Relatório sobre o Mundo do Trabalho – Novembro/2019

MP 905 e o mundo do trabalho1

Fatos relevantes:

A medida provisória nº 905, assinada em 11 de novembro de 2019 e publicada no dia 12, institui o assim chamado Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, aprofundando as alterações na legislação trabalhista brasileira. Após receber quase duas mil emendas, a MP aguarda a instalação de comissão mista (deputados e senadores) para análise legislativa.
Integrantes da sociedade civil e dirigentes sindicais, no dia 26 de novembro, formalizaram pedido para que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), devolva a Medida Provisória (MP) 905 ao Executivo. Há a percepção em parte da população de que o projeto rebaixa direitos a pretexto de estimular o primeiro emprego de jovens de 18 a 29 anos. Analistas políticos e professores de direito classificam a MP 905 como uma “nova reforma trabalhista”, no sentido de precarizar ainda mais a força de trabalho no país.

Pontos do texto que recebem críticas contundentes são a retirada do sindicato da negociação da PLR (participação nos lucros ou resultados), o que desregulamenta a jornada de trabalho de categorias importantes, como a dos bancários, e a taxação do seguro desemprego.

A MP 905 retira remissão ao domingo para o descanso semanal remunerado, permitindo, na prática, o trabalho aos domingos em todos os setores econômicos. Também fica autorizado o trabalho nos bancos aos sábados, salvo para os caixas. No caso dos professores, a MP retira o artigo 319 da CLT, que veda ao magistério a regência de aulas e de trabalho em exames aos domingos.

A Comissão Nacional de Direitos Sociais da OAB elaborou nota técnica na qual aponta inconstitucionalidades da MP 905, editada pelo governo Federal para instituir o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo. O documento foi entregue no dia 20 de novembro ao presidente da Ordem, Felipe Santa Cruz.

Dentre as irregularidades, o grupo da OAB aponta que houve utilização indevida e exorbitante do instrumento da medida provisória, já que, de acordo com a Constituição Federal, é preciso estar presentes pressupostos de relevância e urgência, além de que são impostos limites temáticos.
Para incentivar a contração nesta nova forma, a Medida Provisória estabelece ao empregador a isenção do recolhimento previdenciário, desobriga o pagamento de salário educação e da contribuição social destinada ao sistema “S” (SESI, SENAI, SENAC, etc.), ajustando, ainda, a alíquota de 2% (dois por cento) relativa aos depósitos mensais de FGTS.
As empresas não precisam mais se submeter à inspeção da autoridade trabalhista competente para iniciar suas atividades e/ou promover mudanças estruturais. A Medida Provisória nº 905/19 revogou o art. 160 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que continha as regras referentes à inspeção de empresas antes do início de suas atividades.

O art. 160 da CLT determinava que nenhum estabelecimento poderia iniciar atividades sem prévia inspeção e aprovação de suas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho. O dispositivo ainda previa que qualquer modificação substancial nas instalações, inclusive equipamentos, deveria ser comunicada à Delegacia Regional do Trabalho para que nova inspeção fosse realizada. Sob o pretexto de desburocratização, a MP 905 desmonta o poder fiscalizador trabalhista do Estado, precarizando a segurança do trabalho e do trabalhador no país.

Medidas do governo

O Contrato de Trabalho Verde e Amarelo é apresentado como uma modalidade de contratação destinada à criação de postos de trabalho para as pessoas entre dezoito e vinte e nove anos de idade, para fins de registro do primeiro emprego em Carteira de Trabalho e Previdência Social.
Para fins da caracterização como primeiro emprego, não serão considerados os seguintes vínculos laborais:

I – menor aprendiz;

II – contrato de experiência; III – trabalho intermitente; e IV – trabalho avulso.

A contratação de trabalhadores na modalidade Contrato de Trabalho Verde e Amarelo será realizada exclusivamente para novos postos de trabalho e terá como referência a média do total de empregados registrados na folha de pagamentos entre 1º de janeiro e 31 de outubro de 2019.

A contratação total de trabalhadores na modalidade Contrato de Trabalho Verde e Amarelo fica limitada a vinte por cento do total de empregados da empresa, levando-se em consideração a folha de pagamentos do mês corrente de apuração.

As empresas com até dez empregados, inclusive aquelas constituídas após 1º de janeiro de 2020, ficam autorizadas a contratar dois empregados na modalidade Contrato de Trabalho Verde e Amarelo e, na hipótese de o quantitativo de dez empregados ser superado, será aplicado o percentual descrito acima (20% do total de empregados da empresa).

O trabalhador contratado por outras formas de contrato de trabalho, uma vez dispensado, não poderá ser recontratado pelo mesmo empregador, na modalidade Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, pelo prazo de cento e oitenta (180) dias, contado da data de dispensa.

É permitido formalizar acordo de compensação de jornada, desde que as compensações ocorram dentro do mesmo mês, ou instituir banco de horas, desde que as compensações ocorram dentro do período máximo de 6 (seis) meses.

O adicional de periculosidade somente será devido ao trabalhador que permanecer exposto, durante a referida atividade assim considerada, por no mínimo 50% (cinquenta por cento) da sua jornada de trabalho.
Poderão ser contratados na modalidade Contrato de Trabalho Verde e Amarelo os trabalhadores com salário-base mensal de até um salário-mínimo e meio nacional, atualmente equivalente a R$ 1.497,00 (mil quatrocentos e noventa e sete reais). É garantida a manutenção do contrato na modalidade Contrato de Trabalho Verde e Amarelo quando houver aumento salarial, após doze meses de contratação.

O trabalhador poderá realizar até 2 (duas) horas extras diárias, com o devido acréscimo legal previsto em norma ou acordo coletivo, o que for maior, nunca inferior a 50% (cinquenta por cento), conforme legalmente previsto. A multa do FGTS paga pelo patrão ao empregado demitido sem justa causa cai de 40% para 20%; a alíquota de contribuição do Fundo também foi reduzida de 8% para 2%.

De acordo com o estudo publicado pelos analistas Viviane Lícia Ribeiro e Ricardo Calcini1, a MP 905 altera substancialmente a questão da fiscalização do trabalho, sendo este o aspecto principal da medida provisória.

Alterações no processo de fiscalização do trabalho:

Critério da dupla visita:

A MP 905/19 propõe alteração na redação do art. 627 da CLT que estabelece a necessidade de o Auditor- Fiscal do Trabalho observar o critério da dupla visita.
Na redação atual, o referido critério somente seria aplicado nas seguintes hipóteses:

(i) promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções ministeriais;

(ii) primeira inspeção de estabelecimentos ou locais de trabalho recentemente inaugurados ou empreendidos.
Conduta do auditor fiscal do trabalho:

A medida provisória 905/19 prevê a inclusão do art. 627-B na CLT, que institui a necessidade de a fiscalização do trabalho incluir planejamento das ações de inspeção do trabalho, por meio da elaboração de projetos especiais de fiscalização setorial para prevenção de acidentes, doenças relacionadas ao trabalho e irregularidades trabalhistas que envolvem esses temas.

Se o auditor-fiscal do Trabalho verificar a existência de irregularidades reiteradas e elevados níveis de acidentes ou grande quantidade de doenças ocupacionais, deverá indicar ações coletivas de prevenção e de saneamento de irregularidades no momento da fiscalização.

Instituição do domicílio eletrônico trabalhista:

A MP 905 reproduz a disposição contida na MP 881 que institui o domicílio eletrônico trabalhista com o objetivo de cientificar o empregador de atos administrativos, ações fiscais, intimações e avisos e permitir o recebimento de documentação eletrônica no curso de fiscalizações ou quando da apresentação de defesa administrativa ou de interposição de recurso administrativo.

As comunicações veiculadas nesse sistema, cuja utilização será obrigatória pelos empregadores, dispensam a publicação no Diário Oficial da União e o envio por meio postal. Elas serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais. Os empregadores deverão acessar esse sistema no prazo de até 10 dias a partir da data de notificação por correio eletrônico cadastrado. Encerrado esse prazo, a comunicação eletrônica será automaticamente considerada realizada.

Alterações no procedimento administrativo e valoração das multas:

A medida provisória 905/19, assim como previa a medida provisória 881/19, também altera a CLT quanto ao prazo para apresentação de defesa administrativa e para interposição de recurso administrativo.

Após o recebimento do Auto de Infração, o prazo de apresentação de defesa será de 30 dias e, mais, após o recebimento de decisão administrativa/multa o prazo será de trinta dias para recurso ou para pagamento da multa com desconto de 30% (trinta por cento).

Antes da vigência da medida provisória o prazo era de 10 dias, contados do recebimento do auto de infração ou da decisão de primeira instância administrativa. Com a alteração proposta, o prazo para apresentação de defesa administrativa e de interposição de recurso administrativo será de 30 dias.

Análise crítica

É fato notório que a Medida Provisória (MP) 905 apresenta características ligadas à precarização do trabalho que nos permite caracterizá-la como uma espécie de “segunda Reforma Trabalhista”. A MP 905 trouxe alterações fundamentais quanto à formação de comissão de trabalhadores, critérios de programas de PLR, negociação direta com empregado nas condições do parágrafo único do artigo 444 da CLT e na natureza jurídica e extensão do campo de aplicação. Categorias como a dos bancários e a dos professores foram diretamente penalizadas com alterações na CLT que permitem o trabalho aos finais de semana. Formalmente, todas as categorias laborais poderão trabalhar aos finais de semana, se assim acordado com o patrão.
Denúncias jurídicas contra a suposta constitucionalidade da MP 905 não tardaram para aparecer. Um ponto de destaque da argumentação contrária à MP é a de que não houve “fato novo, urgente e muito menos relevante” que justifique o Executivo legislar por meio de Medida Provisória.

Embora o governo prometa gerar empregos para os jovens entre 18 e 29 anos, o texto da MP 905 favorece o mercado financeiro, justamente quem mais lucrou no Brasil nos últimos anos, além dos empregadores, e recai drasticamente sob a força de trabalho, reduzindo direitos, precarizando a legislação trabalhista e secundarizando a segurança do trabalhador. A mudança da jornada de trabalho dos bancários, por exemplo, beneficia justamente o segmento econômico e o sistema financeiro, que há décadas tem obtido lucros bilionários no Brasil.

Outro ponto que evidencia o aceno político à elite econômica são as isenções garantidas pela MP. As empresas ficam isentas do recolhimento da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, salário-educação e contribuição social para os integrantes do Sistema “S”, Sebrae e Incra.
Um direito solapado pela MP 905 é o adicional de periculosidade. O empregado poderá contratar, mediante acordo individual escrito com o trabalhador, seguro privado de acidentes pessoais em substituição ao adicional de periculosidade. Caso o empregador opte pela contratação do seguro, permanecerá obrigado ao pagamento de adicional de periculosidade de 5% sobre o salário-base do trabalhador. Uma redução drástica. A lei previa pagamento de adicional de 30% sobre o salário, a título de periculosidade.

Além do ataque ao trabalho e aos direitos trabalhistas no país, a promulgação da MP, tal como feita, sem qualquer debate com os representantes do povo e com a própria sociedade, caracterizou uma ação legislativa pelo poder Executivo, uma vez que não se presenciou fato novo, relevante e urgente que determinasse a promulgação da MP nesse momento e nesses termos.

Uma análise sociológica dos efeitos da MP 905 nos permite vislumbrar um cenário em que uma parcela da população brasileira terá um conjunto de direitos assegurados pela CLT, ainda que fragilizados pela Reforma Trabalhista, e outro conjunto que irá aderir à Carteira de Trabalho Verde e Amarelo, constituído por jovens, com os direitos reduzidos pela recente MP. Na prática, ter-se-á dois tipos de cidadãos, dois regimes de trabalho instituídos pelo Estado brasileiro: um com os direitos plenos e outro com os direitos relativizados. Presenciaremos uma descriminação institucionalizada pelo Estado. Em verdade, o governo está cumprindo a promessa dita pelo presidente Bolsonaro durante a
campanha eleitoral de que teríamos ou emprego ou direitos. O fato é que o ataque aos direitos não tem gerado os postos de trabalho prometidos, e provavelmente não gerará.

A repetida fala que se tornou mantra nos círculos liberais brasileiros de que é preciso modernizar a econômica brasileira, enxugar os gastos públicos (ainda mais), diminuir a burocratização – esse discurso que fundamentou as reformas trabalhista e previdenciária
– demonstra o vazio de ideias e o descaso completo da elite econômica nacional para com a força de trabalho no país. Tal descaso tornou-se evidente com a proposta de taxação do seguro-desemprego para financiar o próprio programa verde e amarelo, sem base argumentativa consistente, não trazendo, de outro lado, tais razões, nem mesmo conexão palpável e lógica com o conjunto das medidas propostas, sequer quanto a essa nova modalidade de contratação, que é essencialmente um pacote de redução de encargos e de limitação de salários dos novos contratados, a beneficiar primordialmente os empregadores.

Está claro que o objetivo do governo, com a promulgação da MP 905, não é ofertar aos jovens a oportunidade do primeiro trabalho registrado e protegido, mas reduzir os encargos das empresas, fortalecer a limitação de salários e reduzir o papel fiscalizador do trabalho no país. O compromisso político do governo se dá muito claramente com a elite econômica e com o capital financeiro, e não com o conjunto da população, sobretudo a classe trabalhadora, que vê seus direitos serem solapados diariamente.

Nota:

1 A MP 905/19 e a implementação do novo contencioso administrativo. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI315689,61044- A+MP+90519+e+a+implementacao+do+novo+contencioso+administrativo, acesso em 02 de dezembro de 2019.

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