Bolsonaro e o desmonte da Ciência, Tecnologia e Inovação

Desde o início do governo Bolsonaro está em marcha o desmonte do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI ). Os ataques,que incluem contingenciamento e corte de verbas, atingiram duramente a formação de conhecimento: o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq ), entrou o ano de 2019 com déficit e teve ainda 11% de seus recursos contingenciados. Em setembro de2019 foram suspensos os pagamentos de 84 mil bolsas do CNPq, assim como o processo para seleção de bolsistas no Brasil e no exterior;para 2021 só há recursos para pagamento de bolsas por 4 meses. Em mais uma queda de braço entre o presidente, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar 177/2021 e derrubou os vetos de Bolsonaro, impedindo o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a partir de 2021,principal fonte de financiamento à ciência, tecnologia e inovação(CT&I) do país.

A primeira geração de computadores modernos, operados por válvulas,foi desenvolvida em 1947 pelo matemático inglês Allan Turing, a partir de conceitos detalhados de algoritmos que permitiram a instalação de programas nestas máquinas.

Em1969 foi criada a ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network), uma rede de conexão baseada no chaveamento de informações em pequenos pacotes e protocolos pela DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada dos Estados Unidos) para interligar universidades e empresas, dando origem à internet.

Entre o surgimento dos computadores e o lançamento da internet foram necessários 22 anos de pesquisas e desenvolvimento de projetos.

Diferentemente do avanço da tecnologia da informação mundial, o atual governo brasileiro foi muito mais cirúrgico e maléfico a qualquer perspectiva futura de desenvolvimento socioeconômico do País.

Em apenas 2 anos conseguiu destruir o Sistema Nacional de Ciência,Tecnologia e Inovação (SNCTI1),trabalho consolidado por governos militares e civis ao longo dos últimos 60 anos.

O anúncio da má gestão, desconhecimento e demonstração da insignificância que iria atribuir à área de Ciência, Tecnologia e Inovações (CT&I) ficou claro com a edição da MPV nº 870, em1º de janeiro de 2019, que estabeleceu a organização dos ministérios do governo federal.

Como primeiro erro manteve a pasta de Comunicação vinculada à de CT&I:ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações(MCTIC). Duas áreas distintas nas quais os objetivos não cabem no mesmo ambiente administrativo. Neste caso, pior para CT&Irelegada e excluída por interesses predominantes do setor de radiodifusão e telecomunicação, ambiente político permeado pela cinzenta tramitação para concessão de outorgas de rádio e televisão.

Prosseguiu atacando a formação de conhecimento. Não bastasse o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq2)ter entrado o ano de 2019 com déficit de R$ 330 milhões, através do Decreto nº 9.741, em 29 de março, promoveu um contingenciamento(esterilização) de 41,5% sobre o orçamento do MCTIC. Retirou-lhe R$ 2,1 bilhões, ceifando o CNPq em mais 11% de seus recursos.

Coma ausência do crédito foram suspensos os pagamentos de todas as 84mil bolsas a partir de setembro de 2019. Como agravante o CNPq retirou de circulação o edital para segunda fase do processo para seleção de bolsistas no Brasil e no exterior.

Divulgada em junho de 2018, através da Chamada Pública nº 22/2018, a seleção contemplaria, com gastos estimados em R$ 60 milhões, propostas de doutorado e pós-doutorado com previsão de pagamento entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020.

Na Agência, não se cogitou ou se especula, igualmente, qualquer reajuste no valor das bolsas para Iniciação Científica (IC), Mestrado e Doutorado. A última majoração ocorreu há 8 anos.

No avançar da negação à Ciência, prática espraiada para outros setores, como ambiental, humano e de relações externas, pôs em dúvida informações prestadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE sobre desmatamento na Amazônia e, no bojo desta situação demitiu o físico Ricardo Galvão, diretor do Instituto, profissional qualificado, premiado e com serviços prestados à CT&I nacional.

Através do INPE, criado em 1961, são produzidas informações e tecnologias nas áreas espacial e do ambiente terrestre para o monitoramento de todos os biomas brasileiros.

É exemplo não apenas nacional, mas mundial nestas áreas, citado como referência por organismos internacionais. Seus sistemas de monitoramento diários de desmatamento e de detecção de queimadas (PRODES, DETER e QUEIMADAS) oportunizam, irrestritamente, informações com índice superior a 95% de precisão.

Contrário ao conhecimento e à pesquisa devido a idiossincrasias próprias,como mediocridade intelectual e defesa reacionária de posições sociopolíticas, todas respaldadas por interesses escusos, o INPE, assim como todo o SNCTI, enquanto provedor de instituições autônomas, transparentes e qualificadas para oferecer informações que contrariem estas limitações não interessam.

Retrato do desmonte do SNCTI está expresso, após dois anos de incapacidade generalizada do poder central, corroborado pela omissão das pessoas à frente da pasta de CT&I, no Projeto de Lei Orçamentária(PLOA) para 2021, ainda em tramitação no Congresso.

Segundo números da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),a lei de meios para 2021 tem R$ 453,7 bilhões vinculados à quebrada Regra de Ouro pelo Congresso.

Institutos de Pesquisa vinculados ao MCTI, como o INPE tiveram uma redução de recursos de 41,9% em relação à lei de 2020. Mesmo com o R$ 1,6bilhão condicionado à aprovação de créditos suplementares incluídos na Regra de Ouro o INPE ainda terá um orçamento 10%menor que o ano anterior.

A rubrica de Pesquisa, Desenvolvimento Científico e Difusão do Conhecimento (P&D) nas Unidades de Pesquisa reduziu 41,1% em2021. Se quebrada a Regra de Ouro (R$ 26,7 milhões) ficará abaixo do ano anterior, ainda, em 15,8%.

Nos Contratos de Gestão com Organizações o corte foi de 50,8% (Lei nº9.637/98). Com a Regra de Ouro (R$ 159,2 milhões) a redução diminui para 19,5%.

No Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)principal fonte de P&D para o país, a Reserva de Contingência(recursos esterilizados e reservados para o superávit) cresceu 13%em relação a 2020, pulverizando R$ 4,8 bilhões dos R$ 5,3 bilhões previstos na lei de 2021 para os fundos setoriais que compõem oFNDCT.

É importante ressaltar que, dos 15 fundos setoriais, 8 registram apenas R$ 20 mil em despesas, janela orçamentária que demonstra o total desprezo deste governo pela P&D em áreas temáticas do conhecimento.

No CNPq uma redução de 57,2%: os R$ 1,3 bilhão de 2020 viraram R$560,7 milhões em 2021. Mesmo que o valor vinculado à Regra de Ouro(696,0 milhões) seja aprovado pelo Congresso, o orçamento do CNPq ainda será 8,3% menor que a despesa de 2020.

Garantidos no projeto de lei orçamentária de 2021 para bolsas de pesquisa estão apenas R$ 378,4 milhões, montante que resolve a fatura das bolsas por apenas 4 meses. O restante (R$ 565,5 milhões) está vinculado à aprovação do crédito carimbado à Regra de Ouro.

Para fomento a projetos de pesquisa apenas R$ 10,4 milhões. Aprovados os valores da Regra de Ouro as despesas reservarão ínfimos R$ 22,6milhões. Na LOA de 2019 o valor para fomento foi de R$ 127 milhões.

Uma tragédia anunciada que retira da função C&T (19) 52,3% dos seus recursos. Mesmo considerando os créditos suplementares vinculados à Regra de Ouro editáveis via projetos (48,8%), uma queda de 17,4% na função.

Em mais uma queda de braço com o presidente, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar 177/2021 e derrubou os vetos de Bolsonaro, impedindo o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a partir de 2021,principal fonte de financiamento à ciência, tecnologia e inovação (CT&I) do país.


Fundação João Mangabeira
Observatório da Democracia

1 Ministérios da Ciência, Tecnologia Inovações e Comunicações – MCTIC, Educação e Saúde, Agências de Fomento (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES), Universidades Públicas (União, Estados e Municípios) e Privadas, Institutos Federais de Ciência e Tecnologia, Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia – INCT, Organizações Sociais (Instituto de Matemática Pura e Aplicada – IMPA, Centro de Gestão e Estudos estratégicos – CGEE, Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais – CNPEM, Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – IDSM, Rede Nacional de Ensino e Pesquisa – RNP e Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial – EMBRAPII), Secretarias Estaduais de CT&I, Fundações Estatuais de Amparo à Pesquisa – FAPs, Fundações Privadas de Apoio à Pesquisa, Fundações de Apoio às Universidades e empresas atuantes em P&D.

2 O CNPq tem, historicamente, uma despesa anual média de cerca de R$ 1,25 bilhão: R$ 1,05 bilhão para bolsas e o restante para fomento e manutenção. Para bolsas, em 2019, foram destinados apenas R$ 780 milhões.