Relatório sobre Mundo do Trabalho/Março de 2019

A MP nº 873

Fatos relevantes:
O objeto de avaliação política ligada ao mundo do trabalho no mês de março foi a Medida Provisória nº 873, assinada no dia 1 de março, que proíbe o pagamento de contribuição sindical (mensalidade associativa) por folha salarial, ou seja, altera dispositivos da CLT e da Lei nº 8.112/90 acerca das contribuições sindicais. Orbitando em torno da promulgação da MP 873, destacamos os seguintes fatos relevantes:

Centrais sindicais iniciam a resistência organizada (oposição) à proposta de Reforma da Previdência (vide o ato na Praça da Sé, no dia 20/02, e o ato do dia 22/03, chamado principalmente pelas centrais sindicais);

Governo ataca o movimento sindical com medida provisória que atenta contra a liberdade de organização sindical garantida pela Constituição Federal;

A medida provisória 873 dá continuidade aos ataques contra os sindicatos iniciados pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 217), que regularizou a prevalência de acordos particulares entre patrão e empregado em detrimento de acordos coletivos, mediados pelos sindicatos das categorias ou mesmo da legislação trabalhista;

A MP 873 recebe críticas e contestações na justiça;

Em decisões específicas, justiça mantêm descontos para sindicatos em folha de pagamento, o que demonstra a fragilidade jurídica e constitucional da MP em questão;

As primeiras duas decisões de juízes federais (2º e 3º varas do Rio de Janeiro) sobre ações de inconstitucionalidade contra Medida Provisória – MP 873/219 foram favoráveis aos sindicatos;

O juiz federal Fabio Tennenblat considerou que a medida de Bolsonaro altera não só a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas também a Lei 8.112/1990, que institui regime jurídico especial aos servidores públicos federais e garante a liberdade de associação sindical, inclusive o desconto das mensalidades sindicais em folha de pagamento automaticamente, com prévia autorização;

Com o mesmo entendimento, o juiz da 2ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Dr. Mario Luís Rocha Lopes, concedeu o direito de manter a forma de cobrança para os trabalhadores filiados ao Sintufrj. Em seu despacho, ele argumentou que “a Constituição prevê, como direito básico, a liberdade de associação profissional ou sindical, estabelecendo que a assembleia geral [de trabalhadores] fixará a contribuição que será descontada em folha, para custeio da representação sindical” (conforme reportagem disponível em: https://www.extraclasse.org.br/exclusivoweb/2019/03/justica-mantem-descontos-para-sindicatos-em-folha/, acessada em 21 de março de 2019.

Ações do governo:

Promulgação da MP 873 no dia 01 de março de 219 (a MP em questão pode ser acessada através do link oficial: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Mpv/mpv873.htm ;

MP determina que contribuição sindical não poderá ser descontada em folha do empregado, mas recolhido somente via boleto, de modo pessoal e voluntário – no fundo, o que está em questão é a desejada desmobilização do movimento sindical, pois o Estado não tem ingerência sobre a organização dos trabalhadores e da associação sindical;

A redação anterior do texto obrigava os empregadores a descontar da folha de pagamento dos empregados, desde que devidamente autorizado, as contribuições devidas ao sindicato;

O objetivo do governo é dificultar a arrecadação sindical e reduzir a contribuição apenas para os trabalhadores filiados, ou seja, impedir a cobrança dos não filiados;

A intenção do Presidente da República é inviabilizar a interpretação pela qual a autorização para o desconto da contribuição sindical possa ser coletiva, dada por assembleia da categoria. Pelo novo texto, só seria possível o desconto mediante manifestação expressa e individual do empregado, conforme análise do professor e juiz do trabalho Fabiano Coelho de Souza.

Assembleia geral sindical ou outro mecanismo legitimado pela negociação coletiva não poderão suprir a autorização expressa e individual para a cobrança da contribuição sindical;

Judicialização do caso, em vez de politização / legislatura via Congresso Nacional;

Ao atacar os sindicatos, o governo Bolsonaro ataca a Constituição – as duas decisões favoráveis citadas anteriormente demonstram isso;

No centro da discussão está o Artigo 8º da Constituição, que legitima a liberdade sindical em nosso país;

Procurador João Hilário Valentim, titular da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis, do Ministério Público do Trabalho), afirmou que vê “falta de bom senso na medida governamental” e afirmou também que “o sustentáculo das relações de trabalho precisa de um escoadouro para suas tensões, e esse escoadouro são os sindicatos” (conforme reportagem disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2019/03/mp-contra-sindicatos-contraria-logica-da-reforma-trabalhista-e-e-caminho-para-caos , acessada em 12 de março de 2019

Análise crítica:

A MP abordada muda a forma de cobrança da contribuição (mensalidade) sindical. A regra passa a ser a remessa de boleto para a residência do empregado para que este proceda o recolhimento, em lugar do desconto salarial com recolhimento pela empresa. Quando for impossível a remessa ao endereço do trabalhador (local não servido pelos Correios, por exemplo) o boleto será encaminhado para a empresa. O ataque ao movimento sindical, assim como a criminalização dos movimentos sociais, foi uma promessa de campanha de Bolsonaro posta em prática com a MP 873.

É possível associar o avanço do governo contra os sindicatos com o envio da proposta de Reforma da Previdência à Câmara dos Deputados. Dado o envio formal da proposta, as centrais sindicais realizaram um ato em protesto ao projeto no final de fevereiro. Como tentamos demonstrar, o ataque aos sindicatos pode ser lido como uma espécie de reação aos protestos, que se seguirão a partir de agora. Há uma intenção em desmontar o movimento sindical, e também há a preocupação, por parte do governo, em aprovar a Reforma da Previdência. Essa conjunção de fatores permitiu com que o ataque aos sindicatos ocorresse nesse momento.

Se a tática do governo foi a judicialização ao invés do enfrentamento político, sujeito à luta e à correlação de forças no Congresso Nacional e no conjunto da sociedade, talvez esta tática se mostre ineficaz com o tempo: as duas primeiras medidas judicias demonstraram a inconstitucionalidade da MP 873. Ao tentar atacar os sindicatos, o governo Bolsonaro, mais uma vez, atacou a Constituição federal vigente em nosso país.

De modo resumido, o presidente da República mudou a forma de arrecadação dos sindicatos com o objetivo tácito de reduzir o recolhimento exclusivamente aos filiados. Tal atitude é inconstitucional, pois o Estado não deve interferir na liberdade de organização sindical dos trabalhadores.

Conforme escreveu Wilmar Alvino da Silva Jr em artigo publicado na Gazeta do Povo, a fragilidade jurídica da MP 873 se assemelha à tuitada de um “adolescente eufórico e inconsequente” e isso foi revelado pelas decisões judiciais liminares da 2º e da 3º Vara Federal do Rio de Janeiro.

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