Relatório de Maio – Mundo do Trabalho
Publicado 20/07/2021 - Atualizado 20/07/2021
Fatosrelevantes
Os meses que se sucederam apresentaram diversos fatos relevantes, os quais impactaram direta e indiretamente o mundo do trabalho.Entretanto, um deles ganha alta relevância, que foi as consequências da segunda onda da Covid-19 no Brasil. Outros países viveram a segunda onda após uma redução no número de casos, entretanto nosso país, por consequência das resistências às medidas de restrição, vivenciou a segunda onda em meio à um grande número de contaminados e mortes pela doença. As consequências desse processo foram desastrosas. O país bateu recordes em números de mortes,ultrapassando 4 mil mortos por dia. Em algumas cidades, como Manaus por exemplo, pacientes morreram devido a falta de insumos básicos,como oxigênio. Entretanto,o resultado mais marcante foi a chegada à marca das mais de 500 mil mortes por COVID no país. Todo esse processo foi agravado pelo atraso na vacinação, em razão da falta de planejamento do governo federal.
A CPI da Covid, comissão parlamentar que investiga a atuação do Executivo durante a pandemia, já começou a apontar questões centrais sobre a atuação do governo Bolsonaro. A comissão, que teve início em abril, já ouviu vários membros do governo, como ex-ministros, o diretor da Anvisa, o gerente-geral da Pfizer na América Latina, deputados, além de outros depoentes.Os relatos apontam algumas questões, como: a existência de uma conselhamento paralelo na gestão da pandemia; a tentativa de alteração na bula da cloroquina, visando indicar seu uso no tratamento da Covid, mesmo sem eficácia comprovada; e a não devolutiva do governo frente às propostas de vacinação da Pfizer;entre outros. Contudo, nos últimos meses uma denúncia tem ganhado relevância nas discussões da CPI, que é o suposto esquema de corrupção na compra da Covaxin. O contrato da vacina indiana,segundo os dados obtidos pela CPI, estava com valor acima do preço previsto inicialmente pela empresa. Destacam-se outras questões sobre o suposto escândalo, um deles se refere ao fato de que a Covaxin saiu no valor mais caro do que a Pfizer, recusada anteriormente pelo governo federal; uma outra questão diz respeito a aprovação do contrato com a vacina da Índia mesmo sem aprovação da Anvisa, motivo que anteriormente fez com que o governo federal atrasasse à aquisição da Coronavac. A CPI continua atuando, entretanto já é possível identificar a materialização de um projeto negacionista,sem planejamento e possivelmente corrupto,que só tem agravado a pandemia no Brasil.
Todo esse processo tem rebatimentos direto no mundo do trabalho, afinal essa gestão desastrosa do governo federal só dificultou a retomada das atividades econômicas, sem contar a histórica retirada de direitos trabalhistas que tem dificultado ainda mais a situação da classe trabalhadora. Dados da Organização Internacional do Trabalho(OIT) apontam para uma perda de 255 milhões de empregos de tempo integral em todo o mundo, no decorrer do ano de 2020. Essa perda se manteve nos quatro primeiros meses de 2021, sendo 90 milhões de empregos a menos em todo o mundo.De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) o Brasil, no início deste ano, apresentou uma taxa de desemprego de 14,2%, o que corresponde a cerca de 14 milhões de desempregados. Outro índice que cresce no Brasil é o número de trabalhadores informais, que neste ano tem chegado a quase 40% da população economicamente ativa, aproximadamente 34 milhões de trabalhadores. Esses dados confirmam os impactos da má gestão do governo Bolsonaro frente à pandemia e as consequências da histórica retirada de direitos.
Foi diante desse cenário que foram lançadas algumas medidas que vão impactar diretamente os trabalhadores. Uma delas foi a publicação de duas MPs, a 1045 e a 1046, que versam sobre a flexibilização trabalhista e recriam o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. As medidas foram publicadas em abril deste ano e resumidamente reeditam as MPs 927 e 936, lançadas ano passado. Outra proposta do governo Bolsonaro, que também pode afetar a vida de milhares de trabalhadores, é a PEC 32, ou a PEC da reforma administrativa. A proposta propõe uma alteração estrutural nos serviços públicos e também pretende alterar a relação do Estado brasileiro com os servidores públicos.A PEC já foi aprovada pela CCJ, com uma votação acirrada, e agora espera a análise de uma comissão especial antes de ir para uma votação no Senado. Tais medidas poderão ter impactos significativos na vida dos trabalhadores do setor privado e nos trabalhadores dos serviços públicos.
Medidas do governo
A primeira medida citada, a MP 1045, recria o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Tal medida possibilita a suspensão do contrato de trabalho ou redução da jornada com redução de salário, tudo isso por meio de acordos individuais entre empregado e empregador, destaca-se que entra nesse acordo trabalhadores que recebam até 3 salários mínimos. O corte na jornada de trabalho poderá ser feito em 25%, 50% ou 70% e o salário reduz proporcionalmente. As medidas dos acordos têm validade de 4meses. O trabalhador receberá uma compensação pela perda da renda,por meio do benefício emergencial (Bem), onde tal benefício será calculado com base no valor do seguro- desemprego e no percentual do corte de jornada do trabalhador, como por exemplo, um acordo de 50%,o trabalhador receberá da empresa 50% do salário e 50% da parcelado seguro-desemprego. Para trabalhadores que recebem salários entre3 salários mínimos e R$ 12,8 mil, a suspensão de contrato ou corte de jornada acima de 25% dependerá de negociação com o sindicato da categoria e celebração de acordo coletivo.
A outra medida provisória, a MP 1046, traz a flexibilização das leis trabalhistas, bem como sua antecessora, a MP 927. Ela traz as mesmas alterações da medida anterior, tais como: a facilitação para as empresas decretarem férias coletivas; flexibilização das regras para alteração do regime de trabalho para o home office; construção de um regime especial de compensação de banco de horas (compossibilidade de compensação em até 18 meses); possibilita a antecipação de férias e de feriados; e o adiamento do pagamento do FGTS do trabalhador por até quatro meses (vencimentos de maio a agosto). Com relação à antecipação das férias, o trabalhador deverá ser informado pelo patrão com uma antecedência de 48 horas.Já referente ao adiamento do FGTS, o empregador deverá compensar posteriormente, em depósitos de 8% do salário em até quatro parcelas a partir de setembro.
Por fim, a Proposta de Emenda Constitucional 32 (PEC 32/2020) propõe uma mudança estrutural nos serviços públicos. A PEC, rompendo com o regime jurídico da Constituição de 1988, afetará os servidores públicos de todos os entes da federação, além de empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista. Só ficarão de fora os militares das forças armadas, os magistrados, membros das carreiras típicas de Estado e parlamentares. Ela propõe mudanças nas formas de entrada no serviço público, com cinco formas de entradas, sendo que a maioria não prevê estabilidade e não contarão com concursos públicos. A proposta também apresenta medidas como: permissão para a extinção e transformação de cargos; o fim de gratificações e funções; e o impedimento para exercerem funções comissionadas. Tais medidas simbolizam uma grande perda de direitos para os servidores que entrarão e os que já estão nos serviços públicos.
Outra característica da PEC é a ampliação das atribuições do presidente da República, onde o mesmo poderá acabar com autarquia se fundações por decretos, além de recrutar cargos de lideranças.Esses cargos avaliarão o desempenho dos servidores, avaliação essa que será condição para efetivação desses trabalhadores.Destaca-se também que próximas mudanças poderão ser realizadas por meio de leis complementares, não precisando alterar a Constituição. Essa reforma administrativa também prevê que equipamentos públicos possam ser cedidos para a iniciativa privada,além da permissão para que militares ocupem funções nesses espaços, militarizando escolas e postos de saúde.
Análise crítica
Tais medidas terão impactos significativos na vida dos trabalhadores,sejam os do setor privado como também os de setores públicos.Destaca-se, inicialmente, os impactos no setor privado,analisando algumas ponderações acerca das MPs 1045 e 1046. Por mais que o governo e seus defensores ressaltem que essas medidas têm por objetivo a preservação dos empregos, o que se verifica é um desejo de salvar as empresas da falência. Essas medidas provisórias fazem com que o custo da crise seja pago pelos trabalhadores, impondo sobre os mesmos uma redução salarial que irá dificultar sua subsistência nesse período da pandemia, enquanto a população mais rica sai ilesa desse processo. Prova disso é a dificuldade e a redução no pagamento do auxílio emergencial e em contrapartida um esforço para a aprovação dessas medidas de redução de salários. Um importante ponto a se observar também é a preferência aos acordos individuais ao invés das negociações com os sindicatos, enfraquecendo esse importante instrumento de luta da classe trabalhadora.
Já a PEC 32, tem como alvo os trabalhadores do setor público. Seus defensores se pautam sob o discurso de combate aos privilégios dos servidores públicos, entretanto, como já sinalizado, é justamente os grupos que mais recebem que estarão fora dessa reforma administrativa, ou seja, a medida mantém os privilégios de uns poucos em detrimento da redução de direitos de outros que já não têm condições favoráveis, como enfermeiros, professores,assistentes sociais, dentre outros. Diversos são os ataques a esses trabalhadores, um deles refere-se à flexibilidade da estabilidade,deixando esse direito apenas para alguns servidores. Reduzir a estabilidade vai gerar consequências negativas para a qualidade no atendimento da população, rompendo os fluxos de informações e dificultando planejamentos a longo prazo. Outro ataque aos servidores se dá pela criação do vínculo de experiência, um processo de avaliação que será condição para a efetivação no cargo. Essa forma de seleção deixará o trabalhador refém de um processo de seleção baseado na pessoalidade, ou seja, poderá perder sua vaga caso outro candidato tenha vínculo com alguém da administração pública ou por questões de afinidade política. A proposta também prevê a retirada de vínculos de trabalho para os servidores, os quais poderão ser substituídos por trabalhadores temporários,deixando-os mais uma vez reféns de afinidades políticas e aproximações pessoais.
Uma observação acerca dessa Reforma Administrativa que merece destaques e refere ao ataque aos serviços públicos. A PEC abre margem para que a iniciativa privada ocupe setores públicos, dando início a um processo de privatização dos mesmos. A pandemia tem nos mostrado a importância dos serviços públicos, não só os da saúde, mas todo o conjunto de políticas, as quais têm garantido as condições mínimas para a população menos favorecida. Sendo assim, entregar esses serviços para iniciativa privada só vai dificultar a universalidade e o alcance das mesmas. Importante pontuar também queo ataque aos servidores, como sinalizado acima, é também um ataque aos serviços públicos. São eles que estão na ponta das políticas e que tentam garantir um atendimento de qualidade para os usuários.Precarizar as condições de trabalho desses profissionais é também precarizar a qualidade desses serviços.
O Brasil segue vivendo uma forte crise sanitária que é acompanhada pelo crescente aumento da pobreza. Diversos são os relatos e dados referentes ao aumento de preços dos alimentos, ao desemprego, a informalidade, dentre outras questões. A implementação dessas medidas por parte do Executivo, que afetam os trabalhadores dos setores privados e públicos, só fazem agravar esse cenário de crise, demonstrando assim qual é o projeto político e de classe do governo Bolsonaro.
Fundação Lauro Campos e Marielle Franco