Desmatamento e queimadas explodiram na região amazônica com desmonte da estrutura de controle

Visão dos incêndios na Amazônia a partir da Estação Espacial. Foto: EESA / NASA – L. Parmitano

Fatos relevantes e medidas de governos

Em julho de 2019, o Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 2.254 quilômetros quadrados de desmatamento no Brasil, um aumento de 278% em relação a julho de 2018.

Entre janeiro e agosto de 2019 ocorreram mais de noventa mil focos de incêndio no país, o que corresponde a um aumento de 64% em relação ao mesmo período de 2018. Apenas em agosto foram mais de trinta mil focos, o triplo do ocorrido no mesmo mês do ano anterior. Segundo dados do Programa Queimadas, do Inpe, a Amazônia concentrou 52% destes focos de queimadas neste ano.

As queimadas geralmente são utilizadas para limpar a terra de áreas recém-desmatadas, majoritariamente para prepará-las para atividades econômicas como cultivo agrícola ou pastagem para gado – conforme apontado por estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). As constatações do Ipam também indicam elevada associação entre municípios desmatadores e ocorrências de queimadas, entre eles Altamira, Porto Velho, Lábrea e São Felix do Xingu.

Em relação ao Fundo Amazônia, com a Noruega adotando o mesmo posicionamento da Alemanha, de bloquear verbas então destinadas para projetos na Amazônia devido ao grande aumento do desmatamento ocorrido no governo Bolsonaro e à extinção de conselhos que fazem a gestão destes recursos, o Fundo Amazônia, na prática, chegou ao seu fim. Os dois países eram responsáveis por 99,5% dos mais de três bilhões de reais já investidos pelo Fundo para a proteção da região nos últimos dez anos.

Além disso, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles, ao invés de repensar a política ambiental, resolveram criticar a metodologia de mensuração do desmatamento já consolidada pelo Inpe. Nesse sentido, o Ministério do Meio Ambiente prevê a contratação de um sistema de monitoramento privado de uma empresa norte americana, deixando para trás todo o acúmulo do Inpe. O sistema privado chamado Planet já se encontra em teste gratuito dentro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) com experiências no Mato Grosso e no Pará. Porém, resta saber se a nova operação trata de manipulação dos dados sobre o desmatamento na Amazônia ou se existe real intenção de melhora no sistema de monitoramento.

O projeto de lei n.º 3.729/2004, que versa sobre o licenciamento ambiental, sofreu uma reviravolta ao ter um substitutivo apresentado pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). Em nota publicada, um conjunto de ONGs, como WWF, Greenpeace e ISA, repudiou as alterações apresentadas ao considerar que o substitutivo pode prejudicar a qualidade do meio ambiente e acarretar impactos negativos para toda a sociedade.

Em 1 de agosto o Supremo Tribunal Eleitoral (STF) tomou a decisão de manter a responsabilidade da demarcação de terras indígenas no âmbito da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça. A decisão do STF significou uma derrota para o governo Bolsonaro, que, após ter perdido a votação no Congresso Nacional, editou a Medida Provisória 866, em junho deste ano, visando deixar a função da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Quanto à questão agrária, o governo anunciou uma proposta de realizar mutirões para fechar acordos com fazendeiros que questionam desapropriações de suas antigas terras então destinadas para a reforma agrária. A medida ameaça desmantelar a já frágil política de reforma agrária, além de aumentar os conflitos no campo e ir contra a legislação vigente, uma vez que pretende renegociar áreas classificadas como improdutivas que já foram desapropriadas.

ANÁLISE CRÍTICA

O início do governo Bolsonaro foi marcado pelo avanço do desmatamento na Amazônia e por um conjunto de retrocessos na condução da política ambiental brasileira. Em relação ao fim do Fundo Amazônia, observa-se que a postura de Bolsonaro sinaliza que o desmatamento é visto como instrumento desenvolvedor da região e do setor agrícola e mineralógico do país.

Após a declaração norueguesa, o ministro Ricardo Salles oficialmente declarou a suspensão do Fundo. O principal efeito prático foi o bloqueio de verbas de mais de cem projetos destinados à proteção da Amazônia. Ao contrário do que diz o governo, segundo o qual essa verba iria para ONGs que lucram com a Amazônia, cerca de 60% dos recursos do Fundo eram destinados a instituições governamentais, como o Ibama, para atividades de fiscalização e controle do desmatamento, ao Inpe, para o monitoramento ambiental via satélite, e a diversos governos estaduais e municipais da região em projetos de desenvolvimento sustentável.

Quanto aos incêndios, o presidente Bolsonaro, ao encontrar-se encurralado pela desestruturação da política ambiental brasileira e pelo aumento do desmatamento, declarou que as queimadas estariam sendo feitas por ONGs para chamar atenção internacional – e como de costume não apresentou nenhuma prova ou evidência a respeito. Na verdade, além dos grandes proprietários de terra da soja e do gado, o aumento das queimadas também pode ser creditado ao cruzar de braços do governo, que reduziu drasticamente o orçamento dos serviços prestados pelo Ibama e pelo ICMBio.

Os retrocessos incluem corte de recursos para estruturação do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) e de mais de cinco mi- lhões de reais para fiscalização e combate aos incêndios realizados pela ICMBio. Os cortes orçamentários obrigaram o governo federal a reduzir em quase 25% o total de brigadistas temporários contratados para conter as queimadas.

Quanto ao substitutivo apresentado pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) ao projeto de lei n.º 3.729/2004, que versa sobre o licenciamento ambiental, merece destaque nota assinada por diversas ONGs ambientais que indicam as seguintes questões: a) exclusão de impactos classificados como “indiretos” do licenciamento ambiental; b) definição do autolicenciamento como regra para todos os empreen- dimentos que não causem significativo impacto; c) aplicação de autolicenciamento também para empreendimentos de significativo impacto, como a ampliação e a pavimentação de rodovias, inclusive na Amazônia; d) permissão para cada estado e município dispensar atividades de licenciamento, abrindo caminho para uma guerra antiambiental entre entes federativos para atrair investimentos; e f) dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias.

A decisão do STF de manter a responsabilidade da demarcação de terras indígenas na Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça, coloca fim à instabilidade do tema. De qualquer maneira, ao republicar uma medida provisória recusada pelo Parlamento, Bolsonaro mostrou autoritarismo e desconsideração entre os poderes estabelecidos pela Constituição de 1988. Atualmente, 154 territórios indígenas aguardam posicionamento da Funai para demarcação. Em meio aos retrocessos da atual gestão, o resultado da votação do STF foi considerado um passo a favor dos povos indígenas.

Quanto à ideia de fechar acordos com fazendeiros para devolver terras desapropriadas para reforma agrária, o governo pretende viabilizar a proposta por meio da libera- ção de recursos já depositados em juízo pela União para a compra dos terrenos. Uma das estratégias deverá ser devolver pelo menos uma parcela das terras para os antigos proprietários, reduzindo assim a área destinada para a reforma agrária e pagando uma indenização menor aos antigos donos. Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) a medida não faz sentido, uma vez que existem cerca de oitenta mil famílias acampadas pelo país, aguardando iniciativas do governo federal.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo
Este texto integra o relatório mensal de agosto “De Olho no Governo”

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