Governadores criticam prolongamento da crise com sabotagem do governo federal

Em webconferência, governadores da Bahia, Espírito Santo, Maranhão e Pará discutiram os efeitos da falta de coordenação nacional para o combate à pandemia e a dependência dos estados dos recursos da União.

Neste sábado (16), ocorreu mais uma webconferência do ciclo “Diálogos, Vida e Democracia”, em que o Observatório da Democracia propôs o debate sobre “Pandemia, Crise e pacto federativo”, reunindo governadores do campo progressista.

Sob coordenação de Manoel Dias, presidente da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, o debate contou ainda com o apoio das fundações Perseu Abramo, Lauro Campos/Marielle Franco, Maurício Grabois, Claudio Campos, João Mangabeira, Astrojildo Pereira e Ordem Social. Os convidados foram Flavio Dino (PCdoB), governador do Maranhão; Rui Costa (PT), governador da Bahia; Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo e Hélder Barbalho (MDB), governador do Pará.

O próxima debate será na segunda-feira (18), repetindo o tema “Coronavírus, isolamento social e saúde pública”, sob o ponto de vista feminino. Nessa edição, que será coordenada pela coordenadora do Setorial Nacional de Saúde do PT, Eliane Cruz, farão parte da mesa a médica sanitarista e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ), Lígia Bahia; a professora de Epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, Glória Teixeira; a professora titular de economia da PUC-SP e ex-presidente da ABrES, Rosa Maria Marques, e a vice-presidente de Atenção Coletiva, Ambulatorial e da Família da Prefeitura de Niterói, Maria Célia Vasconcellos.

Os governadores apontaram principalmente a falta de coordenação central do combate à pandemia de covid-19, devido à discordância do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a premissa do isolamento social. Para além disso, eles relatam a dificuldade de diálogo entre governadores e governo central, o que debilita o pacto federativo, já que a União tem o compromisso constitucional de controlar a dinâmica financeira da Federação. Segundo os governadores, não fosse o Congresso Nacional e o Poder Judiciário, não seria possível manter condições mínimas de combate à pandemia.

A preocupação dos governadores é que o modo como o governo federal atrapalha o processo de redução do contágio viral, a tendência é que a crise econômica e política tende a se prorrogar indefinidamente. Segundo observam na experiência internacional, os países que melhor aplicaram mais cedo o isolamento rigoroso da população, foram os que saíram primeiro da inércia econômica.

O tema da ruptura democrática que paira sobre o país também foi uma ideia força do debate, na medida em que ela se revela no confronto entre a Presidência da República e governadores, tentando causar conflito entre estes e a opinião pública. Felizmente, as pesquisas demonstram apoio da população aos governadores, enquanto a popularidade de Bolsonaro cai vertiginosamente.

Leia abaixo as principais ideias discutidas no debate, em que os governadores falaram de suas dificuldades, perspectivas e capacidade de unidade e intervenção para mudar o clima de confronto político no país:

Manoel Dias (PDT), presidente da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini

Este é um momento difícil em que governadores são os principais protagonistas, que tomam as medidas para conter o contágio viral, com a ausência total do Governo Federal, não só, mas trabalhando contra medidas recomendadas em todo o mundo. O presidente ameaça até um rede de televisão e rádio para isso.

Não me surpreendo com a atuação do presidente porque ele já explicitava o que pretendia desde sua atuação parlamentar. Era um desastre anunciado e veio para apostar nisso. Não vai apresentar proposta nenhuma, apenas confrontar os governadores, culpando-os pela pandemia. Não adianta esperar por um governo que não quer e não vai fazer.

Esta crise afeta o pacto federativo, porque deveria ser a soma de todas as instâncias em torno de um objetivo único contra a pandemia.

Quais medidas além do isolamento social para voltar a crescer e desenvolver o país? Esta é uma pergunta que eu gostaria que todos respondessem.

O Maranhão sofre as consequências históricas da dominação de uma oligarquia que dividiu o Estado. A quarentena cansa e o pai de família sai pra garantir o sustento da casa, até porque o chefe da nação o induz a isso. Sei que o senhor está fazendo das tripas coração para diminuir o impacto da epidemia. Felizmente temos um Congresso que está cumprindo sua responsabilidade. Imagina se não tivéssemos o Congresso Nacional para fazer o enfrentamento, chamar ao respeito à Constituição e o Supremo Tribunal Federal ter agido de maneira corajosa e patriótica. O Maranhão é um dos estados que mais tem sofrido. Acredita que essa separação total e rigorosa vai conseguir melhorar isso?

As distâncias no Pará são fenomenais e um governador sozinho não poderá cuidar da população. O Pará terá mais dificuldades que outros, mas a juventude do seu governador vai ser capaz de superá-las.

Acho que Bolsonaro não conseguirá seu intento, porque os governadores cresceram muito e o povo percebe o esforço de vocês. Na semana seguinte à decretação da calamidade pública, colocaram nos cofres dos bancos R$ 1,3 trilhões, mas não conseguem depositar R$ 600 reais para o povo. Essa gente não sabia que havia 90 milhões de miseráveis, excluídos e trabalhadores informais. O Brasil não tem como não ter uma política de renda familiar que atenda a esses 40 milhões de brasileiros. O Brasil tem condições, é riquíssimo, tem reservas cambiais, pode criar uma política que proteja essa população. Isso ajudaria no isolamento social.

Economia é consumo e precisa ter consumidores para crescer. A Bahia tem uma importância vital para o Nordeste. Tem contado com apoio do governo federal?

O campo da esquerda precisa estar unido, porque Bolsonaro será descartado em 2022. Mas o sistema financeiro já está preparando outro como ele e a oposição vai dividida de novo rumo à eleição. Precisamos preservar a democracia para poder divergir. Não acredito que Bolsonaro tenha o apoio dos militares para uma ruptura democrática. Já pensou uma ruptura democrática num momento como esse? É impraticável, a não ser por um maluco desse.

Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo

Nenhum de nós imaginávamos que íamos passar por algo assim. Uma realidade inesperada de crise, de incertezas muito fortes, em que temos que administrar dia após dia, em que temos que replanejar completamente nosso trabalho. No Espirito Santo estamos anunciando cortes de despesas, temos que remanejar todo o orçamento (total de R$ 20 bi e R$ 15,5 bi) e vamos perder no mínimo R$ 13,4 de receita. Exige reprogramação completa de nossas ações, custeio, investimento, renegociação de contratos. Tivemos que mudar tudo que fazíamos.

Estamos observando o que outros países estão fazendo, inclusive os EUA, em que Donald Trump age exatamente como o nosso presidente, Jair Bolsonaro. E estamos vendo que não existe nenhuma coordenação nacional. A saída do ministro Nelson Teich, ontem, mostra que, em um mês, com a mudança de dois ministros da Saúde, mostra que o país está totalmente à deriva. Isto dificulta imensamente nosso trabalho, sem ter uma orientação nacional e um trabalho conjunto.

Não é só a falta de união, mas o enfrentamento diário ao presidente Jair Bolsonaro, que tem o enfrentamento como prática constante, com os governadores em especial. Nunca imaginei que haveria um enfrentamento à vida. Achei que isso fosse algo que fosse nos unir. Temos que ficar lutando contra os robôs e militância orgânica que nos ataca. Além de cuidar dessa crise, temos que cuidar desse ataque sofrido e da dúvida que o cidadão tem na hora que ouve o governador e ouve o presidente da República, o que nos deixa uma tarefa mais desafiadora.

Por outro lado, a política dos governadores ganhou muito peso. Estamos enfrentando uma pandemia que não é de curto prazo, mas até encontrarmos uma vacina para o nosso braço que não virá este ano. Temos que conviver com práticas e um protocolo que a gente não adotava antes.

Estamos nos preparando desde final de janeiro, com abertura de 408 leitos de UTI exclusivos para a epidemia, com parcerias com o setor filantrópico e o setor privado, para estarmos um passo a frente. Mas não tem sido fácil, pois a necessidade de internação é muito grande e a dificuldade do isolamento social é enorme. Os problemas no sistema de saúde não chegaram ao Espírito Santo, mas eu digo que esta é uma pandemia que não depende de governo, mas das pessoas. Vejo pessoas que defendem radicalização no fechamento do comércio, etc, mas no final de semana vai para a praia, a casa de campo e festas com amigos.

Também tomamos medidas de crédito ao microempreendedor, e estamos reforçando os recursos para o fundo de assistência social dos municípios para que o prefeito possa comprar cestas básicas e dar uma atenção especial a quem precisa.

Abrir leito de UTI salva vidas, mas não todas. Estamos vendo quantas pessoas morrem, mesmo com leito de UTI. Então, o que salva mesmo é o isolamento, é o uso de máscara, a prevenção e o controle da velocidade do contágio.

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