Os grupos de interesse no Governo Bolsonaro
Publicado 09/04/2019 - Atualizado 22/08/2019
O processo de conformação da equipe de governo de Jair Bolsonaro começou ainda durante a campanha eleitoral de 2018 e as nomeações que historicamente eram vinculadas à coalizão de forças partidárias vencedora para estruturar a maioria nas casas legislativas, dessa vez, foram feitas de outra forma.
A estratégia foi comemorada pela grande imprensa, que afirmou que o novo governo estaria nomeando cargos “técnicos” e “verdadeiramente preparados” para exercer as funções em ministérios e outros cargos importantes da República. Desde então, nas análises preliminares sobre esta afirmação e a conformação da estrutura de governo, o Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo buscou verificar as origens e trajetórias da nova equipe de governo. O resultado é um infográfico interativo e colaborativo, que mostra o espaço ocupado por cada grupo de interesse dentro de cada ministério e órgão ligado ao governo federal.
Em uma conceituação básica de estratégias de governos neoliberais recentes é conhecida a lógica da Agenda Setting, em que os atos do presidente e sua equipe se estruturam em torno de agendas determinadas por grupos de interesse com maior capacidade de influência. Esse elemento, somado ao fato notório de que Bolsonaro discutiu os seus ministérios com bancadas temáticas do Parlamento brasileiro, como foi o caso da bancada ruralista e da bancada evangélica, permitiu ao Grupo de Conjuntura identificar melhor os grupos de interesse representados por vários nomes nos escalões superiores do governo.
O estudo, dividido por ministérios, apresenta algumas conclusões, entre elas a de que o governo Bolsonaro está dividido por centros de poder bastante evidentes. A trajetória de secretários nacionais, ministros e de outros postos chave do governo desenhada a seguir aponta para uma homogeneização de interesses e posturas, como é o caso dos militares, presentes em quase todos os ministérios da República, dos representantes da Escola de Chicago que ocuparam a economia, bem como organismos e empresas adjacentes, da “Operação Lava Jato”, que ocupou o Ministério da Justiça, do fundamentalismo religioso que tomou conta dos Direitos Humanos, do “olavismo”(grupos conservadores e os adeptos de Olavo de Carvalho), que tomou conta de parte da educação, e das relações exteriores e da bancada ruralista, que dirige o Ministério da Agricultura e o Meio Ambiente.
Esses elementos permitem concluir que, por um lado, houve um distanciamento dos mecanismos clássicos de coalizão, mas, por outro, a nova estratégia de forma nenhuma é meritocrática e tampouco técnica. Bolsonaro substituiu a coalizão de partidos pela coalizão de grupos de interesse na conformação de seu governo. Como isso será refletido na relação entre Poder Executivo e Legislativo deve-se aguardar para ver.
O grupo militar
Os militares conformam o grupo com maior presença na Esplanada dos Ministérios e distribuído estrategicamente. Ao todo, esse segmento ocupa sete pastas como titular: Gabinete de Segurança Institucional (Gen. Augusto Heleno); Secretaria de Governo (Gen. Carlos Alberto dos Santos Cruz); Defesa (Gen. Fernando Azevedo e Silva); Infraestrutura (Cap. Tarcísio Gomes de Freitas); Minas e Energia (Alm. Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Jr.); Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (Ten. Cor. Marcos Pontes); Controladoria Geral da União (Cap. Wagner Rosário).
Além disso, os militares estão presentes em postos de direção ou em conselhos de administração de algumas das maiores empresas estatais do país, tais como Petrobras, Eletrobras, Itaipu Binacional, Telebras, Correios e Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).
Como se pode observar, as forças armadas ocuparam áreas já tradicionalmente militarizadas, como o GSI e a Defesa, mas também marcam presença em áreas econômicas estratégicas para grandes projetos e investimentos como Infraestrutura, Minas e Energia e Ciência e Tecnologia. Mais ainda, a presença desse núcleo se faz sentir na área jurídica, comandando a Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça e a CGU, além de secretarias de natureza fundamentalmente política, como nos casos da Secretaria de Governo e da Secretaria Geral da Presidência, onde assumiu o posto de porta-voz da Presidência da República. Chama também atenção a presença contundente no Ministério da Educação, fundamentalmente nas áreas ligadas ao ensino superior; no Ministério dos Direitos Humanos, ocupando a Funai; no Ministério da Cidadania, ocupando a pasta responsável pelos Esportes; no Ministério do Desenvolvimento Regional, ocupando o departamento responsável pela defesa civil.
Além da atuação nas áreas fim já elencadas, os militares marcam presença intensa também em áreas-meio de gestão em diversos ministérios, tais como planejamento, orçamento, licitação, logística, projetos e comunicação.
Há uma presença predominante de generais do Exército. Os oficiais da Marinha estão concentrados na área de Minas e Energia e os oficiais da Aeronáutica no setor de Ciência e Tecnologia. Os únicos ministérios que até o momento não contam com a presença de militares em cargos estratégicos são Casa Civil, Agricultura, Saúde, Turismo e Relações Exteriores. Mesmo assim, neste último a política conservadora e extravagante do atual chanceler tem deixado as forças armadas em alerta para uma eventual tutela mais direta sobre o Itamaraty.
O grupo do mercado
Dos primeiros 36 nomeados para ocupar os postos de comando da área econômica do governo Bolsonaro, dezesseis são oriundos da burocracia do governo Temer, cuja maioria se distingue por compartilhar uma perspectiva econômica fiscalista e conservadora.
Outros que se destacam são dez economistas alocados em cargos estratégicos do Ministério da Economia e nas empresas estatais (Petrobras, BNDES, Banco do Brasil e Caixa), egressos do mercado financeiro, em especial de instituições privadas que operaram no mercado de capitais, como o próprio ministro Paulo Guedes, do Banco Bozano Simonsen; o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, oriundo do Banco Brasil Plural; e o indicado para o Banco Central, Roberto Campos Neto, oriundo do Banco Santander depois de ter também trabalhado no Banco Bozano Simonsen; além do secretário especial de Desestatização e Investimentos, Salim Mattar, dono da Localiza, locadora de automóveis que os adquire com subsídios do Estado, o que não deixa de ser irônico.
Outro traço distintivo da atual equipe econômica é a relação que muitos de seus membros possui com instituições acadêmicas de tradição ortodoxa e ultraliberal: cinco foram ou são docentes da FGV-Rio, dois atuaram no IBMEC e outros quatro, incluindo o próprio ministro Paulo Guedes, passaram pela Universidade de Chicago.
Em suma, chama a atenção o viés anti-Estado e antinacionalista da equipe, a ausência de quadros que tenham experiência ou afinidades com os setores produtivos e o grande peso de representantes do sistema financeiro especialistas em estratégias de valorização patrimonial que atuam prioritariamente na órbita da acumulação rentista em detrimento da produção e da geração de renda.
A Operação Lava Jato no Ministério da Justiça e Segurança Pública
O Ministério da Justiça incorporou as funções do Ministério da Segurança Pública criado por Temer e sua reestruturação incorporou algumas atribuições fiscalizatórias de outros ministérios, como o Conselho de Controle das Atividades Financeiras (outrora da Fazenda), a Coordenação Geral de Registro Sindical e a Coordenação Geral de Imigração (antes do Trabalho e agora na estrutura da Secretaria Nacional de Justiça). Tudo isso foi regulamentado pelo Decreto 9662 de 1º de Janeiro.
A Funai foi para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A demarcação de terras indígenas deixou de ser uma atribuição do Ministério da Justiça e passou ao Ministério da Agricultura.
Seis delegados da PF foram cedidos para exercer funções em Secretarias de Segurança Pública e afins nos seguintes estados: DF, TO, ES (Segurança Pública e Justiça), PA e RJ (Detran).
Nomes centrais da Operação Lava Jato da “República de Curitiba” compõem a linha de frente do Ministério. A quase exclusividade desses nomes já desmonta o critério técnico. Pela natureza das táticas estabelecidas pela operação, Sérgio Moro claramente possuía uma profunda influência e relação de confiança com estes interlocutores de outras frentes do processo. Essas escolhas não significam critério meritocrático ou técnico e sim político. A Lava Jato se transformou num grupo supostamente apartidário, mas de enorme influência política porque agora governa uma das maiores estruturas do governo Bolsonaro.
A chefe de Gabinete do Ministério, Flávia Cecília Maceno Blanco, é servidora do Judiciário Federal, foi diretora da Secretaria da 13ª Vara Federal de Curitiba (escrivã de Sérgio Moro e responsável pela publicação dos despachos de Moro na Lava Jato, inclusive na ação da divulgação dos grampos do presidente Lula e da presidenta Dilma). Foi da equipe de transição.
A assessora especial, Maria Filomena Ferreira de Freitas, foi assessora especial do ministro Torquato Jardim (nomeada em 31/10/2017) e até então era gerente geral de uma agência bancária do Itaú Personnalité.
O secretário-executivo, Luiz Pontel de Souza, foi o último secretário Nacional de Justiça de Temer. Fez carreira na Polícia Federal como delegado chegando a diretor-Executivo da PF. Foi assessor do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República entre 2013 e 2015. Foi delegado das investigações do Banestado e prendeu Alberto Youssef . Foi adido da Polícia Federal em Lisboa em 2013.
A secretária nacional de Justiça, Maria Hilda Marsiaj Pinto, foi promotora do Ministério Público Federal e sub-procuradora da Procuradoria Geral da República. Oriunda da Quarta Região, a mesma de Moro, atuou na Lava Jato junto ao Superior Tribunal de Justiça. Integrou o grupo que elaborou as dez medidas contra a Corrupção.
O Secretário Nacional do Consumidor, Luciano Benetti Timm, é advogado, doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atua no Rio Grande do Sul e no Paraná. É professor da FGV, Unisinos, PUCRS e professor visitante da USP. É sócio do Escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados (RS) comandando a área de solução de disputas (arbitragem empresarial).
Segundo Moro, a ideia é minimizar os conflitos nesta área, o que aponta para a desjudicialização de conflitos dos consumidores.
O secretário de Operações Integradas, Rosalvo Ferreira Franco, foi da equipe de transição. É delegado da PF, foi superintendente no Paraná entre 2013 e 2017, quando se aposentou. Comandou a condução coercitiva do ex-presidente Lula e foi o primeiro chefe da PF na Lava Jato. Esteve envolvido nos grampos ilegais na cela de Alberto Youssef, sendo inclusive convocado para prestar depoimento na CPI da Petrobras. Não compareceu em razão de habeas corpus preventivo deferido pelo então Ministro Teori Zavascki. Possui dois processos contra a União em que discute direitos de remuneração da época que foi ativo como delegado da PF e ficou conhecido por ser alvo de uma fake news que contava que ele havia se suicidado.
A chefe do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, Érika Marena, delegada da PF, comandou a operação Ouvidos Moucos, responsável pelo suicídio do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Foi ela quem batizou a operação Lava Jato. Rosalvo e Érika deixaram a operação praticamente ao mesmo tempo, exatamente quando Temer trocou o comando da PF e nomeou Alexandre de Morais para o STF.
O Diretor da Policia Federal, Maurício Valeixo, é delegado. Substituiu Rosalvo Ferreira Franco e se manteve como superintendente da PF no Paraná até o fim de 2018. Foi agregado policial em Washington até 2015. Coordenou a prisão do ex-presidente Lula e estava no comando da PF quando do caso do habeas corpus concedido a Lula em julho de 2018.
O chefe da Polícia Rodoviária Federal, Adriano Marcos Furtado, foi superintendente da PRF no Paraná até o fim de 2018 e responsável pelo braço da Operação Lava Jato na Polícia Rodoviária.
O presidente do Coaf, Roberto Leonel Lima, é Auditor Fiscal da Receita Federal desde 1986. Foi chefe do Escritório de Pesquisa e Investigação na nona região fiscal da Receita Federal – Curitiba de 1996 até 2018 (Banestado e Lava Jato).
Os evangélicos no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos
É o ministério onde mais se concentram representantes das igrejas evangélicas fundamentalistas. Além da ministra Damares Alves, seis das oito secretarias são ocupadas por representantes delas. A secretária executiva, a de Política para as Mulheres, a dos Direitos da Criança e do Adolescente, a secretária nacional de Proteção Global, a de Promoção da Igualdade Racial e a de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa. Ainda assim, das duas secretarias que não estão sob o comando dos evangélicos fundamentalistas, uma, a Secretaria Nacional da Família, tem como secretária Ângela Vidal Gandra da Silva Martins, filha do jurista Ives Gandra Martins Filho. A secretária é da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp) e se posiciona claramente contra a legalização do aborto. Outra área do ministério que não é encabeçada por evangélicos é a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que tem como secretária Priscilla Roberta Gaspar de Oliveira, surda muda, ligada à primeira-dama Michelle Bolsonaro, e intérprete de libras dos discursos de Bolsonaro durante a campanha.
Na reorganização do ministério, a Secretaria de Promoção dos Direitos de LGBTT perdeu o status de secretaria e passou a ser uma diretoria comandada por Marian Reidel, mulher transexual nomeada durante o governo Temer e ainda mantida no cargo. Essa diretoria, entretanto, está subordinada à Secretaria Nacional de Proteção Global, comandada por Sérgio Augusto Queiroz, pastor da Igreja Batista, a mesma frequentada pela ministra Damares, e presidente da Fundação Cidade Viva.
O ministério segue orientação direta do pastor Silas Malafaia, que cedeu espaço durante a campanha eleitoral em suas emissoras de rádio e TV para dar apoio a Bolsonaro e falar contra o PT. Este segmento evangélico carrega valores fortemente moralistas, é contra o que chama de “ideologia de gênero”, o aborto, a legalização da maconha, defensor da chamada família tradicional. Deslegitima o feminismo e procura distanciar as mulheres evangélicas de qualquer pauta associada ao movimento.
Proclama que evangélico que vota na esquerda está cometendo pecado. Segundo este segmento, existe uma “ideologia de gênero” que deve ser combatida e a orientação e gênero LGBTQI+ deve ser considerada crime. Prega os discursos de ódio, afirmando a inferioridade e incitando a discriminação em razão da orientação sexual ou identidade de gênero.
No campo da educação esse mesmo grupo propõe o ensino religioso confessional e afirma que o projeto educacional vigente promove o ateísmo e proíbe o ensino sobre a existência absoluta de Deus. Estimula a desinformação, a teoria criacionista e propõe a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas. Distorce o marxismo e contesta as bases da teoria educacional de Paulo Freire, afirmando que o marxismo no Brasil quer destruir a nossa cultura judaico-cristã e desconstruir a família.
O “olavismo” no Ministério da Educação
O Ministério da Educação teve nos primeiros três meses de governo Ricardo Vélez Rodriguez, indicado pelo jornalista, escritor, astrólogo e suposto “filósofo” Olavo de Carvalho, defensor da “Escola sem Partido”, crítico do “marxismo cultural e globalista” e do que chama de ideologia de gênero nas escolas. Rodriguez foi professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e é entusiasta das escolas cívico-militares. Foi exonerado do cargo no início de abril, sendo substítuido por Abraham Weintraub, que ocupava o cargo de secretário executivo da Casa Civil, economista ultraliberal e também adepto das ideias olavistas.
O ministério trazia na Secretaria Executiva Luiz Antônio Tozi e na Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes) Anderson Ribeiro Correa, ambos ligados às forças armadas por intermédio do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Em março. Tozi foi exonerado e substituído por um militar, o tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira.
O presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) é general do Exército e o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) também é indicação dos militares.
Na secretaria de Alfabetização, um discípulo de Olavo de Carvalho, Carlos Alberto de Paula Nadalin, dono da Escola Balão Mágico, pretende combater o método construtivista de Paulo Freire contrapondo o controverso método fônico que relaciona letras a sons. É também defensor da educação domiciliar. Houve a nomeação do “olavista” Murilo Resende Ferreira, para a secretaria de Ensino Superior, responsável pelo Enem. Acusado de plágio de um texto de uma revista americana sobre a Escola de Frankfurt, de 1992, traduzido e adaptado a figuras nacionais e defendido como original por Murilo, foi exonerado um dia depois de sua nomeação, mas mantido no Ministério no cargo de assessor da Secretaria de Educação Superior, divisão do MEC, comandada por Mauro Rabelo. Na presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), responsável pelo Enem, esteve até março Marcus Vinícius Rodrigues, demitido após a suspensão da avaliação de alfabetização (Saeb) anunciada por Vélez.
Boa parte do restante do secretariado, segundo e terceiro escalão do ministério é formado por ex-alunos do ministro, sem maiores destaques na carreira.
Os “olavistas” e americanistas no Ministério das Relações Exteriores
O Ministro de Relações Exteriores é o embaixador Ernesto Henrique Fraga Araújo, quadro de carreira do Itamaraty, bacharel em letras que ingressou no serviço Instituto Rio Branco em 1990 e que se tornou diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Internacionais em 2016. Nunca foi embaixador em postos do exterior. Ele teria sido indicado por Olavo de Carvalho e por Eduardo Bolsonaro, eleito deputado federal por São Paulo e o integrante da família que se dedica a assuntos internacionais. O Secretário Geral das Relações Exteriores é o Embaixador Otávio Brandelli, que ingressou no Instituto Rio Branco em 1991 e que assumiu a chefia do Departamento do Mercosul entre 2015 e 2018.
Para acompanhar e incidir sobre a política externa do novo governo formou-se um núcleo composto por Eduardo Bolsonaro e Filipe Martins, assessor especial da Presidência, ex-secretário internacional do PSL e admirador de Olavo de Carvalho e Steve Bannon. Olavo de Carvalho também participa. Ele vive nos Estados Unidos desde 2005, onde dirige o Inter American Institute, uma Ong que professa posições políticasultraliberais e também administra um site pessoal pago pela Atlas Foundation, ligada às empresas dos Irmãos Koch, do setor petroleiro, e que no Brasil também apoia organizações como o Movimeno Brasil Livre (MBL). Carvalho também se articula com integrantes do Departamento de Estado dos Estados Unidos e o senador republicano do Tea Party Marco Rubio, da Flórida, foi um dos interlocutores de Eduardo Bolsonaro e Filipe Martins durante uma viagem que fizeram aos EUA para contatos com o governo Donald Trump.
Além disso, as relações mais informais não devem ser desprezadas, como os vínculos das igrejas evangélicas fundamentalistas brasileiras com suas matrizes nos EUA. Lá, muitas delas apoiam o governo Trump e parlamentares republicanos conservadores, particularmente os ligados ao Tea Party. Desta forma, o núcleo se relaciona com a extrema direita estadunidense, seja por meio das iniciativas formais do presidente e de seu filho, bem como dos órgãos de governo, ou das informais das igrejas e de Olavo de Carvalho, que declarou que o único cargo que aceitaria no governo Bolsonaro seria o de embaixador do Brasil nos EUA.
Dessa forma, as relações com os EUA e com o governo Trump estão no centro das discussões sobre a política externa do novo governo brasileiro desde o resultado da eleição presidencial até o momento, incluindo a cessão de uma base militar para os Estados Unidos em território brasileiro, posição da qual o governo recuou devido ao questionamento dos militares.
Ernesto Araújo impôs ao ministério a maior reorganização interna dos últimos governos. As relações bilaterais foram enfatizadas e as nove subsecretarias existentes foram reduzidas a sete. Porém, os departamentos subordinados a elas foram ampliados de para quarenta. Áreas, como meio ambiente e apoio às comunidades brasileiras no exterior, perderam status. O Departamento de Imigração deixou de existir. Temas como direitos humanos e o relacionamento com as Nações Unidas passaram para a alçada da recém-criada Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania, nomenclatura alinhada com o discurso “antiglobalista” do chanceler.
Praticamente todo o segundo escalão da pasta será composto por diplomatas na faixa dos cinquenta anos e ingressos no Itamaraty nos anos 1980 e 1990 como o próprio Araújo. Três deles ainda são ministros de segunda classe. Embaixadores mais experientes, com passagem por missões mais relevantes do país no exterior, perderão funções.
Ao que tudo indica, um secretariado inexperiente facilita implantar o viés ideológico do novo ministro que propõe o antiglobalismo e independência e afastamento das instituições multilaterais, bandeira defendida pela ultradireita. Araújo faz uma forte defesa do nacionalismo, um dos valores que estariam ameaçados pelo “globalismo marxista”, o que se choca com a política econômica que a equipe de Guedes deve propor.
Os latifundiários no Ministério da Agricultura
A mudança ministerial de Bolsonaro favoreceu o lobby do agronegócio. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) passou a contar com sete secretarias que possibilitam aos grandes proprietários rurais ampliar o acesso à terra, ao crédito, à irrigação, ao uso de agrotóxicos e a expansão do mercado externo. O perfil dos cargos dirigentes do MAPA revela o peso dos representantes do agronegócio.
A titular do MAPA, Tereza Cristina, é ex-presidenta da Frente Parlamentar da Agropecuária e defensora do uso de agrotóxicos. Os ruralistas também ocupam o primeiro escalão do Ministério do Meio Ambiente, cujo titular é Ricardo Salles. Ambos são defensores do agronegócio e da redução das áreas de proteção ambiental.
Na nova estrutura criada no MAPA, merece destaque a Secretaria de Assuntos Fundiários coordenada pelo pecuarista Luiz Antônio Nabhan, presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e que também assumiu as funções de demarcação de terras indígenas, de titulação de quilombolas e da reforma agrária, que nos governos anteriores eram atribuições do Ministério da Justiça, da Casa Civil e da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento (Sead), respectivamente. A medida submeteu os povos tradicionais aos interesses do agronegócio em caso de disputas por terras.
A pauta ambiental perdeu peso com o novo governo, o Ministério do Meio Ambiente teve suas ações fragmentadas e perdeu seu papel de articulador. A Medida Provisória 870/2019 retirou do ministério as áreas de serviços florestais e de recursos hídricos, bem como extinguiu a área responsável pelas mudanças climáticas. A consequência possível será o aumento do peso dos ruralistas na definição das políticas públicas, enfraquecendo a pauta ambiental.