Relatório sobre o Mundo do Trabalho – agosto/2019

Medida Provisória 881/2019 – “MP da Liberdade Econômica”
Fatos relevantes

Aprovada no dia 14/08/2019, pela Câmara dos Deputados, e dia 21/08/2019, pelo Senado, a “MP da Liberdade Econômica”, segundo o governo, pretende diminuir a burocracia e facilitar a abertura de empresas, principalmente de micro e pequeno porte.

O artigo primeiro da MP citada prega o seguinte: “Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, nos termos do disposto no inciso IV do caput do art. 1º, no parágrafo único do art. 170 e no caput do art. 174 da Constituição”.

Como se percebe, trata-se de uma MP com forte carga ideológica – “proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica”. Trata-se de uma MP que visa fortalecer o liberalismo em nosso país – segundo palavras do próprio ministro Paulo Guedes -, desmantelando o papel normativo e regulador do Estado, como atesta a parte final do artigo citado.

Vale registrar que os senadores retiraram do texto três artigos que alteravam a questão do trabalho aos domingos, o ponto mais polêmico da medida provisória. O texto aprovado pela Câmara autorizava que a folga semanal de 24 horas do trabalhador fosse realizado em outros dias da semana, para que assim o empregado pudesse trabalhar aos domingos, desde que ele folgasse um em cada quatro domingos. Na correlação de forças entre patrão e trabalhador, a MP fortalece ainda mais o patrão, que teria poder quase total sobre a folga / repouso do trabalhador.

Os senadores entenderam que o trabalho aos domingos era estranho ao texto original e poderia gerar questionamentos na Justiça por causa de uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que proíbe emendas distintas da MP original. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), comprometeu-se a encaminhar projeto de lei à parte sobre o tema. Ou seja, embora os senadores tenham derrubado o artigo que autorizava o trabalho aos domingos, a ideia é aprovar este tema por projeto de lei em paralelo.

Outro ponto que provocou questionamentos foi uma brecha jurídica que, para alguns senadores, autorizaria o desmatamento automático caso órgãos do meio ambiente atrasassem a emissão de licenças ambientais. Para permitir a aprovação da MP, o governo fez um acordo e prometeu editar um decreto para deixar claro que a dispensa de licenças para atividades de baixo risco não valerá para questões ambientais. Em meio às queimadas da floresta amazônica, o governo aprova uma MP que avança ainda mais na questão do desmatamento.

Entre as principais mudanças, a proposta flexibiliza regras trabalhistas e elimina alvarás para atividades de baixo risco. O texto também separa o patrimônio dos sócios de empresas das dívidas de uma pessoa jurídica e proíbe que bens de empresas de um mesmo grupo sejam usados para quitar débitos de uma empresa.

Em resumo, de acordo com a MP, se observadas normas de proteção ao meio ambiente, condominiais, de vizinhança e leis trabalhistas, qualquer atividade econômica poderá ser exercida em qualquer horário ou dia da semana, inclusive em feriados, sem cobranças ou encargos adicionais1.
Medidas do governo

O texto enviado pelo Executivo continha 19 artigos; saiu da comissão da Câmara com 53, e foi aprovado pela Câmara com 20 artigos.

O tempo escasso para que os senadores discutissem a medida foi alvo de críticas de Paulo Paim (PT-RS), Alvaro Dias (Pode-PR) e Roberto Rocha (PSDB-MA) – os dois últimos de partidos que não compõem a oposição. Na prática, o Senado ficou impedido de fazer mudanças por meio de emendas ao texto porque não haveria tempo para que a MP voltasse à Câmara. Para Paim, o Senado está atuando como mero carimbador das decisões da outra Casa.

Segundo a reportagem da Agência Senado, outras mudanças que têm relação com os trabalhadores foram aprovadas. Uma delas é a criação da carteira de trabalho digital, com os registros feitos no sistema informatizado do documento. Bastará ao trabalhador informar o CPF para o empregador realizar os registros devidos, os quais o empregado deverá ter acesso em 48 horas.

O texto acaba ainda com a exigência de afixação, em local visível, do quadro de horários dos trabalhadores. O registro de entrada e saída, por sua vez, será exigido somente para empresa com mais de 20 funcionários.  Atualmente, vale para as empresas com mais de dez empregados.

A sessão de Política do jornal O Globo realizou um levantamento e uma síntese das principais medidas da MP:

O texto determina a extinção do Fundo Soberano, vinculado ao Ministério da Economia;

A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo estabelecido no Código Civil de 2002 que permite que sócios e proprietários de um negócio sejam responsabilizados pelas dívidas da empresa. A desconsideração é aplicada em processo judicial, por um juiz, a pedido de um credor ou do Ministério Público. A proposta altera as regras para a desconsideração da personalidade jurídica, detalhando o que é desvio de finalidade e confusão patrimonial.

A proposta cria a figura do “abuso regulatório” – que impõe limites aos atos de regulação do mercado -, infração cometida pela administração pública quando editar norma que “afete ou possa afetar a exploração da atividade econômica”. O texto estabelece as situações que poderão ser enquadradas como “abuso regulatório” e determina normas ou atos administrativos que seriam invalidados, tais como:

Criar reservas de mercado para favorecer um grupo econômico em prejuízo de concorrentes;

Redigir normas que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado;

Exigir especificação técnica desnecessária para o objetivo da atividade econômica;

Criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional, “inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros”;

Colocar limites à livre formação de sociedades empresariais ou atividades econômicas não proibidas em lei federal.

O jornal online Nexo também publicou uma reportagem resumindo os principais aspectos da MP, desta vez esclarecendo os pontos que recaem diretamente sobre os trabalhadores ou, ainda, sobre a segurança do trabalho3:

Negócios de pequeno e médio porte considerados de baixo risco — como bares, cabeleireiros e startups — passam a ser dispensados de tirar uma licença prévia para poder operar.

Em processos judiciais, somente o patrimônio social da empresa será considerado para casos de dívidas e ações trabalhistas. O patrimônio pessoal do titular da empresa, que atualmente é levado em conta para compensações em processos trabalhistas, só deverá ser usado em casos excepcionais.

O projeto autoriza agências bancárias a funcionarem aos sábados. Hoje, a lei prevê funcionamento apenas em dias úteis.

Empresas não precisarão mais de autorização para oferecer, ainda em fase de testes, de modo gratuito ou não, bens e serviços a um grupo restrito.

O sistema do governo federal que reúne informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais das empresas será trocado por uma plataforma mais simples, que reúne menos dados.

O texto extingue o Fundo Soberano, criado em 2008 como uma poupança para o Brasil em tempos de crise e vinculado ao Ministério da Fazenda.

Para Guilherme Feliciano, professor de direito trabalhista da USP (Universidade de São Paulo) e ex-presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), as mudanças aprovadas terão efeitos práticos significativos para os trabalhadores brasileiros. Ao Nexo ele afirmou que cresce o risco de fraude por parte das empresas quanto ao registro de horas extras, e que ter mais jornadas aos domingos é um fator prejudicial ao convívio familiar. O professor elogiou a digitalização da carteira de trabalho, embora faça a ressalva de que grande parte da população tem problemas de acesso a meios digitais. Na Justiça do Trabalho brasileira, as ações que reivindicam dívidas de horas extras estão entre as mais comuns.

Análise crítica

De acordo com o sociólogo Ruy Braga, a Medida Provisória da Liberdade Econômica é a “primeira medida que foi tomada exclusivamente pelo atual governo e aponta na direção daquilo que vai ser ao longo desse período a relação do Ministério da Economia com o mundo do trabalho no país”4. Segundo Braga, essa MP é ainda mais prejudicial para a força de trabalho do que a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017 pelo governo Temer. Segundo ele, “existe outra concepção de sociedade e da relação entre Estado e sociedade respaldando essa MP quando a comparamos com a reforma trabalhista”. A reforma trabalhista aprovada no governo Temer, explica, teve como finalidade regulamentar múltiplas formas de trabalho sem atacar diretamente a justiça do trabalho. Já a MP da Liberdade Econômica “objetiva aprofundar a flexibilidade do trabalho” e “atacar a regulação do trabalho, quer seja do ponto de vista do direito trabalhista, quer seja de toda e qualquer forma de fiscalização do trabalho”, afirma o sociólogo. Ou seja, a MP radicaliza a flexibilização (leia-se precarização) do trabalho em nosso país.

Ruy Braga se demonstra favorável à desburocratização das empresas e à simplificação do recolhimento dos impostos, mas afirma que essas práticas não podem ser associadas com a desregulamentação das condições reais de trabalho, esse é o ponto. “Sou contra associar propriamente a burocracia a tudo aquilo que diz respeito à regulação do trabalho, porque a regulação passa a ser sinônimo de um obstáculo que precisa ser eliminado, mas não é assim”.

A ressalva de Ruy Braga é importante. Ele nos mostra que sob a alegação simpática da simplificação e desburocratização esconde-se um projeto político e econômico que visa desregulamentar (ou seja, excluir o regulamento público) da economia e do mundo do trabalho no Brasil. Sem regulamentação, o poder de controle do patrão sobre o empregado aumentará ainda mais – e essa relação já é bastante desfavorável em tempos de crise, quando o trabalhador se vê forçado a se submete às condições precárias de trabalho em troca de um salário. Sem contar que o chamado “abuso regulatório”, criado pela MP, impede o Estado de regulamentar a entrada de capital estrangeiro no país, enfraquecendo ainda mais o Estado brasileiro e, sobretudo, a soberania nacional.
Tanto os trabalhadores como a soberania nacional são diretamente atingidos pela aprovação da MP da Liberdade Econômica.

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