Lei prevê medidas para mitigar efeitos da pandemia no sistema prisional em MG
Publicado 16/04/2020 - Atualizado 16/04/2020

Aprovamos no dia 1º de abril, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o projeto de lei 1.777/20 que dispõe sobre a adoção de medidas para o enfrentamento do Estado de Calamidade Pública decorrente da COVID-19, causada pelo novo coronavírus. O PL é fruto da reunião de várias proposições apresentadas por parlamentares como forma de mitigar os efeitos sociais e econômicos gerados pela pandemia.
Entre elas, os projetos de lei 1624/20 e 1627/20, de minha autoria, que dispõem sobre as regras de visitação e fornecimento de alimentos e outros insumos às pessoas em privação de liberdade e dá outras providências durante a vigência do Estado de Emergência em razão da pandemia da COVID-19, e sobre providências urgentes a serem aplicadas a pessoas custodiadas no sistema prisional de maneira a promover o contingenciamento da pandemia do coronavírus no Estado de Minas Gerais.
Essas proposições foram incorporadas no PL 1.777/20 com as seguintes previsões: garantia, no caso de restrição de visitas, aos presos e aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação de prévia notificação dos defensores públicos, advogados constituídos ou familiares; o recebimento de alimentos, medicamentos, itens de higiene e limpeza e outros insumos disponibilizados nas respectivas unidades prisionais e socioeducativas pelos familiares; a utilização de meios possíveis de comunicação, como o envio de cartas (art. 16. IV).
Ainda segundo o PL 1.777-20, a autoridade competente poderá adotar medidas destinadas a transferir os presos que cumprem pena privativa de liberdade nos regimes semiaberto e aberto para a prisão domiciliar, observadas as condições a serem fixadas pelo juiz da execução penal; substituir, para os presos soropositivos para HIV, para os diabéticos e para os portadores de tuberculose, câncer ou doenças respiratórias, cardíacas, imunodepressoras ou outras suscetíveis de agravamento a partir do contágio pelo coronavírus causador da COVID-19, a pena privativa de liberdade pela prisão domiciliar; substituir as prisões cautelares atualmente em execução por medidas cautelares; alternativas à prisão, previstas no Código de Processo Penal (Art. 16, incisos I, II e III).
São iniciativas fundamentais para conter a proliferação da COVID-19 no sistema carcerário, que é um ambiente propício à rápida infecção pelo coronavírus em função da superlotação, do confinamento e das péssimas condições de higiene. O quadro do sistema prisional em Minas Gerais é crítico. Atualmente, 84 unidades prisionais estão interditadas judicialmente, sendo que praticamente todas as unidades se encontram com excedentes de suas capacidades, conforme relatório do mutirão carcerário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
Com uma população carcerária de cerca de 75 mil presos, considerando-se que há 37 mil vagas de unidades com infraestrutura precária, tem-se um quadro de superlotação superior a cem por cento!
Destaca-se que as pessoas em privação de liberdade foram consideradas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, conforme consta da Portaria Conjunta nº 19/PR-TJMG/2020, como possíveis integrantes de grupo de risco diante da pandemia. A recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) 62-2020 considera que a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial para a garantia da saúde coletiva e da segurança pública.
A situação de saúde no sistema prisional é precária. Nem todas as unidades contam com atendimento médico imediato e o transporte de custodiados para atendimento em unidades de saúde depende de uma logística complexa com carros-cela e escoltamento. Além disso, doenças respiratórias são de 10 a 100 vezes mais transmissíveis no contexto prisional, segundo relatório da Prison Reform International sobre a disseminação da COVID-19. As mortes nas prisões ocorrem em função da precariedade do acesso à saúde e são subnotificadas, como denunciam as “Mães de Maio”.
Nas visitas que tenho feito a unidades do sistema prisional mineiro, pela Comissão de Direitos Humanos da ALMG, tenho identificado problemas recorrentes, tais como comida de má qualidade, celas sem circulação de ar e iluminação solar, torturas, infecção por tuberculose, ausência de material de limpeza e higiene precária. Na Penitenciária Professor Jason Albergaria, no município de Brumadinho, constatei racionamento de água devido a uma estrutura de abastecimento que foi projetada para 396 internos, mas que contém mais de 801 pessoas em privação de liberdade. Além disso, a falta de água também guarda relação com o crime cometido pela Vale, tendo em vista que o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho impediu o município de captar água no rio Paraopeba.
Nosso trabalho para atender essa unidade prisional inclui destinação de recursos, via emenda parlamentar, que buscam a capacitação profissional para a ala LGBT, única do Estado com aquisição de equipamentos para implementação de uma oficina de corte e costura, aquisição de veículo para acesso dos internos à saúde e reforma e melhoria dos pavilhões. Além disso, as audiências públicas são um momento importante de denúncia e cobrança do poder público diante da realidade cruel do sistema prisional.
Todo esse cenário pode gerar mortes em massa no sistema prisional, caso a COVID-19 chegue até os internos e internas. Diante disso, não há outra solução para enfrentar a pandemia nas prisões que não seja o desencarceramento, para que evitemos uma tragédia de grandes proporções. O PL 1.777-20 foi sancionado no dia 2 de abril e agora iremos cobrar para que sejam efetivadas as medidas de enfrentamento da crise sanitária no sistema prisional.
Andréia de Jesus é deputada estadual do PSOL em MG