A Reforma da Previdência é necessária?
Publicado 25/02/2019 - Atualizado 27/02/2019
O principal argumento do governo da necessidade da Reforma da Previdência está na crise fiscal. Segundo os defensores da reformada Previdência Social, as despesas do poder público vêm crescendo nas últimas décadas, o que determina uma situação de insustentabilidade fiscal. A Previdência Social é apontada como o principal item das despesas. A questão demográfica, com o envelhecimento da população e da sobrevida, tornará o sistema inviável no longo prazo.
Esses pressupostos são mesmo consensuais, uma verdade absoluta?
Na questão fiscal, ao observar os resultados primários a evolução das receitas e despesas entre 1997 a 2018. Pode-se constatar que até2013 ocorreram sucessivos superávits nas contas primárias, ou seja,as receitas superaram as despesas em cerca de R$ 100 bilhões todo ano.
A partir de 2014, com a economia estagnada com um crescimento de apenas 0,5% do PIB e, posteriormente, a recessão iniciada em 2015, as receitas seguem uma trajetória de queda, enquanto as despesas estabilizam. Assim, o principal determinante para o déficit nas contas primárias (que não incluem juros) está na estagnação econômica.
Se considerarmos os juros, como se faz internacionalmente, em 2018 a despesa com juros atingiu R$ 379 bilhões, ocasionando um déficit nominal (inclui juros) de R$ 487 bilhões, ou seja, os juros representaram 77,8% (!) do déficit devido às elevadas taxas de juros.
A previdência social é vista pelo governo e por analistas do mercado financeiro de forma isolada a ser financiada pelas contribuições de empregados e empregadores. Com essa visão, toda despesa que superaras receitas é considerada como déficit a ser coberto pelo poder público.
Na realidade, a Previdência Social integra junto com a Saúde e Assistência Social a Seguridade Social, com recursos equivalentes a13% do PIB, metade do INSS e metade de outras fontes. (artigos 194 e195 da Constituição).
A Constituição Federal de 1988 traz, em seu Capítulo II, art. 194,disposições relativas à Seguridade Social. “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Sobre a insustentabilidade da Previdência à longo prazo, as projeções que apontam o colapso do sistema carecem de maior discussão e de transparência dos dados e métodos utilizados.
No olhar de forma empírica, em 1997 o “déficit” da Previdência foi de 0,7% do PIB, o mesmo de 2014, embora a população com mais de60 anos tenha crescido 78%!
O que causou o aumento do déficit a partir de 2015 foi a recessão que reduziu a receita do INSS em R$ 386 bilhões (!) desde 2015 até o final de 2018.
O discurso hegemônico da necessidade de Reforma da Previdência, também, ignora o retorno dos gastos para o Estado e os impactos positivos na atividade econômica.
Segundo o IBGE, para cada beneficiário direto há 2,5 beneficiários indiretos, membros da família. Dessa forma, a Previdência urbana e rural mais os benefícios assistenciais beneficiam, direta e indiretamente, 86 milhões de pessoas
Os recursos transferidos aos beneficiários e familiares, retornam à atividade econômica via consumo, gerando crescimento e arrecadação ao setor público de cerca de 5% do PIB. O governo não considera isso (???)
Em muitos municípios pobres, com baixa atividade econômica, os recursos da previdência não são apenas fundamentais para a sobrevivência dos beneficiários e suas famílias, mas também, à dinâmica econômica das localidades.
Ao olharmos a Previdência Social como parte do Sistema de Seguridade Social, conforme estabelecido na Constituição de 88, resta claro os impactos positivos na atividade econômica e na vida de grande parcela da população, principalmente aquela de maior vulnerabilidade. Os gastos da previdência não podem ser considerados como déficit. Na realidade são investimentos sociais do Estado.
Amir Khair, engenheiro e mestre em finanças públicas pela EAESP/FGV, foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo (1989/92). Foi colunista da revista Teoria e Debate e do jornal O Estado de S.Paulo. Atualmente é consultor na área fiscal, orçamentária e tributária.