Aumento das queimadas no Pantanal e da desigualdade fundiária

Fatos relevantes e medidas de governo

Os incêndios no Pantanal, a maior planície alagada do planeta, cresceram quase 2.000% em outubro deste ano (2.430 focos de incêndio) em relação ao mesmo mês do ano passado (119 focos). Somente no estado do Mato Grosso do Sul, cerca de 1,5 milhões de hectares foram queimados. Esta já é a quarta catástrofe ambiental deste ano, após a quebra da barragem de Brumadinho, o grande desmatamento na Amazônia e o derramamento de petróleo no Nordeste.

As manchas de óleo, que foram registradas pela primeira vez no litoral da Paraíba em 30 de agosto deste ano, não param de se espalhar pelo litoral brasileiro. Desde então, o óleo se espalhou velozmente pela costa e chegou a todos os estados do Nordeste. Em novembro, os fragmentos e placas de petróleo cru, que se deslocam rumo sul desde o litoral nordestino, chegaram à cidade de Vitória (ES) e Rio de Janeiro (RJ).

Nota divulgada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em novembro, apontou que entre 1º de agosto de 2018 e 31 de julho de 2019 ocorreu um aumento de 29,5% no desmatamento da Amazônia em relação aos doze meses anteriores. A elevação do desmatamento da Amazônia no período foi equivalente a uma área de 9.762 km². A análise da série histórica divulgada pelo Inpe mostrou que o desmatamento ocorrido nos últimos doze meses alcançou o maior salto percentual dos últimos 22 anos.
Em 2 de dezembro começou em Madri a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas. Originalmente planejada para ocorrer no Brasil, ela foi cancelada, ainda em dezembro de 2018, pelo então presidente eleito Jair Bolsonaro, que também não compareceu à reunião de chefes de Estado que abriu a Conferência. O país é representado pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que deve aproveitar o encontro para solicitar recursos aos demais, apesar dos onze meses de péssimas notícias e ações antiambientais brasileiras. O principal objetivo da Conferência é garantir que os governos de todo o mundo ampliem seus esforços para combater o aquecimento global. O evento acontece até o dia 13 de dezembro.

Ainda sobre o tema, o governo federal deseja liberar a exportação “in natura” de madeira nativa da Amazônia, o que hoje é considerada prática ilegal, e que estimularia ainda mais o desmatamento na região. Atualmente, a madeira nativa só pode ser exportada após beneficiamentos, o que agrega maior valor econômico à mesma e dificulta seu comércio ilegal.

A moratória da soja, mecanismo importante para frear o plantio da leguminosa em áreas recém-desmatadas da Amazônia, corre o risco de ser suspensa. Apontam para isso explícitas declarações da Casa Civil, do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e da ministra da Agricultura Tereza Cristina, para quem essa “moratória é um absurdo”. Os frágeis argumentos são de que ela atenta contra a soberania nacional e impede o desenvolvimento dos municípios, da região e do país. No entanto, além do dano ambiental, eles parecem se esquecer que esta suspensão pode voltar a colocar a commodity na lista suja dos destruidores da floresta e prejudicar sua exportação.

Divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os recém-lançados dados do Censo Agropecuário 2017 apontaram aumento da desigualdade fundiária brasileira. No Brasil, 1% dos estabelecimentos agropecuários concentrava quase metade da área rural ocupada para fins econômicos. Entre 2006 e 2017, o grupo de grandes estabelecimentos obteve um aumento de 3.625 estabelecimentos e de 17,08 milhões de hectares.

Em 25 de novembro, Bolsonaro declarou que iria enviar para o Congresso Nacional um projeto de lei para autorizar o uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reintegração de posse em propriedades rurais. O anúncio foi feito logo após o presidente da República defender o excludente de ilicitude, que pode isentar agentes de segurança pública (policiais civis, militares, federais, entre outros) que cometerem atos violentos como matar em serviço. A medida é apoiada pela bancada ruralista do Congresso. Atualmente, a responsabilidade de convocar forças de segurança para reintegração de posse via decisão judicial é dos governos estaduais.

Desenvolvimento regional

A proposta do governo é extinguir os municípios com menos de cinco mil habitantes e que não tenham ao menos 10% de seu orçamento oriundo da arrecadação feita pela prefeitura (ISS – Imposto sobre Serviços, IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano e ITBI – Imposto sobre a Transmissão de Bens Intervivos, além de taxas). Essa medida afeta 25% dos municípios brasileiros, que seriam já em 2025 absorvidos por um município vizinho.
Outra medida é a desobrigação de gastos com saúde e educação pelos entes. Segundo a proposta apresentada por Paulo Guedes, serão somados os percentuais no orçamento que cada ente tem hoje obrigação de utilizar em saúde e educação e caberá à gestão a definição de quanto deverá ser encaminhado para cada área.

Análise crítica

As catástrofes ambientais não são exclusividades brasileiras, no entanto, o país chama atenção pela ineficiência em combatê-las. E na última catástrofe, o aumento dos incêndios no Pantanal, não foi diferente. Já em relação à crise ambiental no litoral, medidas imediatas centradas na contenção do óleo e na limpeza das praias são necessárias. A questão coloca em debate o quanto o governo federal está preparado para lidar com esses tipos de situações, ou melhor, o quanto as novas gestões de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) terão a capacidade de minimizar os impactos dos incêndios e do vazamento de óleo na costa brasileira.

O derrame de óleo ocorrido perto da costa terá impactos de longo prazo na fauna e na flora marinhas. O desastre também afetará a economia local, atingindo majoritariamente o setor de turismo, que é uma vocação predominante das localidades atingidas. A pesca artesanal também sofre impactos de médio e longo prazo.

Outro tema que vem chamando a atenção é o desmatamento da Amazônia. Os retrocessos do governo Bolsonaro já incluem a perda dos recursos provenientes da Alemanha e da Noruega para o Fundo Amazônia, enfraquecendo todo o sistema de proteção das florestas brasileiras, bem como cortes orçamentários de instituições relevantes para conservação da floresta, tais como o Inpe, Ibama, ICMBio e o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).

O estopim da crise do desmatamento ocorreu em agosto de 2019, período em que houve uma elevação dos focos de incêndios criminosos que iniciaram no denominado “dia do fogo”. As queimadas realizadas por fazendeiros para atividades econômicas como cultivo agrícola ou pastagem foram encaradas com preocupação ao redor do mundo e despertaram uma crise na recente gestão do governo federal. Encurralado e sem conseguir dar respostas para o agravamento do desmatamento, Bolsonaro tornou-se piada mundial ao creditar erroneamente a culpa das queimadas às ONGs ambientais e também aos povos indígenas que fazem prática da queimada de roça – ao mesmo tempo em que não apresentou nenhuma evidência a respeito.

Os dados do Censo Agropecuário elaborado pelo IBGE apontaram para aumento da concentração de terra no campo. O cenário de concentração fundiária do país poderia ter sido bem pior se não fossem as políticas públicas dos governos Lula e Dilma voltadas para o campo. Segundo dados do Instituto Lula, os governos petistas promoveram um aumento significativo dos assentamentos, nos quais 771 mil famílias receberam o título de propriedade de terras, correspondente a mais da metade do total de beneficiados em toda a trajetória da reforma agrária realizada pelo Estado brasileiro. O PT criou 3.902 assentamentos distribuídos por todas as unidades federativas brasileiras, o equivalente a 51 milhões de hectares.

A ideia de Bolsonaro de enviar um projeto de lei para autorizar o uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reintegração de posse em propriedades rurais deve ser tratada com cautela para evitar o aumento dos conflitos no campo, como o massacre de Eldorado dos Carajás. Uma vez aprovada, a iniciativa do governo federal poderá elevar a concentração de terra no país, aumentar a violência no campo, ameaçar os movimentos sociais de acesso à terra e favorecer os grandes proprietários.

A proposta do governo de extinguir os municípios com menos de cinco mil habitantes não leva em consideração as histórias, distâncias ou qualquer outro elemento de caráter social, econômico ou cultural que levaram à criação desses municípios. Apenas os extingue de maneira profundamente autoritária, sem qualquer diálogo seja com os próprios municípios, seja com as entidades representativas.

A desvinculação orçamentária com gastos de educação e saúde não ajudará os municípios. Os municípios gerenciam hoje muito mais do que a obrigação constitucional. A média dos orçamentos municipais direcionados à saúde supera os 20% (bem acima dos 15% obrigatórios) e, em geral, utilizam os 25% obrigatórios do orçamento com educação.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo
Texto integrante do boletim mensal de novembro “De Olho no Governo”

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