Relatório sobre Ciência & Tecnologia – Julho/2019

FATOS RELEVANTES

Por não ser prioridade do governo federal ou, ao menos, um item importante na agenda, que consuma algum tempo para encontrar soluções, a área de Pesquisa e Desenvolvimento – P&D não apresentou nenhuma novidade neste mês de julho. Nada, porém, diferente dos seis meses anteriores. Diferentemente, caminha, a passos largos, para realizar sua missa de réquiem, e enfrenta a maior crise já vivida pelo Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação -SNCTI (1) .

Fato relevante em julho, para evitar o agravamento da crise no Sistema, seria o envio ao Congresso Nacional, pelo Poder Executivo, de projeto de Crédito Suplementar no valor de R$ 340,2 milhões para o pagamento de bolsas oferecidas pelo CNPq (2) .

Cumpriria, assim, a palavra empenhada por sua líder no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), quando da aprovação, em 11 de junho, do PLN nº 4/19, que autorizou o governo federal a aumentar seu endividamento através da realização de operações de crédito em até R$ 248,9 bilhões.

Não bastasse o CNPq ter entrado o ano de 2019 com este déficit de R$ 330 milhões, o governo federal, através do decreto nº 9.741, em 29 de março, promoveu um contingenciamento (esterilização) de 41,5% sobre o orçamento do MCTIC, retirando-lhe ou cortando, tanto faz, tautologia apenas neste cenário econômico, R$ 2,1 bilhões, fato inexorável posto que não haverá recuperação da arrecadação federal na perspectiva de um PIB de 0,8%, o que ceifou o CNPq em mais 11% de seus recursos.

Com a ausência do crédito, carimbado ao CNPq, serão suspensos os pagamentos de todas as 84 mil bolsas a partir de setembro deste ano.
Como agravante, o CNPq suspendeu, até 30 de setembro, o edital para segunda fase do processo para seleção de bolsistas no Brasil e no exterior. Divulgada em junho de 2018, através da Chamada Pública nº 22/2018, a seleção contemplaria, com gastos estimados em R$ 60 milhões, propostas de doutorado e pós-doutorado com previsão de pagamento entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020.

Na Agência, não se cogita, igualmente, qualquer reajuste no valor das bolsas para Iniciação Científica (IC), Mestrado e Doutorado. A última majoração ocorreu há seis anos.

O próprio Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, administrado pela FINEP (secretaria-executiva dos Fundos), que historicamente contribuiu com parte significativa dos recursos para custeio dos principais programas do CNPq, a exemplo do Edital Universal e dos INCTs, nada pode fazer, tendo em vista que cerca de 90% dos seus recursos estão contingenciados.

Resultado disso, o próprio Edital Universal (Chamada Universal MCTIC/CNPq nº 28/2018), que aprovou 5.572 projetos de pesquisa, envolvendo 2.516 bolsas de várias modalidades, com recursos previstos de R$ 200 milhões, também foi suspenso.

Sem o projeto de crédito, invisível no horizonte, o CNPq, como Sofia Zawistowk, terá que optar, a partir de setembro, entre pagar bolsas ou pagar projetos.

MEDIDAS PROPOSTAS

É sabido que o MCTIC tem como prioridade a área de Comunicações, ficando CT&I em segundo plano. Prova disso que é, das sete secretarias do MCTIC, apenas uma é destinada à Ciência.

A recriação do MCTI (Ciência, Tecnologias e Inovação, exclusivamente), é prioritária para agenda de desenvolvimento do país, sendo este capaz de reorganizar, recuperar e ampliar recursos, assim como influir, transversalmente, nas demais ações governamentais vinculadas.

Igualmente, é urgente, priorizar a aprovação do PLS nº 181/2016, que destinada, exclusivamente para o desenvolvimento da CT&I, 20% do resultado anual do Fundo Social do Pré-Sal. Destes, 50% serão destinados para projetos de pesquisa científica aprovados pelo CNPq e os outros 50% para o financiamento de projetos de implantação e recuperação de infraestrutura nas instituições públicas de ensino superior e de pesquisa.
Entretanto, e enviezadamente, o MCTIC se dedica a solicitar ao presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), numa preferência clara por Comunicações, urgência para votação do projeto que altera o marco legal de Telecomunicações (PLC nº 79/2016), permitindo a adaptação da modalidade de outorga de serviço de telecomunicações de concessão para autorização.

Endossa, quando deveria confrontá-la, a limitação técnica, humana e intelectual do senhor presidente da República quando este desacredita e põe em dúvida informações prestadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE sobre desmatamento na Amazônia.

O INPE, criado em 1961, produz informações e tecnologias nas áreas espacial e do ambiente terrestre, e está expandindo para o monitoramento de topos os biomas brasileiros. É exemplo não apenas nacional, mas mundial nestas áreas, citado como referência por organismos internacionais. Seus sistemas de monitoramento diários de desmatamento e de detecção de queimadas (PRODES, DETER e QUEIMADAS) utilizam sensores acoplados em satélites de última geração, calibrados radiometricamente.

Complementando as informações do PRODES, o INPE produz, desde 2010, mapas delimitando polígonos de desmatamento em áreas inferiores a seis hectares. Para colaborar com a fiscalização por órgãos ambientais, dispõe, desde 2016, de um alerta diário (DETER-B) que identifica desmatamentos acima de um hectare. Essa estrutura permite ao INPE ofertar dados com índice superior a 95% de precisão, com acesso irrestrito a todas as informações geradas por seus sistemas de monitoramento.

Quando solicita ao INPE estas informações, para conferir sua veracidade, questionando-as, por ordem superior, esquece o próprio MCTIC que não tem técnicos no ministério com conhecimento e formação suficientes para ler e interpretar estes mapas de desmatamento e a qualidade dos dados.

ANÁLISE CRÍTICA

O colapso do SNCTI não encontra precedentes na história brasileira.  Comparado com o círculo virtuoso por que passou CT&I na primeira década do século, com expansão e consolidação do Sistema, ampliação do contingente de capital humano formado, aumento de investimentos focados em áreas estratégicas, direcionamento de chamadas e editais para inovação tecnológica nas empresas, o que se vê hoje é desalentador.

No começo deste século o orçamento do então MCTI passou de uma dotação de cerca de R$ 3 bilhões, em 2002, para mais de R$ 8,5 bilhões em 2010. O FNDCT viu seus recursos aumentarem de R$ 500 milhões, em 2002, para mais de R$ 4 bilhões em 2010. Nos últimos cinco anos a queda, entretanto, foi constante. O FNDCT deveria ter despesas, em 2019, em torno de R$ 4,3 bilhões, mas até julho foram liberados apenas R$ 600 milhões. Se em 2018 o valor executado pelo MCTIC foi de R$ 3,9 milhões, em 2019, até julho, foi apenas de R$ 932 milhões. Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, a exemplo da FAP-DF e da FAPERN fecharam as portas. FAPESP, FAPEMA, PAPESB, FACEPE e FUNCAP ainda resistem. Não se sabe até quando, neste cenário.

De acordo com Índice Global de Inovação, publicado anualmente desde 2007, pela Universidade de Cornell em conjunto com o Instituto Europeu de Administração Empresas – INSEAD e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual – WIPO, o Brasil ocupava em 2011 a 47ª posição no desenvolvimento de projetos inovadores, numa relação de 127 países. Em 2018 passou para 64ª colocação, entre 126 nações. Nessa toada, com descrédito e cortes infindáveis, vai chegar, ao fim de 2019, perto da 80 ª posição.

É uma morte anunciada. À revelia, todo governo está esperando a missa.

Notas:

1 Ministérios da Ciência, Tecnologia Inovações e Comunicações – MCTIC, Educação e Saúde, Agências de Fomento (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES), Universidades Públicas (União, Estados e Municípios) e Privadas, Institutos Federais de Ciência e Tecnologia, Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCT, Organizações Sociais (Instituto de Matemática Pura e Aplicada – IMPA, Centro de Gestão e Estudos estratégicos – CGEE, Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais – CNPEM, Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – IDSM, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa – RNP e Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial – EMBRAPII), Secretarias Estaduais de CT&I, Fundações Estatuais de Amparo à Pesquisa – FAPs, Fundações Privadas de Apoio à Pesquisa, Fundações de Apoio às Universidades e empresas atuantes em P&D.

2 O CNPq tem, historicamente, uma despesa anual média de cerca de R$ 1,25 bilhão: R$ 1,05 bilhão para bolsas e o restante para fomento e manutenção. Para bolsas, em 2019, foram destinados apenas R$ 780
milhões.