Tesouro, Previdência e Banco Central), o relator da LDO incluiu no texto, votação que teve, novamente, o voto contrário dos partidos de oposição, o aumento da verba para o fundo eleitoral para o pleito de 2022, passando de R$ 2 bilhões para mais de R$ 5,7 bilhões.
Mas para pesquisadores, cientistas, universidades, empregas de base tecnológicas, organizações sociais e agências inovação,produção técnica e formação superior, que compõem o SNCTI,estes não foram os principais crimes. Embora danosos, são apenas indiretos.
O grande golpe no SNCTI, camuflado em 176 artigos e 8 anexos da LDO, que desmonta completamente a principal garantia de fluidez de recursos do Sistema, conforme aprovado pelo Congresso na forma da LC no177/21, qual seja o impedimento de alocação dos recursos do FNDCT na Reserva de Contingência,está bem escondido, como coisa de bandido, no artigo62, § 18, do extenso documento aprovado.
Diz o dispositivo malandro, inverbis:
“…………………………………………………………………………………………………………..
Art. 62…………………………………………………………………………………………………..
…………………………………………………………………………………………………………….
§18. Não serão objeto de limitação orçamentária e financeira as despesas relativas às fontes vinculadas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, na forma previstano § 2º do art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, observado o disposto no § 2º do art. 11 da Lei nº 11.540, de 12 de novembro de 2007.
……………………………………………………………………………………….”.(grifo nosso)
Ora,onde está a vedação para incluir na RCos recursos do FNDCT, conforme expresso no§ 3odo artigo 11 da Leino11.504/07(art. 2º, LC no177/21)? “É vedada a alocação orçamentária dos valores provenientes de fontes vinculadas ao FNDCT em reservas de contingência de natureza primária ou financeira”.(grifo nosso)
Embora seja, a LDO, uma lei de natureza especial, que organiza e desenha a execução dos meios do país, é flagrante a inconstitucionalidade deste dispositivo, posto que contraria e sobrepõe, materialmente,uma lei complementar, de maior amplitude, além de ser um claro exemplo de descumprimento de preceito fundamental e de afrontar,especificamente, o artigo 218 da Constitucional Federal, que reserva ao “Estado a promoção e o incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa,à capacitação científica e tecnológica e à inovação”nacionais.
Na função de mero observador do desmonte do SNCTI, o ministro de CT&Ie seus agentes, como de costume, ficaram inertes e apenas observadores, talvez por dolo, a esta situação também.
É o colapso sacramentado, mas que ainda pode piorar, se viabilizado a estapafúrdia ideia do semi presidencialismo, num país com 33partidos registrados e 24 com assento no Congresso, repletos de profissionais eleitos que, na maioria das vezes, só olham para Comissão de Orçamento – enclave cardinálico que já tarda em acabar -, capturando-a e incluindo jabutis e bodes, como o reproduzido neste Relatório, que tornarão o país ingovernável e refém de projetos comezinhos, distantes daquilo que propugna o SNCTI.
1 Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações – MCTI, Educação e Saúde, Agências de Fomento (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Financiadora de Estudos e Projetos – Finep e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES), Universidades Públicas (União, Estados e Municípios) e Privadas, Institutos Federais de Ciência e Tecnologia, Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCT, Organizações Sociais (Instituto de Matemática Pura e Aplicada – IMPA, Centro de Gestão e Estudos estratégicos – CGEE, Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais – CNPEM, Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – IDSM, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa – RNP e Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial – EMBRAPII), Secretarias Estaduais de CT&I, Fundações Estatuais de Amparo à Pesquisa – FAPs, Fundações Privadas de Apoio à Pesquisa, Fundações de Apoio às Universidades e empresas atuantes em P&D.
2 O CNPq tem, historicamente, uma despesa anual média de cerca de R$ 1,25 bilhão: R$ 1,05 bilhão para bolsas e o restante para fomento e manutenção.
Fundação João Mangabeira – Observatório da Democracia