Relatório sobre Mundo do Trabalho – Outubro/19
Publicado 07/11/2019 - Atualizado 12/11/2019
Plano de privatizações e queda de investimento das estatais
Fatos relevantes:
No final de agosto, a equipe econômica do governo anunciou oficialmente um plano para privatizar nove empresas estatais. No final de setembro, no dia 27, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, reforçou a projeção do governo de intensificar o processo de privatização de empresas estatais.
As nove empresas que compõem oficialmente o plano de privatizações e entraram em processos de licitação são:
- Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebras)
- Empresa Brasileiras de Correios e Telégrafos (Correios)
- Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp)
- Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev)
- Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro)
- Empresa Gestora de Ativos (Emgea)
- Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec)
- Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp)
- Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF).
Na ocasião do dia 27 de setembro, em palestra para empresários na Câmara da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul, Lorenzoni afirmou o seguinte: “Nós temos, hoje, 22 empresas estatais em processo de privatização. A tese é o seguinte: cabe ao estado prover a defesa, a segurança, a saúde em parceria com a sociedade, a educação e ponto final. O resto, quem tem que fazer, são os brasileiros e brasileiras. E nós vamos vender tudo, devolvendo à sociedade brasileira o que é dela”, disse. Ou seja, para o governo vender as empresas estatais para investidores estrangeiros significa devolvê-las para a sociedade brasileira.
O governo indicou a intenção de incluir creches, presídios e parques no programa de privatizações, ainda sem muitos detalhes definidos. O governo também prevê a concessão dos parques nacionais de Lençóis Maranhenses (MA) e Jericoacoara (CE) e a renovação, em 2020, da concessão do Parque Nacional do Iguaçu (PR). Mas é importante ressaltar que, por decisão do Supremo Tribunal Federal, é necessário que as privatizações sejam aprovadas pelo Congresso Nacional. A mesma decisão também especifica que o governo pode vender apenas as subsidiárias.
Com o anúncio de privatização de nove estatais, cerca de 120 mil funcionários aguardam detalhes para saber se as mudanças afetarão seus empregos.
Além do plano de privatizações, observamos nos últimos anos uma queda substancial dos investimentos das empresas estatais federais. Uma das formas de atuação do governo na economia se dá por meio da atuação destas empresas no setor produtivo.
Segundo o Observatório de Política Fiscal (IBRE-FGV), a série histórica pode ser dividida em quatro períodos, sendo que desde 2017 – ou seja, nos últimos quatro anos – os investimentos alcançaram a mínima da série histórica. Segundo o relatório divulgado pelo observatório, “nos dois primeiros anos (2000-01) os investimentos encontraram-se na média em 0,9% do PIB. Entre 2002 e 2006, os investimentos se aceleraram de forma moderada atingindo a média de 1,28% do PIB. A partir de 2007 inicia-se uma forte aceleração chegando a 2% do PIB na média do período até 2013. A partir de 2014 observa-se uma forte contração. Em 2017 os investimentos alcançaram a mínima da série histórica”1.
A série histórica também pode ser analisada através do gráfico abaixo – extraído do Observatório de Política Fiscal (IBRE-FGV):
Medidas do governo:
Balanço elaborado pelo Ministério da Economia e divulgado pelo Globo revelou que investimentos executados pelas empresas públicas caíram de 19,7% do orçamento das companhias no primeiro trimestre de 2016 para apenas 6,7% no mesmo período de 2019.
No grupo Petrobras, a queda do investimento foi de 21,6% para 6,7% em quatro anos, sendo que no primeiro trimestre deste ano o montante chegou a R$ 6,9 bilhões. No grupo Eletrobras, a taxa caiu de 15,6% para 8% entre 2016 e 2019, ficando em R$ 400 milhões entre janeiro e março2.
Essas são as duas principais empresas públicas do Brasil. A Petrobras está passando por um amplo processo de desinvestimento e venda de ativos. A Eletrobras também quer vender suas participações em empreendimentos e está na lista de privatizações que o governo pretende fazer.
Evolução do endividamento das estatais no período, segundo dados do Ministério da Economia divulgados pelo Globo:
Evolução do quadro de pessoal contratado / efetivo (em milhares): em 2014, o número total de pessoal era 554,8 mil. Em 2019, o número caiu para 492,5.
O número total de empresas estatais chega hoje a 130. Em 2016, esse número era de 154. De lá para cá, houve a venda de distribuidoras de energia da Eletrobras. Este ano, três empresas deixaram de fazer parte da lista. A TAG, Transportadora Associada de Gás, a BR Distribuidora, a Stratura (que faz parte do grupo BR) e a BBTur, que foi fechada.
O governo Bolsonaro anunciou neste ano a aprovação do início de sete programas de demissão voluntária (PDVs) de estatais federais. A expectativa é que mais de 21 mil empregados venham a aderir aos programas e, consequentemente, se desliguem dos seus cargos públicos. Entre as estatais que tiveram os seus programas de desligamento aprovados estão: Correios, Petrobras, Infraero e Embrapa. Elas somavam 171 mil funcionários ao fim de 2018. Os demais nomes ainda não foram divulgados pelo governo e os anúncios serão feitos pelas próprias empresas.
A Embrapa, que está com 9,4 mil servidores, estima que possam ser realizados até 2,8 mil desligamentos com o PDV. Já a Petrobras estima 4,3 mil desligamentos com o PDV, o que deve custar R$ 1,1 bilhão. A expectativa de retorno é de R$ 4,1 bilhões até 2023. A prioridade é de alcançar os funcionários que estão próximos da aposentadoria. Atualmente, a estatal tem 47,2 mil funcionários – em 2011, eram 58,9 mil. O custo estimado com o PDV é de R$ 1,1 bilhão.
Com o anúncio das privatizações e com a queda de investimentos, cerca de 120 mil funcionários aguardam mais detalhes para saber se as mudanças afetarão os seus empregos. Apesar de esses empregados terem entrado por meio de concursos públicos, eles são contratados pelo regime CLT, modelo utilizado pela iniciativa privada. Portanto, eles não têm a mesma estabilidade dos servidores públicos federais que trabalham em órgãos da administração direta como os ministérios, que fazem parte do chamado regime estatutário.
Em outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as empresas públicas devem justificar a demissão de funcionários, mas isso não quer dizer que eles tenham estabilidade.
Análise crítica
Segundo dados do painel Panorama das Estatais, divulgados pela Gazeta do Povo, nos últimos nove anos a quantidade de servidores efetivos em estatais federais diminuiu 5% – passou de 515,1 mil em 2011 para 489,5 mil até março deste ano. Esse movimento de retração é mais intenso se for considerado num período mais curto, de seis anos. Em 2014 o funcionalismo nas estatais federais atingiu seu ápice: eram 552,8 mil servidores em todas as empresas, dependentes ou não. De lá para cá, a redução na quantidade de pessoal é de 11%3.
Segundo tal panorama de redução do funcionalismo e de pessoal, a Gazeta do Povo selecionou seis estatais – Correios, Infraero, Embrapa, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal – e dois grupos – Eletrobras e Petrobras – para avaliar a evolução de pessoal. Juntas, essas empresas concentram a maior parte da mão de obra
Não foi só o número de funcionários que caiu nos últimos anos: a quantidade de estatais também foi reduzida – e pode diminuir ainda mais, caso o governo consiga levar adiante o plano de privatizações, que por enquanto está parado. Assim como aconteceu com o funcionalismo, o número de estatais variou ao longo dos anos. Em 2010, o Brasil tinha 138 empresas estatais. Esse número saltou para 154 em 2016 e agora está em 134.
O gráfico abaixo, divulgado pela Gazeta do Povo a partir dos dados do Panorama das Estatais, mostra a redução drástica de postos de trabalho nas estatais em números:
O grupo Eletrobras foi o que teve maior encolhimento, chegando a reduzir quase a metade de seus trabalhadores: de 27.367 empregados, reduziu o pessoal para 14.533, queda de 47%.
As empresas estatais passaram por um processo de encolhimento nos últimos quatro anos, com redução do total de funcionários. Esse encolhimento é justificado pelo governo como uma tentativa de reversão de um quadro de prejuízos. No fundo, o que se visa é a privatização. As empresas estatais estão investindo cada vez menos. Balanço elaborado pelo Ministério da Economia e obtido pelo Globo revela que os investimentos
executados pelas empresas públicas caíram consideravelmente de 2016 para cá – saindo dos 19,7% para os 6,7%.
“As empresas estavam muito alavancadas. Agora, estamos refluindo. Para passar por um novo ciclo de privatização, é importante que as estatais estejam mais eficientes”, diz o secretário de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Economia, Fernando Soares, reconhecendo que a consequência é a redução do orçamento de investimentos.
A queda no nível de investimento por parte do governo Bolsonaro visa fortalecer o pacote de privatizações que a equipe econômica anseia realizar ainda esse ano – portanto, é parte integrante do projeto econômico de cunho liberal coordenado pelo Ministro Paulo Guedes. Há uma racionalidade perversa por detrás do encolhimento dos investimentos públicos nas estatais, sobretudo com pessoal: a lógica da privatização.
Para economistas mais liberais, como a Elena Landau, simpática às privatizações, essa retração nos investimentos não é algo negativo. Ela destaca que as estatais têm um endividamento muito elevado. Em 2015, por exemplo, era de R$ 544 bilhões. No primeiro trimestre de 2019, chegou a R$ 367 bilhões. A Petrobras, sozinha, deve R$ 307 bilhões. O dólar mais barato também ajudou na redução, já que parte da dívida foi contraída no exterior.
O fato é que o governo Bolsonaro trabalha, direta ou indiretamente, em favor do sucateamento das estatais, reduzindo o nível de investimentos para fortalecer na sociedade o sentimento de necessidade de privatização das empresas públicas brasileiras, sendo a Petrobras a principal delas.
Privatizações são ofertas de bens públicos ao mercado mundial, e quem oferecer mais, leva, segundo as leis de mercado. Na competição entre candidatos à compra, prevalecem quase sempre os investidores estrangeiros, por terem maior poder financeiro. Privatizações significam quase sempre desnacionalizações – enfraquecimento da soberania nacional.
É preciso analisar o exemplo dos países ditos bem sucedidos, de renda média alta, que garantem proteção aos jovens e aos aposentados e tem alto nível educacional e cultural. Na Alemanha, ao contrário do Brasil, as marcas nacionais imperam e a quantidade de carros importados nas ruas é mínima. Nos supermercados, a predominância dos produtos nacionais é quase absoluta. Há várias indústrias em cada ramo, a competição é
acirrada, mas a manufatura nacional manda no mercado. Não é fácil um produto final estrangeiro ultrapassar a fronteira e disputar o mercado nacional. Na França, Inglaterra, Japão, Estados Unidos, Suécia e outros ocorre o mesmo.
O tipo de privatização praticado nos governos FHC, Temer e agora no governo Bolsonaro / Guedes não é o único existente. Como observa o economista Carlos Aguiar de Medeiros, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “em muitos países a privatização foi apenas um processo de capitalização com a venda de ações de empresas estatais no mercado, com o governo retendo as golden shares (ações de classe especial mantidas pelo poder público quando ele se desfaz do controle acionário de empresas por conta de privatizações), de forma a evitar que a companhia, antes considerada estratégica, caísse em mãos inábeis4.
O processo de desestatização de empresas públicas iniciou no começo da década de 90, durante o governo do então presidente da República Fernando Collor de Melo, e continuou nos governos seguintes de Fernando Henrique Cardoso. Foi criado, na época, o Programa Nacional de Desestatização (PND), que alterou as estruturas, condicionou interesses aos processos de privatização e provocou a precarização do trabalho. A iniciativa incluía ainda os chamados Programas de Demissão Voluntária. Todas essas medidas de cunho neoliberal estão sendo retomadas pela equipe econômica de Bolsonaro, gerando uma nova onda de precarização do trabalho em setores estratégicos da economia nacional.
O cenário do mundo do trabalho hoje no Brasil se resume em desemprego, baixos salários, informalidade, maior carga de trabalho, serviços de baixa qualidade, queda de investimentos públicos – o menor nível de investimento da série histórica – e precarização do trabalho. O discurso de “modernização” propagado pelo governo esconde por trás de si um verdadeiro desmonte dos direitos mais básicos que a classe trabalhadora já conquistou. Privatizar os lucros e socializar os prejuízos: essa frase expressa bem o que passamos nos dias de hoje.
Notas:
1 Investimento das empresas estatais. Disponível em: https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/posts/investimentos-das-empresas-estatais, acesso em 22 de outubro de 2019.
2 Enxugamento das estatais leva à queda de investimentos das empresas públicas. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/enxugamento-das-estatais-leva-queda-de- investimentos-das-empresas-publicas-23846601, acessado em 30 de outubro de 2019.
3 8 estatais que mais perderam funcionários nos últimos anos. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/estatais-perderam-funcionarios-demissoes-pdv/, acessado em 30 de outubro de 2019.
4 A privatização é boa ou ruim? Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/economia/a- privatizacao-e-boa-ou-ruim/, acesso em 07 de novembro de 2019.