Corte ou contingenciamento: A verdade por trás da retórica
Publicado 04/06/2019
Na semana passada, estudantes, professores e trabalhadores da educação coloriram as ruas do país em defesa da manutenção dos recursos previstos no orçamento para a educação. Os atos adquiriram grande proporção e acenderam um sinal de alerta ao governo sobre o rumo escolhido para a educação no Brasil.
Desde sua posse, Bolsonaro optou por um perfil e uma linha política beligerante na condução do Ministério da Educação. Primeiro com o ex-ministro Vélez Rodriguez e agora com Abraham Weintraub, ambos priorizando a ação política de combate a professores e universidades, sob o pretexto de acabar com o que chamam de “marxismo cultural”.
Os recentes anúncios de contingenciamento foram inicialmente justificados por premissas que seguem essa linha. Inicialmente, Weitraub afirmou que os cortes afetariam somente três universidades, que segundo ele, promoviam “balbúrdia”. Após o enorme desgaste sofrido e diante do risco de enfrentar processos sobre improbidade administrativa, o ministro estendeu os cortes para as demais instituições.
Em meio ao turbilhão que se formou após o anúncio, Weintraub passou a adotar o discurso de que não há corte, e sim contingenciamento de recursos, que seriam repostos no futuro. Tecnicamente, a terminologia é correta, mas o problema é que o volume de recursos bloqueados de forma linear, sem critérios técnicos que considerem a realidade específica de cada instituição, pode levar à paralisação das atividades.
Apesar da tentativa retórica de amenizar a gravidade dos cortes, a nova posição do ministro adota em virtude da forte pressão popular, contrasta com a orientação geral do governo, que aponta claramente para uma redução drástica dos investimentos em educação. Isso porque a agenda econômica iniciada por Temer e aprofundada por Bolsonaro tem como fundamento uma radical política de desmonte das políticas sociais, pela privatização de empresas e serviços públicos e pela desregulação das atividades econômicas.
Tanto a educação como as demais políticas sociais estão condicionadas pela vigência da Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016 (EC 95/2016), que congelou os recursos das áreas sociais por 20 anos. Trata-se de uma medida estruturante que condiciona toda a agenda educacional, inviabiliza o investimento público e força a adoção de soluções por meio da iniciativa privada. É isso que está por trás dos cortes!
Para se ter uma ideia, de 2016 a 2018, as despesas primárias do Ministério da Educação após a vigência do teto de gastos foram reduzidas em R$ 11 bilhões. Um estudo divulgado pelo DIEESE, que simulou o impacto da EC 95/2016 se adotada no período de 2002 a 2015, revelou que a educação brasileira perderia nesse período o equivalente a R$ 377,7 bilhões.
Com a manutenção da vigência da EC 95/2016, os recursos da educação continuarão sendo reduzidos ano após ano. Não há qualquer intenção do governo de rever esse quadro, pelo contrário, está sendo gestada uma nova Proposta de Emenda à Constituição, já anunciada pelo ministro da Economia, que pretende retirar da Constituição a exigência de patamares mínimos de investimento em educação. Atualmente, a União é obrigada a aplicar no mínimo 18% e os Estados, Municípios e Distrito Federal 25% dos impostos arrecadados em educação.
Ou seja, a intenção é reduzir os investimentos a patamares inferiores ao estabelecido pela Carta Magna, do contrário, não seria necessária alteração extinguindo a obrigatoriedade de investimento mínimo.
Os discursos recorrentes de autoridades do governo tentando transmitir a imagem de que existe recurso em demasia para a educação, nada mais é do que uma tentativa de criar um ambiente de descrédito que justifique uma redução ainda mais drástica de recursos.
Apesar de existirem inúmeros problemas de gestão que precisam ser enfrentados pelo poder público, deve-se reconhecer que os recursos destinados à educação no Brasil são insuficientes para fazer frente aos desafios existentes para assegurar o acesso a esse direito em condições equânimes para os brasileiros. Os dados comparativos do investimento em educação no Brasil com a média dos países da OCDE são reveladores, enquanto o gasto público anual por aluno da educação básica a superior no Brasil é de 3.400 dólares americanos, o gasto médio da OCDE é de 9.300 dólares (5.900 amais que o Brasil).
Além disso, deve-se considerar que o Brasil tem um enorme passivo histórico de exclusão e falta de investimento em educação. As pesquisas mais recentes do Inep revelam que 31,2% da população entre 18 e 24 anos não frequenta e não concluiu o ensino médio; somente 25,6% das crianças até 3 anos de idade frequentam creches; apenas 11,5 % de matrículas da educação básica são em tempo integral; somente 54% dos docentes da educação básica possuem formação superior compatível com a disciplina que lecionam; apenas 23,2% da população entre 18 e 24 anos está matriculada no ensino superior. Portanto, os desafios ainda são enormes e demandam forte investimento.
A verdade é que após quase seis meses de governo, não houve qualquer abordagem sobre os temas estruturantes da agenda educacional brasileira. As medidas para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) ou mesmo a definição sobre como será encaminhada a renovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), que expira em 2020, não foram sequer mencionadas pelo novo governo.
Isso acontece porque as condicionantes impostas pelo modelo econômico perseguido pelo governo, que para a educação impõem as amarras da EC 95/2016 e a retirada de patamares mínimos de investimento, apontam para o desmonte dessas políticas. Sem recursos, não há futuro para o PNE e o FUNDEB.
Os ataques aos educadores, estudantes e universidades têm como pano de fundo a legitimação do sucateamento da educação pública. O debate se há corte ou contingenciamento é conjuntural, irrelevante, uma mera distração. Independente da retórica adotada, o fato é que está em curso um processo de desmonte da educação pública e a redução drástica dos recursos da educação é um componente inseparável do projeto político do governo Bolsonaro. Resistir é preciso!