Relatório de Ciência e Tecnologia – Novembro/2019

Oposição impede cortes no orçamento de C&TI

Fatos relevantes e medidas propostas

Em novembro alguns fatos tem relevância na discussão do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – SNCTI.

Envolvendo os ministérios de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações: MCTIC e Educação – MEC, teve início a discussão sobre uma possível fusão entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior – Capes.

Numa resposta vaga e sem qualquer estudo – e usando a palavra accountability erroneamente, mas talvez premonitória em relação à corrupção futura -, assim tratou o presidente da Capes, Anderson Ribeiro Correia, nomeado pelo então ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, sobre a fusão das Agências, verbis: “não é desarrazoado pensar que a atual existência de mais de umente de fomento, com omissões semelhantes, vinculados a Ministérios distintos,impõe evidentes dificuldades de governança quanto à aplicação dos recursos públicos, bem como aferição de seu efetivo retorno à sociedade (accountability1). Logo, para além do discurso de economia operacional, é forçoso reconhecer que, aprioristicamente, uma eventual incorporação ou fusão traria vantagens muito maiores do ponto de vista da referida governança e da indução mais efetiva ao desenvolvimento científico e tecnológico do país2.”Ora, o que significa isso?

Num processo de destruição do SNCTI a próxima etapa, após a fusão das agências, seria a incorporação da Financiadora de Estudos e Projetos- Finep, agência de inovação do governo federal, ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.

 Tanto uma como outra medida conduzem, veladamente e de forma pré-concebida pelo governo em exercício, para o desmonte da pesquisa e fomento em CT&I, formação continuada de recursos humanos e produção de produtos e processos inovadores no País, atividades desenvolvidas por CNPq, Capes e Finep, respectivamente.

Inobstante ter aposto 25 vetos à Lei de Diretrizes Orçamentárias -LDO para 2020, o governo federal – positivamente, diga-se – preservou a proposta de emenda à LDO do deputado João H. Campos (PSB/PE) que impede o contingenciamento e a limitação de empenho as ações classificadas na função CT&I, no âmbito do ministério – MCTIC.

Além de proteger as atividades finalísticas de CT&I, a exemplo da integralidade de bolsas e fomento no CNPq, do financiamento à produção de inovação de produtos e processos através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT (Finep), a manutenção da emenda na LDO de 2020 permitirá a construção do Laboratório SIRIUS (fontes de luz síncrotron de 4a geração- Campinas/SP), do Instituto Nacional do Semiárido – INSA (Campina Grande/PB), a realização de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – PD&I nos Institutos de Pesquisa do MCTIC, a implantação do Reator Multipropósito e do Centro de Lançamento de Alcântara (Maranhão), operações de monitoramento no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe e no Centro Nacional de Monitoramento de Alertas de Desastres Naturais – Cemadem, como  queimadas, desmatamentos, enchentes e secas, além da expansão do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano). Recuperou, assim, uma condição que era atribuída às ações de CT&I até 2011, fato que permitiu a execução de processos e atividades que ampliaram significativamente os investimentos na área.

Embora não alcançados pelo contingenciamento, R$542,1 milhões destinados à Administração Direta do MCTIC (R$ 408,0 milhões), ao CNPq (R$ 48 milhões), à Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN (R$ 41,9 milhões), à Agência Espacial Brasileira – AEB (R$ 34,9 milhões) eao Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada – CEITEC (R$ 9,3milhões), dotação vinculada à quebra da Regra de Ouro3, ainda precisará de aprovação de projeto de crédito no Congresso Nacional no valor de R$ 367 bilhões4.

Foi vetada, entretanto, outra emenda do deputado João H. Campos,que propunha a mesma vedação para pesquisa na Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea.

Passados dez meses de governo foi finalmente reativado (Decreto no10.057, de 14 de outubro de 2019) o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – CCT, órgão consultivo de assessoramento do Presidente da República para a formulação e implementação da política nacional de CT&I, a exemplo do estabelecimento de planos, metas, prioridades, instrumentos e recursos para sua consecução da política de CT&I, assim como a emissão de parecer sobre qualquer ato normativo que objetive regulamentá-la.

Através da Portariano6.358, de18 de novembro, foram designados os membros do CCT. Espera-se que a reunião com os novos ocupantes seja realizada em breve e que a comunidade científica(Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, Academia Brasileira de Ciências -ABC, Associação Nacional de Instituições Federais de Ensino Superior – Andifes, Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa – Confap e Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação – CONSECTI), por meio de seus representantes, seja realmente ouvida.

Outro impasse, atrasado, refere-se à condenação do Brasil pela Organização Mundial do Comércio – OMC, a partir da interpelação ao Brasil por Japão e a União Europeia – UE, em relação à concessão de desconto de até 80% no Imposto sobre Produtos Industrializados -IPI, previsto na Lei de Informática (8.248/91), e auferidos quando a empresa realiza localmente investimentos em PD&I.

Embora já aprovado na Câmara dos Deputados, em 27 de novembro, mesmo que não seja alterado no Senado, o texto não cumprirá o prazo exigido pela OMC para que os ajustes na Leide Informática entrem em vigor (1ode janeiro de 2020),devido à exigência do prazo de 90 dias (noventena) para entrada em vigência alterações tributárias.

Pelo acordo realizado, ao invés de recolher, ou de recolherem a menor, o IPI na saída dos produtos industrializados, as empresas beneficiadas passarão a contar com um crédito tributário correspondente a um percentual da receita líquida da venda de bens e serviços de informática.

Para completar, situação inusitada que ocorre de forma recorrente no Brasil, o ministério da Economia enviou ao Congresso Nacional, em 25 de novembro, Mensagem Modificativa do Projeto de Lei Orçamentária -PLOA para 2020 (art.166, §5o,CF). Esta modificação é necessária devido à sanção da LDO depois do envio do PLOA ao Congresso (31 de agosto, art. 35, § 2o,II e III c/c art. 166, § 6o,CF). Como as diretrizes, metas e prioridades para construção da LOA decorrem da LDO o ajuste, embora extemporâneo e intempestivo devido à morosidade do Congresso, foi realizado.

No PLOA enviado em agosto as operações de crédito excedentes ao limite constitucional vedadas constitucionalmente (art.167, III,CF, Regra de Ouro) eram de R$ 367 bilhões (em 2019 foi de R$ 258bilhões). Na MSG Modificativa o valor reduziu para R$361.5 bilhões. Seguindo a linha adotada pelo governo em exercício, as despesas sociais (benefícios previdenciários) aumentaram a participação nas despesas condicionadas (22,9% no PL original para 31,9%, na MSG). Devido à inclusão de despesas de CT&I e de Defesa no rol de ações não contingenciáveis (Anexo III, Seção I, LDO 2020) a MSG reclassificou R$7,5 bilhões destas Pastas como despesas obrigatórias (RP 1), quando no PLOA original eram discricionárias.

Análise crítica

Ao invés do presidente da Capes usar palavras genéricas para justificar e “honrar” quem o indicou para seu cargo, rascunho que vale apenas como discurso fácil para supressão de qualquer órgão público, em qualquer tempo, deveria comparar as funções da Capes, voltada à formação e do CNPq, à pesquisa, com escopos diferente sem propósito e resultado, senão complementares, desde sua instalação. Enquanto uma Agência, a Capes, atua em questões educacionais e formativas, a outra, o CNPq, fomenta o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Naturezas e propósitos distintos, pois, de uma e outra, mas complementares.

A Capes, vinculada ao MEC, foi criada pelo Decreto no29.741/51 para garantir a formação de pessoal especializado “em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados”. Atualmente, tem atuação direta na formação continuada de professores de todos os níveis e na avaliação de cursos de pós-graduação, divididas em linhas de ação, dentre elas a avaliação da pós-graduação stricto sensu, o acesso e divulgação da produção científica e o investimento na formação de recursos humanos de alto nível, no Brasil e no exterior.

O CNPq, também de 1951, surge para coordenar a pesquisa científica nacional e fomentar estudos em CT&I. Atualmente, o CNPq cuida de “fomentar a CT&I e atuar na formulação de suas políticas,contribuindo para o avanço das fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional”. Como principal órgão de fomento de pesquisa do país, o CNPq, vinculado ao MCTIC, além de participar da formulação, execução, acompanhamento, avaliação e difusão da Política Nacional de CT&I, realiza 11 linhas de ação, dentre elas o fomento à pesquisa científica e tecnológica em todas as áreas do conhecimento, à pesquisa científica e tecnológica voltadas ao resultado econômico e social e necessidades de setores nacional ou regional e à inovação tecnológica.

Cabe ressaltar que o fomento no CNPq não fica resumido à concessão de bolsas, mas também ao pagamento de diversos auxílios a programas, manutenção de laboratórios e centros de pesquisa, proporcionando resultados em PD&I.

Neste contexto, resume-se, que a ideia de fusão do CNPq e da Capes é mais um proselitismo demagogo, leviano, desprovido de qualquer levantamento de dados ou informações, que nada trará em economia,racionalização de serviços prestados, melhor “governança”,mais transparência ou melhor “accountability”, no sentido real da palavra, não no sentido de como a usa o atual passageiro ocupante da presidência da Capes.

 Num golpe orçamentário, vincular projetos com elevado retorno social e socioeconômico que são intensivos em gastos correntes(custeio), como despesas em CT&I e Educação – mesmo que preservados de contingenciamento -, a controles como a Regra de Ouro, produz elevado descompasso entre o resultado e o retorno do valor investido. Nesta lógica, que privilegia ativos físicos (obras inconclusas, muitas vezes – “elefantes brancos”), em detrimento de despesas sociais de maior impacto que traduzam em mobilidade social e resultado científico e tecnológico, provoca distorções na composição do orçamento púbico e reduzida qualidade do gastopúblico.

O projeto aprovado na Câmara, que atualiza a Lei de Informática,embora retire os incentivos do IPI, ajustando a Lei à cobrança da OMC, carrega, como de costume, ampliação, subjetiva, de incentivos fiscais e de seu usufruto, sublimado. Isso ocorre porque empresas prestadoras de serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação – TICs, que hoje praticamente não usufruem do incentivo, por não registrarem saídas de produtos industrializados, passariam a contar com um crédito de 14,8%.

Paralelamente, não resolve renúncias fiscais. Segundo números da Frente Parlamentar Mista para o Desenvolvimento da Indústria Elétrica e Eletrônica, o investimento em PD&I,entre 2006e 2017,da ordem de R$12,4 bilhões,custou renúncias fiscais o quádruplo deste valor, R$ 48 bilhões. Mas resolveu,inobstante, o texto da Câmara, a indecisão do Poder Executivo Federal, e atendeu à cobrança da OMC.

Japão, UE e a própria OMC farão cara de paisagem em relação ao atraso exigido pela noventena e à apatia e incapacidade do governo brasileiro, exercitando a velha magia entorpecente da diplomacia brasileira e mundial, a arte de esconder sentimentos.

Notas:

1 A palavra Accountability, diferentemente de como a usa o presidente da Capes, está relacionada à prestação de contas por parte do agente público, impactando, sobremaneira, na transparência das contas públicas e responsabilização deste agente contra atos corruptivos. Segundo a International Federation of Accountants (IFAC, 2001) é o processo pelo qual as entidades do setor público e os indivíduos dentro delas são responsáveis por decisões e ações, incluindo a forma como são geridos os recursos públicos. Para a International Organization of Supreme Audit Institutions (INTOSAI, 1998) é a obrigação imposta aos agentes e entidades públicos de responderem de forma fiscal, gerencial e programática quanto aos recursos que lhes foram conferidos a quem lhes acometeram tais recursos (cf. SIU, Marx Chi. Disponível em . Acessado em 29 NOV 2019)

2Resposta ao Requerimento de Informação no1.371/19, da deputada Talíria Petrone (PSOL/RJ), sobre processo de fusão ou extinção do CNPq e da Capes.

3Em vigor no Brasil há três décadas, desde a Constituição de 1988 (art. 167,III), veda que os ingressos financeiros oriundos do endividamento (operações de crédito) sejam superiores às despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e amortização da dívida). Em suma, impede que governos (nacional, estadual e municipal) produzam dívida para pagar contas de funcionamento da administração: remuneração, benefícios de aposentadoria, eventos, contas de luz e outros.

4MAZZA, Mariana. Estudos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.Assessoria Parlamentar SBPC, 2019.

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