Dois anos de retrocessos no mundo do trabalho

Noque diz respeito ao mundo do trabalho, foram remontadas as medidas tomadas pelo governo Bolsonaro em seu primeiro ano, como a MP 870 que extinguiu os ministérios do Trabalho e da Previdência e a reformada previdência que retirou direitos dos trabalhadores, e descrita as medidas tomadas em seu segundo ano de governo, que no contexto da pandemia intensificou a flexibilização do trabalho, pagou um auxílio emergencial de R$ 600 graças a proposição da oposição no Congresso, mesmo assim tendo feito seu pagamento por um período curto e negando – o a muitas categorias de trabalhadores autônomos, aprovou a PEC 186 que atacou direitos dos servidores públicos,dentre outras medidas de retrocesso.

Já nos primeiros meses do governo Bolsonaro o mundo do trabalho foi afetado diretamente com a MP 870, que extinguiu os ministérios do Trabalho e da Previdência, colocando suas atribuições sob o Ministério da Economia. Além desta mudança da estrutura administrativa de grande prejuízo para os trabalhadores, destaca-se também o ataque às organizações sindicais, com a MP 873, que proibiu o pagamento de mensalidade associativa por folha salarial,alterando dispositivos da CLT e da Lei No. 8.112/90.

Em abril de 2019 a Reforma da Previdência, reforma que também afetou diretamente o mundo do trabalho, alterou questões como: aumento da idade mínima para aposentadoria, 62 anos para mulheres e 65 para homens; aumento das faixas de contribuição, além da redução dos valores de pensões e aposentadorias de servidores/as da União e trabalhadores/as da iniciativa privada. Entretanto, a grande apostado ministro Paulo Guedes, que era a substituição do regime de repartição pelo regime de capitalização, não foi aprovada pelo Congresso.

O corte de verbas na educação, processo que levou milhares de estudantes e educadores às ruas, também teve impacto significativo no mundo do trabalho, afinal diversos profissionais que atuam na área, não só professores, como também servidores da limpeza,infraestrutura e outros, foram afetados com a falta de investimento na política educacional. Além da educação, outras políticas públicas sofreram com o contingenciamento, como no desmonte de programas como o “Minha Casa Minha Vida” e o “Mais Médicos”. Paralelo a esse contingenciamento, o governo aprovou a MP da“Liberdade Econômica”, facilitando e desburocratizando a abertura de empresas, estimulando a criação das mesmas e reforçando o caráter ultraliberal do governo.

É também no primeiro ano de Bolsonaro que se explicita o caráter ultraliberal do seu governo, principalmente por meio das privatizações. O Programa de Parcerias e Investimentos previu a venda de cerca de 50 empresas do setor público para o setor privado,sendo empresas de diversas áreas. Cerca de R$91,3 bilhões em ativos das empresas estatais foram vendidos nos primeiros 10 meses de governo, segundo levantamento realizado pelo jornal Folha de S.Paulo, sendo que a maior parte dessas vendas foram realizadas pela Petrobras. Outras empresas também seguem na mira do governo, como a Eletrobras, Correios, Casa da Moeda, Dataprev, Serpro e também os bancos públicos.

Foia provada também no final de 2019 a privatização do sistema de água e esgoto, sendo uma medida de grande retrocesso, retirando o caráter de direito básico e transformando a água em mercadoria. Destaca-setambém as tentativas de privatização da Eletrobras, líder em transmissão de energia elétrica no Brasil e a maior do ramo na América Latina, processo que também se configura como um  retrocesso, afinal a energia elétrica também é um direitofundamental para todos. A privatização da Eletrobras não seguiu graças às pressões políticas, adiando o plano do governo. Outras empresas seguem nos planos de privatizações, tais como: Telebras,Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Empresa de TrensUrbanos de Porto Alegre (Trensurb), Centrais de Abastecimento deMinas Gerais (Ceasaminas), Companhia de Entrepostos e ArmazénsGerais de São Paulo (Ceagesp); entre outras.

Uma das últimas medidas do primeiro ano do governo Bolsonaro foi a MP905 ou o chamado Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, medida que teve como objetivo anunciado estimular a contratação de jovens. AMP apresentou uma modalidade de contratação que visa criar postos de trabalho para jovens de 18 a 29 anos, porém trazendo uma série de reduções de direitos e desonerações, como recolhimento deINSS, FGTS, entre outros. A nova carteira retira direitos trabalhistas, além de criar um cenário onde uma parcela da população será assegurada por direitos da CLT e outra ficará sob esse novo contrato, com direitos reduzidos.

O segundo ano de governo Bolsonaro

O segundo ano de governo Bolsonaro foi marcado pela pandemia daCOVID-19, que se verificou no Brasil entre final de fevereiro e início de março de 2020. Para evitar a propagação do vírus algumas medidas de isolamento foram propostas por diversos especialistas da área da saúde, entretanto, desde o início o presidente brasileiro se colocou contra tais medidas, promovendo discursos negacionistas em relação à doença. Esse processo teve reverberações importantes no mundo do trabalho, afinal Jair Bolsonaro se posicionava a favor da volta a normalidade das atividades econômicas, ignorando os impactos desse retorno para asaúde da população. As primeiras propostas de medidas do governo brasileiro dialogavam com uma flexibilização das relações de trabalho, apostando no diálogo entre funcionários e empregadores.Tais propostas foram na contramão das medidas tomadas por outros países, onde os mesmos apostaram em uma maior regularização e fiscalização das relações trabalhistas, além de recorrerem a ações de amparo social.

Em22 de março o governo publicou a MP 927 anunciando que a mesma teria o objetivo de preservar os empregos durante a pandemia. A MP trouxe uma flexibilização das leis trabalhistas, ou seja, apostou nos tratos feitos entre patrão e funcionário. Trouxe também algumas medidas como: antecipação de férias, opção pelo home office,suspensão temporária de obrigações, redução de jornada e salários, uso de bancos de horas, entre outras. Contudo, o artigo 18da MP, que previa a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses sem a obrigatoriedade de pagamento do salário, recebeu fortes críticas do congresso e do movimento sindical, fazendo com que Bolsonaro revogasse o artigo citado. Em 1 de abril é publicada a MP 936 como resposta à problemática do artigo 18 da MP 927, onde a mesma buscou regulamentar a redução de salários e jornadas e a suspensão de contratos, diminuindo o tempo de suspensão para dois meses e autorizando a redução proporcional do salários, processo esse que passou a ser realizado por meio de acordo entre funcionário e empregador. Especialistas alertaram para os riscos dessa medida para os trabalhadores, principalmente pela desvantagem que se tem no acordo com seus empregadores, além de sinalizarem sobre as tentativas de medidas flexibilizadoras como essas se tornarem permanentes no país.

Como agravamento da crise sanitária e econômica, começaram-se alevantar discussões acerca de um necessário suporte aos trabalhadores informais, desempregados e todos os que estavam sendo afetados economicamente pela pandemia da COVID-19. O governo, que já tinha levantado uma proposta de voucher para os inscritos no Cadastro Único, defendia um auxílio no valor de R$200,00, alegando não ter recursos para pagar um auxílio com valor maior. No entanto,   Nacional a partir da oposição ao governo criou o Auxílio Emergencial no valor de R$600,00, direcionado para maiores de 18anos, microempreendedores individuais (MEI), trabalhadores que pagam por conta própria a Previdência, trabalhadores intermitentes e informais, autônomos, desempregados e os inscritos no CadÚnico. O governo sancionou o auxílio, mesmo sendo o triplo do valor proposto pelo mesmo inicialmente, o que significou um aporte para 70 milhões de brasileiros.

O auxílio emergencial, que fora aprovado para vigorar por 3 meses podendo ser prorrogado por mais 3 meses vigorou até o mês de junho,um mês marcado pelo aumento do número de mortes e um crescente número no índice de desemprego, processos frutos da postura negacionista e desorganizada do governo Bolsonaro. O presidente brasileiro autorizou a prorrogação do pagamento nos meses de julho e agosto, defendendo a proposta da sua equipe econômica de reduzir o benefício para R$200,00, entretanto o valor de R$600,00 foi mantido.O Senado também propôs alterações no auxílio, listando mais trabalhadores autônomos que teriam direito ao mesmo, como:motoristas de van escolar, camelôs, extrativistas, motoristas e entregadores de aplicativos, seringueiros, pescadores profissionais e artesanais, quilombolas, artesãos, cabeleireiros, profissionais de artes e da educação física, entre outros. Contudo, mesmo com aaprovação do congresso, o presidente Jair Bolsonaro vetou a inserção desses profissionais para o recebimento do auxílio, veto que teve impacto significativo na vida desses trabalhadores.

Mesmo com o relaxamento das normas de distanciamento, verificado no mês de setembro, o desemprego seguiu alto e com ele as discussões acerca da prorrogação do auxílio tiverem forte adesão na sociedade. O Ministério da Economia confirmou a prorrogação, porém reduzindo o valor para R$300,00. A previsão dessa prorrogação foi atédezembro, porém o fim do ano revelou a segunda onda de contaminação da COVID-19, fato que se somou aos altos índices de inflação e ao crescimento exponencial dos preços dos alimentos e combustíveis,além da contínua elevação no número de desempregos, processos que levaram o Congresso e o governo a refletirem sobre a prorrogação para o ano de 2021.

Fato é que o auxílio foi aprovado no bojo da PEC 186, porém com um volume de recursos muito menor do que aqueles pagos no ano de 2020,são apenas 44 bilhões frente aos 295 bilhões pagos em 2020, sendo que a PEC trouxe uma série de retrocessos, incluso a criação de gatilhos que permitem governos estaduais e municipais congelar salários de servidores públicos por 15 anos, impedir a realização de concursos, dentre a limitação de outros mecanismos indispensáveis para garantia de serviços vitais como saúde,educação e segurança pública. A demora na criação de um planejamento para a prorrogação do auxílio e a falta de organização para aquisição das vacinas, revelam não só despreparo do atual governo, como reafirmam seu compromisso com um projeto de poder que reforça as desigualdades sociais e econômicas presentes no país e, em última instância, aposta no caos social   em que não provê o mínimo para subsistência de milhões de brasileiros.

Intensificação da precarização e desregulamentação do trabalho

Importante destacar que os processos de precarização do trabalho, já indicados na avaliação do primeiro ano do governo Bolsonaro, se revelaram e se intensificaram durante a pandemia da COVID-19.Diversos foram os relatos dos profissionais da saúde referentes a falta de EPIs, inclusive levando-os a realizarem diversas manifestações por melhores condições de trabalho. Segundo a pesquisa Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19 no Brasil lançada pelo Fiocruz, entre as profissões mais atingidas pela doença foram respectivamente: técnicos de auxiliares de enfermagem,enfermeiros e médicos. A pesquisa também revelou que cerca de 50%alegaram excesso de trabalho nesse período da pandemia, sem contar que parcela significativa, 45%, necessitam de dois empregos para sobreviver. Outro dado da pesquisa refere-se a quantidade de profissionais que se sentiam inseguros no trabalho, número que chegou a 43%, dentre eles, 23% depositam essa insegurança devido   de EPIs, sendo que 64% destacaram a necessidade de ter que improvisar os equipamentos disponíveis no trabalho. Esses foram apenas alguns dados que refletem os impactos da precarização para os trabalhadores da saúde.

Os trabalhadores informais, cerca de 40 milhões de brasileiros, foram diretamente afetados pelas medidas de restrição, entre elesdestaca-se o caso dos entregadores de aplicativos. A categoria, que já é desprovida de direitos e garantias sociais, foi uma das mais prejudicadas na pandemia. Com o isolamento social aumentou as demandas de trabalho para a categoria, entretanto isso não significou um aumento de salário, pelo contrário. Segundo um levantamento obtido pela BBC News Brasil, através de uma pesquisa realizada pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista(Remir Trabalho), 60% dos trabalhadores entrevistados informaram que seus salários caíram, outros 27% relataram que os ganhos permaneceram o mesmo e apenas 10% alegaram aumento. A mesma pesquisa revelou também que 62,3% dos entregadores entrevistados alegaram não ter recebido da empresa contratante materiais de prevenção a contaminação do COVID-19, gerando custos para o próprio trabalhador. Destaca-se também que o seguro de vida pago pelas empresas de aplicativos não cobre os tratamentos em caso de contaminação pelo novo coronavírus. Soma-se a essas questões os aumentos no preço do combustível, dificultando ainda mais os  ganhos da categoria.

As medidas já citadas anteriormente, como as MPs da liberdade econômica e da carteira verde amarela só contribuíram para essa precarização do trabalho. Especialistas afirmam que a pandemia não causou esses processos, porém ela explicitou e revelou os impactos das precarização do trabalho, precarização materializada aqui pelos relatos das categorias dos profissionais da saúde e dos entregadores de aplicativo. Essas precarizações vêm se intensificando desde a aprovação da reforma trabalhista em 2017, tendo piorado com  as  novas medidas flexibilizadoras de Guedes e Bolsonaro.

O Brasil encerrou 2020 com um número de 194.976 óbitos por COVID-19,segundo o consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde. Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE (Instituto   Geografia e Estatística), a taxa de desemprego no Brasil foi de13,5%, o que corresponde a cerca de 13,4 milhões de pessoas, maior taxa desde que começou a série histórica, isso sem contar o aumento dos desalentados, que são aqueles trabalhadores que deixam de procurar por empregos. Ainda segundo o Pnad, dos 90 milhões de trabalhadores ativos no país, somente 7,9 milhões conseguiram trabalhar via home office e 879 mil trabalhadores afastados deixaram de receber remuneração. A postura negacionista do presidente da República; a defesa da volta a “normalidade da economia” em  meio ao aumento calamitoso de casos e de mortes; a resistência e os conflitos para o pagamento do auxílio emergencial; a falta de planejamento para a compra de vacinas; as diversas medidas de flexibilização dos direitos trabalhistas, dentre tantas outras medidas do governo Bolsonaro levaram o Brasil a esse labirinto e a umestado de “crise sem fim”.

Fundação Lauro Campos-Marielle Franco
Observatório da Democracia