Relatório sobre Educação – julho/2019

FATOS RELEVANTES:
O mês de julho teve como destaques o anúncio de novo contingenciamento sobre o orçamento do Ministério da Educação, da ordem de R$ 348,47 milhões, e a apresentação do Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras –FUTURE-SE.

MEDIDAS APRESENTADAS:

Novo contingenciamento: O governo federal publicou, no dia 30 de julho de 2019, um decreto estabelecendo o contingenciamento de recursos do orçamento federal no montante de R$ 1,44 bilhão, distribuído por ministério. O Decreto publicado (nº 9.943/2019) bloqueou R$ 348.471.498 do orçamento previsto para o Ministério da Educação.

Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras FUTURE-SE: O Ministério da Educação lançou, no último dia 17 de julho, o programa Future-se. A proposta consiste na transferência da gestão administrativa, financeira e patrimonial de institutos e universidades federais para Organizações Sociais (OS). Além disso, toda área de pesquisa e inovação e contratação de docentes também deve ser transferida para
a OS gestora.

A outra face do programa se baseia no estímulo ao empreendedorismo e a parceria com o setor privado para captação de receitas. A proposta pretende modificar o atual modelo de financiamento das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), introduzindo a permissão para que pessoas físicas ou jurídicas possam nomear uma parte de um bem,
móvel ou imóvel, de um local ou evento, em troca de compensação financeira (“naming rights”), e, também, prevê a criação de Sociedades de Propósito Específico (SPE), nos departamentos de cada instituição, com a destinação de um percentual do lucro auferido para a Ifes.

A viabilização financeira do projeto se daria por meio da criação de um fundo de investimento, que teria como principal fonte de recursos a transferência, por meio da Secretaria de Patrimônio da União, da administração de bens imobiliários para o Ministério da Educação (MEC). O MEC poderá participar como cotista do fundo, que deverá ter natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio do cotista e do
administrador, sujeitando-se a direitos e obrigações próprias.

ANÁLISE CRÍTICA:

No que tange ao novo contingenciamento de recursos do MEC, o governo, na prática reafirma seu descompromisso com a educação no Brasil. Nesse ano, os bloqueios já totalizam R$ 6,1 bilhões dos R$ 25 bilhões previstos como orçamento discricionário da educação.

Os cortes impactam sobre todas as áreas da educação, em especial sobre o
financiamento de bolsas de pós-graduação da Capes, as universidades e a educação profissional, que, passa por um processo de esvaziamento. Para se ter uma ideia, o total de alunos no Pronatec caiu 58% de 2018 para 2019.

No que concerne ao programa “FUTURE-SE”, faz-se necessário uma análise mais detida. Trata-se de uma mudança profunda sobre o atual modelo de gestão das universidades e institutos federais, com implicações sobre a autonomia e o financiamento das IFES.

A primeira grande polêmica se deve a transferência da gestão administrativa, financeira, patrimonial, a pesquisa e inovação e contratação de docentes de institutos e universidades federais para Organizações Sociais (OS). No caso, a OS contratada poderá ser composta, inclusive, por membros externos à comunidade acadêmica, sem qualquer relação direta com a IFES administrada.

As IFES estarão completamente subordinadas a OS, que controlará todos os
investimentos, contratações, projetos de pesquisa, etc. Na prática, o contrato de gestão da OS com o MEC delimitará o desenvolvimento das IFES, não mais a comunidade acadêmica, a partir das instâncias deliberativas de cada instituição.

Trata-se de uma grave ameaça a autonomia universitária. A não subordinação a governos ou mesmo ao mercado é uma premissa fundamental para efetivação da universidade como espaço do conhecimento e de ideias transformadoras.

Além disso, o desenvolvimento institucional de cada Ifes deve estar em sintonia com a realidade específica em que está inserida e com sua vocação acadêmica. A definição de diretrizes a partir de um contrato de gestão, estabelecido por parâmetros e agentes externos, pode levar a um descompasso entre as metas estabelecidas e o contexto em que a instituição está inserida e sua função social.

A outra face polêmica da proposta se refere à mudança sobre os parâmetros de financiamento, que passam a se basear em receitas oriundas de um fundo de investimento e sobre a captação de recursos a partir de parcerias em pesquisas com o setor privado via SPE e naming rights.

Sobre o fundo, que deve ser administrado por uma instituição financeira ainda a ser definida, o governo espera alcançar a cifra de R$ 102 bilhões. No entanto, ainda não está clara a origem desses recursos, que, ademais são absolutamente insuficientes para o financiamento das Ifes. Somente para 2019, o orçamento previsto para as Ifes é da ordem R$ 63,7 bilhões, isso equivaleria ao consumo de dois terços do fundo em apenas um ano.

A ideia de se criar SPE para parcerias com o setor privado para realização de pesquisas remuneradas como fonte de financiamento das Ifes é questionável. A realização de parcerias com o setor produtivo para realização de pesquisas é algo positivo, desde que não se torne a fonte prioritária de receitas das instituições.

Na verdade, o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, sancionado em 2016, já prevê essa possibilidade, o texto permite que professores em regime de exclusividade nas universidades, por exemplo, possam se envolver em projetos do setor privado e compartilhar patentes e royalties que venham a ser produzidos. No entanto, a lei estabelece parâmetros mínimos para que não haja um desvirtuamento do papel da universidade, ou mesmo, não sejam esvaziadas as dimensões do ensino e da extensão,
que, no caso, não são tão atrativas para o mercado.

A lógica de financiamento baseada na capacidade de captação de recursos privados desobriga o estado de prover os recursos necessários ao funcionamento das Ifes, podendo impactar diretamente em decisões sobre a criação de cursos, definição de currículos, sobre número de vagas, dentre outras questões. Isso porque, as universidades precisarão buscar esses recursos e para isso terão que atender as demandas do mercado.

Áreas do conhecimento como as ciências humanas ou mesmo as licenciaturas, por exemplo, podem ficar secundarizadas. A oferta de cursos na rede privada é concentrada em poucas áreas com maior procura, sendo que, muitas vezes, estão com saturação de profissionais no mercado. Por outro lado, o setor privado oferece ínfimas vagas presenciais em zicenciatura apesar de haver grande demanda de profissionais, isso
porque são cursos pouco atrativos. Cursos com baixa procura, mas com grande relevância para o Brasil como as licenciaturas em física e matemática, podem se tornar um fardo e serem substituídos por cursos mais atraentes.

Portanto, a discussão sobre a dependência do financiamento privado das Ifes se relaciona diretamente a alteração de uma das partes do tripé constituinte que garante a autonomia universitária, o financiamento. Isso porque a existência de orçamento público próprio que dê condições plenas de funcionamento para as universidades federais é uma premissa fundamental para o exercício de uma gestão autônoma.

Foi com essa perspectiva que a Constituição Federal de 1988 consagrou a autonomia universitária, no seu artigo 207, definida a partir de três dimensões indissolúveis: (i) didático-científica; (ii) administrativa; e (iii) de gestão financeira e patrimonial. Desse modo, não se pode conceber a existência de uma sem as demais. Sendo a didático-científica dedicada a garantir o atingimento das missões constitucionais da Universidade
e, a autonomia administrativa e a autonomia de gestão financeira e patrimonial voltadas a assegurar condições para a concretização da autonomia didático-científica.

O ensino superior desempenha papel estratégico para o desenvolvimento nacional, a universidade deve ser a casa do conhecimento, de ideias transformadoras, deve pulsar a cultura e o saber. Não pode ser tutelada nem por governos de ocasião nem pela dependência financeira do mercado, só assim se realiza plenamente a autonomia universitária e a universidade pode cumprir sua missão constitucional.

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