Voltando a crescer?

Sem que haja recuperação da capacidade de investimento e gasto do Estado, não há, no curto prazo, nenhuma possibilidade de a economia brasileira voltar a crescer de forma sustentada Foto: José Fernando Ogura/ANPr

A divulgação de que a economia teria crescido mais do que o esperado no segundo trimestre deste ano foi objeto de grande exposição nos meios de comunicação. De forma concertada, todos tocavam na mesma tecla: que a economia brasileira tinha deixado para trás seu pior período e que, agora, voltara a crescer. Ledo engano. Vejamos, mesmos que de forma resumida, qual é a situação de suas principais variáveis e de como se apresenta o cenário internacional. Levantar essas questões se faz necessário para que tenhamos a real dimensão do significado da informação divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019).

Quais foram os principais números apresentados? Segundo essa instituição, O PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 0,6% no terceiro trimestre deste ano, em comparação com o trimestre anterior, e 1,2% em comparação a igual período de 2018. O crescimento esperado pelo chamado mercado era de 0,4%. A expansão de 0,6% deveu-se, pela ótica da despesa, ao consumo das família (aumento de 0,8% em relação ao segundo trimestre do ano e de 1,9% em relação ao terceiro de 2018) e ao investimento (2% em relação ao segundo trimestre, sendo a oitava vez consecutiva que registrou expansão).
Como é possível, com esses resultados, dizer-se que a economia brasileira superou a crise? É preciso lembrar que a queda acumulada do PIB, em 2015/2016, foi da ordem de 7%, de modo que o “crescimento” de 2017, 2018 e 2019 não só fica longe de situar a economia em seu patamar de 2016, como indica algo inédito em seu desempenho, que a recuperação esteja sendo extremamente lenta. E essa situação de semi-estagnação nos coloca em consonância com o que ocorre no resto do mundo desde, pelo menos, a crise de 2007/2008, com raras exceções. A economia, na melhor das hipóteses, se arrasta. No caso de 2019, nas estimativas mais otimistas, cresceremos 1,3%, ou seja, igual a 2017 e pouca coisa superior a 2018. E, ao final do ano, estaremos com um PIB per capita 7% menor do que em 2014. Em outras palavras, o país está produzindo em nível próximo ao que fazia em 2012, abaixo, portanto, de seu desempenho no período pré-crise. Enquanto não recuperarmos esse nível, não se pode dizer que, agora, a economia brasileira “vai”.

O “crescimento” de 2019, que estaria anunciando a recuperação da economia, ocorre em um quadro de elevado desemprego, expansão significativa da informalidade e aumento da pobreza absoluta. A taxa de desemprego, embora esteja um pouco mais baixa do que no trimestre anterior, (11,8% e 12%, respectivamente), afeta 12,6 milhões de trabalhadores, sendo que desses, 3,1 milhões estão nessa situação há mais de dois anos, o que é chamado de desemprego de longa duração; e 4,7 milhões estão na condição de desalentados, isto é, quando deixam de buscar emprego devido à dificuldade de encontrá-lo. Ao mesmo tempo, a participação da informalidade no total da ocupação bateu recorde, atingindo 41,4%, e o número de pessoas vivendo com R$ 145,00 mensais, considerados miseráveis, compreende 13,5 milhões de pessoas no país, contingente que tem aumentado desde o início da crise, em 2015, e é cada vez mais visível nas ruas das cidades brasileiras, especialmente nas grandes megalópoles. Completa esse quadro desfavorável o fato de a maioria do emprego criado no ano estar situado na informalidade, com rendimento menor e sem garantia de direitos previdenciários e trabalhistas. Também a ampliação da desigualdade não tem dado trégua.

Frente a um mercado de trabalho com essas características e frente ao nível de pobreza reinante, apostar que o consumo das famílias possa manter-se em expansão é acreditar em milagre. A liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e o pagamento do 13º salário apenas amenizam a redução da renda e têm impacto limitado no tempo. E neste final de ano, o aumento dos preços da carne e seus substitutos, bem como da gasolina (refletindo a alta do dólar), será mais um fator que pesará negativamente para a manutenção do crescimento do consumo.
Do lado do investimento, o que é chamado de formação bruta do capital, outro componente que estaria apresentando sinais de recuperação, também são necessárias algumas observações. Primeiramente, chama atenção o fato de manter-se elevada a ociosidade na indústria, embora o nível de utilização de sua capacidade instalada ter melhorado em outubro, passando de 69% para 70%, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Frente a isso, o resultado observado somente se explica pela concentração do investimento em alguns setores da economia, não constituindo uma ação generalizada, embasada na expectativa de melhora da economia. Entre os setores, destaca-se o de petróleo e de construção civil. No caso do petróleo e do gás, trata-se da Petrobras que, depois de ter ficado paralisada em 2016 e 2017, começou a fazer algum investimento. E a Petrobras, sozinha, tem efeito significativo na economia, como sabido. Já a construção civil está sendo beneficiada pelo deslocamento da riqueza de títulos públicos para fundos imobiliários, dado que os títulos públicos, com a redução da taxa de juros de referência, a Selic, estão rendendo pouco.
Em segundo lugar, é preciso lembrar que o nível do investimento no país, apesar da expansão no último período, encontra-se extremamente baixo. No primeiro trimestre de 2019 havia atingido o menor percentual dos últimos 50 anos, o equivalente a apenas 15,5% do PIB, cinco pontos percentuais abaixo da média de 2010 – 2014. E sempre que a base de comparação é baixa, um aumento pode, em termos percentuais, aparentar mais importante do que é efetivamente. Para uma recuperação efetiva do nível do investimento faz-se necessário, além de condições favoráveis no mercado interno, um ambiente externo propício às exportações, o que não parece ser o caso frente aos prognósticos quanto à evolução da economia mundial.

Outro dado importante que deve ser levado em consideração quando se analisa o estado atual da economia brasileira é o movimento de saída (ou entrada) de capital estrangeiro no país. Entre outros aspectos, este movimento expressa o grau de confiança dos investidores estrangeiros em relação ao desempenho futuro da economia. Como é de conhecimento geral, os analistas de plantão, tanto atuantes nos principais canais de televisão como nos jornais, sempre defenderam que o avanço das reformas iria trazer investimentos importantes para o país, posto que as condições estariam dadas para que o investidor tivesse confiança na retomada da economia brasileira. Aprovada a reforma trabalhista e a previdenciária, o que vimos foi exatamente o contrário, indicando que os determinantes da entrada e saída de capital estrangeiro constituem um conjunto complexo, onde a aversão ao risco e a busca de rentabilidade são os componentes maiores. Como viu-se, a saída de capitais externos da Bolsa brasileira bateu todos os recordes: em outubro, o acumulado no ano da saída de capital estrangeiro da Bolsa atingiu a cifra de R$ 30,9 bilhões.

Frente a esse conjunto de fatores, é pouco provável que a economia brasileira esteja, de fato, sinalizando que está, finalmente, saindo da crise. No plano interno, a continuidade da aplicação da Emenda Constitucional 95 (EC 95), que congela o nível de gasto do governo federal, constitui um elemento depressor da economia, negando o papel indutor do crescimento que o Estado poderia estar tendo1. Do lado do setor externo, pouco se pode esperar, não só devido às incertezas decorrentes da disputa entre os Estados Unidos e a China, como do fraco desempenho da economia mundial, o que é objeto das projeções de desaceleração realizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI, 2019) e outras agências. Nem mesmo na América do Sul há qualquer possibilidade de aumento das exportações, principalmente pelas dificuldades econômicas enfrentada pelo principal parceiro comercial do Brasil, a Argentina. Na medida em que as economias estão mais integradas no plano mundial, seja pelo movimento de bens e serviços ou de capital, não importando qual setor de atividade seja predominante nessa integração, é praticamente impossível não considerar a projeção de desaceleração do crescimento da economia mundial para 2020 e o nível de incertezas como fatores que devem pesar na trajetória da economia brasileira.

Nesse cenário, sem que haja recuperação da capacidade de investimento e gasto do Estado, não há, no curto prazo, nenhuma possibilidade de a economia brasileira voltar a crescer de forma sustentada. Para isso, no entanto, seria necessário que a primazia do equilíbrio fiscal fosse abandonada, coisa que o atual governo não fará.

Referências

FMI – Fundo Monetário Internacional. World Economic Outlook, october 2019. Disponível em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2019/10/01/world-economic-outlook-october-2019 . Acesso em 7/12/2019.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26172-pib-sobe-0-6-no-terceiro-trimestre-puxado-por-servicos-e-industria . Acesso em 07/12/2019.

Rosa Maria Marques é  professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC- SP.

Nota:

1 Embora não seja objeto deste artigo analisar os impactos da EC 95, é sempre importante assinalar que o congelamento do gasto se torna redução com o passar do tempo, quando, por exemplo, tem-se como parâmetro o per capita em determinadas áreas, tais como saúde e educação.

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