A ação tardia do governo para limpar as praias nordestinas atingidas pelo óleo

Alagoas 12 10 2019 Extensa mancha de óleo é vista na praia do Pontal do Peba, vizinha à foz do Rio São Francisco em Alagoas. Foto: Simone Santos/ Projeto Praia Limpa

Fatos relevantes e medidas de governo

Sustentabilidade ambiental e política agrária

Uma nova crise ambiental surge com a contaminação do mar e das praias devida ao vazamento de óleo que atinge o litoral da região Nordeste. O problema foi percebido pela primeira vez no estado da Paraíba em 30 de agosto. De lá, o espalhamento seguiu rumo noroeste (estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão) e rumo sul (Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia). Em meados de outubro, os nove estados da região Nordeste do país já tinham sido atingidos pelo óleo poluidor.

Até 27 de outubro já haviam sido identificadas manchas e placas de óleo em 238 locais de 89 municípios, e um total de 268 praias afetadas. Em termos de extensão (cerca de 2.300 quilômetros por enquanto) trata-se do maior desastre ambiental da história no litoral brasileiro. Ainda não é possível calcular seus os danos ambientais, sociais e econômicos.

O derrame de óleo ocorrido perto da costa terá impactos de longo prazo na fauna e na flora marinhas e também afetará a economia local, atingindo majoritariamente o setor de turismo, que é uma vocação predominante das localidades atingidas. A pesca artesanal também sofre impactos de médio e longo prazo, sendo que a pesca da lagosta e do camarão nas regiões atingidas já foi proibida pelo Ministério da Agricultura.

Em 27 de outubro de 2019, chegou ao fim o Sínodo para a Amazônia, evento da igreja católica ocorrido no Vaticano, onde se debateram medidas de proteção para a Floresta Amazônica e seus povos, bem como a atuação da igreja na região. Participaram, entre 6 e 27 de outubro, cerca de oitenta mil pessoas, entre padres e bispos católicos, lideranças locais dos países amazônicos, indígenas, ativistas, políticos e o próprio Papa Francisco. O evento foi previamente muito criticado pelo atual governo brasileiro, em temor de suas repercussões internacionais, e enxergado como uma violação da soberania nacional.

No dia 28 de outubro de 2019, um dia após o término do Sínodo, houve no Vaticano uma reunião que contou com governadores de trinta estados de oito países que compõem a Amazônia. O objetivo principal do evento foi, após examinar as mensagens do Papa Francisco durante o Sínodo e os resultados da cúpula, definir propostas para garantir a execução na região das resoluções tiradas durante o evento católico. No encontro, os governadores também tiveram a oportunidade de apresentar compro- missos para o desenvolvimento sustentável da região.

Outro tema importante foram os novos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a importância da agricultura familiar para a economia e para o nível de ocupação do país. Os dados do Censo Agropecuário 2017 apontaram que a agricultura familiar representa 77% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. O segmento possuía 10,1 milhões de pessoas ocupadas, correspondente a 67% do total de ocupados no setor agropecuário brasileiro.

Outra proposta que está circulando trata da vontade do governo Bolsonaro de fazer regularização fundiária por meio de autodeclaração. A “legalização da grilagem” no país tocada pela ala ruralista do governo pretende colocar em prática uma Medida Provisória para formalizar em grande escala as terras públicas invadidas por grileiros – fato que pode levar ao agravamento do desmatamento e dos conflitos pela terra. Segundo declaração do secretário de assuntos fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, o governo pretende fazer a legalização das terras por autodeclaração dos proprietários invasores de terras.
No que se refere a unidades de conservação no mundo, de 14 a 17 de outubro de 2019, a cidade de Lima, no Peru, sediou a terceira edição do Congresso de Áreas Protegidas da América Latina e do Caribe (III Caplac) e tratou do tema “Soluções para o bem-estar e o desenvolvimento sustentável”. O Congresso teve a finalidade de reunir atores sociais de todo o mundo para fortalecer suas capacidades, a fim de promover áreas protegidas como soluções baseadas na natureza para os desafios da sociedade.

Durante o evento internacional, um coletivo que reúne dez organizações da sociedade civil envolvidas na defesa das Unidades de Conservação (Coalizão Pró-UCs), apoiado por outras organizações brasileiras presentes no Congresso, denunciou a fragilização das áreas protegidas brasileiras. Baseado em dados oficiais e na análise das atitudes do governo Bolsonaro, o grupo de organizações ambientais elaborou um documento em formato de manifesto, no qual critica o governo brasileiro pela falta de compreen- são da relevância das Unidades de Conservação.

Análise crítica

A nova crise ambiental brasileira exige medidas imediatas centradas na contenção do óleo e na limpeza das praias. A questão coloca em debate o quanto o governo federal está preparado para lidar com este tipo de situação, ou melhor, quanto as novas gestões de órgãos como a Petrobras, o Ibama, a ICMBio terão a capacidade de minimizar os impactos do vazamento de óleo na costa brasileira. O episódio ocorre após outra crise ambiental causada pela explosão das queimadas em diversos biomas e um au- mento expressivo do desmatamento na Amazônia entre agosto e setembro de 2019.

O governo começou a agir somente quando a catástrofe abalou mais fortemente sua imagem frente à população e comunidade internacional. Como se não bastasse isso, vale a lembrança de que Bolsonaro extinguiu, em abril deste ano, os comitês do plano de ação de incidentes com óleo, que poderia agilizar e organizar atuações contra o espalhamento do petróleo logo em seu início. Em um país com tamanha zona costeira e com grandes explorações de petróleo, esta extinção demonstrou-se uma atitude de grande irresponsabilidade.

O Tribunal de Contas da União pediu apuração da conduta do governo na questão do vazamento do óleo, indicando que este parece “desorientado ou inerte”. O Ministério Público Federal também entrou com uma ação contra a União por conta de sua omissão neste desastre, indicando que o “Plano nacional de contingência para incidentes de poluição por óleo em água” seja posto em prática.

No que se refere ao Sínodo da Igreja católica para a Amazônia houve publicação de um documento com a síntese das resoluções tomadas. Entre elas, as propostas de ordenação de homens casados para atuar na Amazônia, o respeito à religiosidade não cristã indígena, a criação do “pecado ecológico” e o estabelecimento de um “observatório pastoral socioambiental”. Nele também constam críticas ao atual modelo de desenvolvimento da região, que conta com o extrativismo ilegal, o desmatamento ir- responsável e a adoção de projetos econômicos danosos ao meio ambiente. As propostas do sínodo agora serão analisadas até dezembro pelo Papa Francisco, quando deverá determinar sua implantação.

Os dados do Censo Agropecuário 2017, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, explicitaram a importância da agricultura familiar na geração de emprego e renda no campo. Em vez de cruzar os braços para o segmento e diminuir o orçamento de seus principais programas governamentais, o governo Bolsonaro deveria se esforçar para realizar políticas públicas que viabilizem a regularização fundiária, a reforma agrária, a assistência técnica, o crédito produtivo e a expansão dos canais de comercialização.

A proposta de Medida Provisória do governo para regularização fundiária por meio de autodeclaração favorece a grilagem de terras, mas também pode afetar a reforma agrária no país. O governo praticamente acabou com a Política Nacional de Reforma Agrária e agora, ao querer fornecer precocemente a titularidade das terras para os assentados, irá retirar de forma instantânea a responsabilidade do Incra na estruturação dos assentamentos, que necessitam de apoio governamental para assistência técnica voltada para produção, crédito e acesso a canais de comercialização. Se implementada, a MP pode gerar a comercialização das terras dos assentados, que, uma vez sem apoio do governo, não terão outra saída a não ser vendê-las – resultando em aumento da concentração de terra no país.

A terceira edição do Congresso de Áreas Protegidas da América Latina e do Caribe (III Caplac) criticou a atual gestão do governo federal por não apresentar projetos e avanços a respeito da sustentabilidade das Unidades de Conservação. Em comparação com as propostas e representatividade governamental dos demais países que participaram do evento, a baixa presença de autoridades brasileiras e a falta de protagonismo também foram características dessa terceira edição do Congresso.

As Unidades de Conservação assumem papel relevante na economia brasileira. O desafio é fazer com que estas áreas protegidas sejam compreendidas pela sociedade e gestores públicos como ferramentas de desenvolvimento socioeconômico e de conservação da biodiversidade. Por exemplo, nas Unidades de Conservação do país existem produção de borracha, de castanha-do-pará, de energia via hidrelétricas, de ICMS ecológico e turismo para visitações de parques nacionais.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo
Análise integrante do boletim mensal de outubro De olho no governo

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