Nota do Observatório da Democracia em defesa da liberdade religiosa

A liberdade religiosa é um direito fundamental previsto na Constituição Cidadão de 1988 e em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Já em 1948, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens assegurava a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse valor foi reafirmado pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966. Ainda, por outras duas declarações proclamadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1981 e em 1992.

Entretanto, a história do Brasil é marcada por uma profunda relação entre igreja e Estado, sendo que a separação oficial entre essas instituições só ocorreu após a Proclamação da República, em 1890. Nosso país também padece de um racismo estrutural, tendo sido a última nação a abolir a escravidão na América.

Mesmo após a separação entre igreja e Estado e a abolição da escravidão, os negros, estigmatizado pelo seu passado de senzala e chicote, não foram integrados na sociedade com o acesso pleno à cidadania. Processo similar aconteceu e acontece com a aceitação da cultura e da religião dos negros, em sua grande maioria ex-escravos, na sociedade brasileira.

Essa dívida histórica não pode ser desconsiderada quando olhamos para os dados de intolerância, de agressões e de intolerância contra as religiões de matrizes africana. No primeiro semestre de 2019, a maior parte dos relatos de intolerância religiosa registrados via Disque 100 foi feita por praticantes de crenças como a Umbanda e o Candomblé

Em 2021, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) recebeu 586 denúncias de intolerância religiosa, um aumento de 141% em relação ao ano anterior, mesmo em um contexto de pandemia. Infelizmente, a divulgação desses números no governo Bolsonaro acabou com a possiblidade de identificação quais religiões foram maior alvo desse tipo de ataque, mas não é difícil inferir que os adeptos de religiões de matrizes africana foram as maiores vítimas desses ataques, como aponta o histórico dos números nessa área.

Infelizmente, no Brasil, a questão da pobreza, da desigualdade e da violência é também uma questão de raça. As políticas de ação afirmativa no Brasil para mitigar a desigualdade social e a discriminação racial só começam a virar realidade no Século XXI, mais de um século depois da abolição da escravidão, e estão agora ameaçadas pelo governo obscurantista e negacionista de Bolsonaro.

A 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e formas correlatas de Intolerância promovida pela Organização das Nações Unidas (Onu), em Durban, na África do Sul, seguramente contribuiu para fomentar essa nova agenda, corajosamente assumida pelos governos Lula e Dilma. São resultado desse compromisso, por exemplo, medidas como a Lei de Cotas, o Estatuto da Igualdade Racial, a inclusão no currículo oficial da educação básica da obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e o programa Brasil Quilombola.

Neste dia 2 de fevereiro, data em que se festeja o dia de Iemanjá, mais do que nunca é preciso reafirmar o nosso compromisso com os valores que inspiram os constituintes e com a nossa disposição em trabalhar para que a liberdade religiosa e de crença e a separação entre igreja e estado não sejam apenas valores expressos na letra fria das leis.

O Brasil só será um país verdadeiramente livre quando formos capazes de construir uma sociedade assentada sobre os valores da tolerância, da solidariedade, de uma cultura de paz e do respeito integral aos direitos humanos, com a aceitação e o apreço à riqueza da diversidade das culturas e dos diferentes modos de expressão da condição humana. Ubuntu, já!

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