Queda de braço entre produtores rurais e equipe econômica de Bolsonaro

Ministro Paulo Guedes anunciou retirada de subsídios e taxas de importação do leite, entre outras medidas, que causou reação negativa no agronegócio. Bolsonaro desmontou a proposta de Guedes, atendendo aos empresários do setor

FATOS RELEVANTES E MEDIDAS DO GOVERNO

Sustentabilidade ambiental e política agrária

A equipe econômica liderada por Paulo Guedes busca retirar vantagens do setor agropecuário, tais como subsídios e eliminação de taxas de importação, visando o caminho do livre mercado. O duelo entre o livre mercado e o protecionismo ficou evidente quando o ministro da Economia tentou retirar uma taxa de importação do leite em pó que deixaria os preços dos produtos importados mais baratos, em detrimento da produção nacional. No entanto, o presidente Bolsonaro voltou atrás na decisão de Guedes, mantendo a taxa de importação e favorecendo o agronegócio brasileiro. A equipe econômica ainda anunciou que pretende acabar com os subsídios previdenciários do agronegócio na reforma da Previdência, o correspondente a R$ 7 bilhões anuais, bem como pretende retirar em cinco anos os R$ 3,4 bilhões anuais de subsídio da conta de luz do setor rural – medida aprovada no final do governo Temer.

Do outro lado, a Frente Parlamentar Agropecuária vem cobrando anistia das dívidas dos produtores com a Previdência Rural (Funrural), o correspondente a R$ 15 bilhões. A bancada ruralista pressiona o governo para obter novas linhas de crédito com taxas de juros mais baixas e ampliação da subvenção governamental para aumento dos prêmios de seguro safra em 50%, por meio da elevação dos recursos orçamentários do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vem concluindo seu novo desenho institucional que se mostra desfavorável para reforma agrária. O governo Bolsonaro retirou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) da Presidência da República para alocá-lo na Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A nova secretaria é chefiada pelo pecuarista Luiz Antônio Nabhan, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e adversário histórico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Já o Incra tem como presidente o general João Carlos de Jesus Corrêa, mais um militar do Exército no governo. O novo ouvidor agrário nacional do Incra é o coronel João Aguiar de Souza, cuja primeira medida foi o envio de um memorando solicitando aos superintendentes regionais e executores de unidades o não atendimento de entidades sem CNPJ, ou seja, movimentos sociais como Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

No que se refere à questão ambiental, a Amazônia foi alvo de discussão no mês de fevereiro, especialmente pelo sínodo dos bispos católicos e pelo repentino pacote de obras anunciados pelo governo Bolsonaro. O sínodo será realizado pelo Vaticano em outubro/2019, em Roma, e contará com 250 bispos da igreja. A pauta do encontro será a Amazônia, tema encarado pelo governo Bolsonaro como uma agenda da esquerda. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, planeja envolver o Itamaraty para monitorar discussões no exterior e os escritórios da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para acompanhar reuniões preparatórias do sínodo em paróquias e dioceses brasileiras. Além disso, o governo também expôs seu desejo de participar do evento em Roma – apesar de nenhum governo tê-lo feito até hoje.

Ainda sobre a Amazônia, o governo anunciou um conjunto de obras que prevê a extensão da BR163 até a fronteira com o Suriname, que conta com a construção de uma ponte de 1,5 km de extensão sobre o rio Amazonas, na cidade de Óbidos (PA),para conectar dois trechos da rodovia, bem como uma hidrelétrica pouco acima, em Oriximiná (PA).

Desenvolvimento territorial e regional

O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu, em 27 de fevereiro, o julgamento que decidirá se os estados da federação poderão reduzir a jornada de trabalho e a remuneração de seu funcionalismo. Mas, após a sustentação oral dos requerentes e da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a sessão foi suspensa pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que será retomada após o Carnaval. Pela lei, a carga horária pode ser reduzida de oito para seis horas, com previsão de corte de 25% nos salários.

ANÁLISE CRÍTICA

A queda de braço entre agronegócio e equipe econômica do governo evidenciou a dicotomia entre livre mercado e o protecionismo defendido pelo grupo de interesse da agropecuária. A manutenção da taxa de importação de leite em pó pelo presidente Bolsonaro a favor dos ruralistas mostrou que os grandes proprietários de terra ainda possuem grande peso no governo. Resta saber os próximos capítulos dessa história na disputa pela manutenção dos subsídios previdenciários rurais e da conta de luz do setor. Soma-se a essa disputa a cobrança da bancada ruralista do Congresso para o perdão das dívidas dos produtores com a Previdência Rural (Funrural) – promessa de campanha do então candidato Jair Bolsonaro para obter apoio do agronegócio.

Até quando o governo irá favorecer o agronegócio? O setor que diz carregar o PIB nas costas recebe um conjunto de subsídios e a conta é paga pelo conjunto dos brasileiros em favorecimento de poucos proprietários de terra. Não se pode esquecer que o setor deseja a flexibilização de leis ambientais, eliminação da fiscalização do trabalho escravo, ampliação do uso de agrotóxicos e aumento da quantidade de terra via desmatamento. Ao mesmo tempo, o governo favorece a pauta ruralista, fecha as portas para reforma agrária e tenta criminalizar os movimentos sociais que lutam por acesso à terra.

No que se refere à Amazônia, ao mesmo tempo em que o governo Bolsonaro persegue declaradamente o futuro sínodo dos bispos, evento católico que abordará a situação dos índios, ribeirinhos e demais povos da floresta e que também discutirá as mudanças climáticas e conflitos de terra, planeja a execução de polêmicas obras de grande impacto ambiental.

Em vez de focar nas atividades ilegais de madeireiras, grandes fazendeiros, mineradoras e de biopirataria, a atual gestão do governo federal opta pela perseguição a ONGs e organismos internacionais que propõem a preservação do meio ambiente e dos povos locais. Ambientalistas viraram sinônimo de inimigos. O governo declarou ter receio de que o evento católico prejudique a imagem do país no exterior, principalmente na União Europeia. Faltou-lhe perceber, no entanto, que tentativas de perseguição como esta é que de fato destroem a imagem brasileira. Ao mesmo tempo em que se ocupa da “agenda de esquerda” católica, o governo propôs recentemente grandes obras em uma das áreas mais preservadas da Amazônia. Essas obras no noroeste do Pará afetariam a região que possui o maior território protegido do país. Lá existem 23 áreas protegidas e 2 milhões de hectares de floresta tropical em onze unidades de conservação, além de sete territórios quilombolas e cinco terras indígenas conhecidas, entre elas a dos Zoés, uma das comunidades indígenas ainda não contatadas.

Sobre o desenvolvimento regional, a definição do Supremo Tribunal Federal a respeito da possibilidade de os estados da federação reduzirem a jornada de trabalho e a remuneração de seu funcionalismo está sendo bastante aguardada. Sete estados (entre eles Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná) indicaram que a medida aliviará um pouco o caixa dos estados. No entanto, se aprovada, deve prejudicar ainda mais a qualidade e disponibilidade dos serviços públicos oferecidos à população, que seria a mais prejudicada pela lei.

Sindicatos de servidores públicos estaduais de vários estados estão se movimentando para demonstrar os perigos de tal liberação. Além de muitos servidores já estarem sem reposição salarial há anos, a redução da jornada de trabalho também agravaria situações já precárias em diversos estados.

As áreas de segurança e educação devem ser as mais afetadas. Em Minas Gerais, por exemplo, foi denunciada a falta de servidores, pois mais de quatrocentos municípios do estado não possuem delegados. No Rio Grande do Sul, os dezesseis mil policiais já sofrem com parcelamento do salário e a categoria defende que o efetivo deveria ser de 35 mil. No Pará a preocupação é com a dispensa de agentes penitenciários, que não são concursados. Em Alagoas, teme-se que alunos fiquem sem aulas, uma vez que a redução da jornada dos professores agravaria a atual situação, que já conta com déficit desses profissionais.

O agravamento da dívida dos estados é um fator que também está sendo utilizado pelo governo para pressionar o STF. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, negocia com os governadores ajuda aos estados por meio da prorrogação do prazo para quitação de precatórios e do aumento substancial na transferência de recursos da Lei Kandir já em 2019, em troca de apoio à reforma da Previdência, que abarcaria também os funcionários públicos estaduais, devido ao poder de pressão desses governadores sobre boa parte dos deputados federais de cada estado.

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