Relatório sobre Ciência e Tecnologia – Outubro/19

Fatos relevantes

Sem ser tratada como prioridade pelo governo federal, Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I segue refém de percalços. Raramente é anunciado algo positivo e, mesmo assim, de pequena escala e permanência, como política de Estado, duvidosa.

Mesmo com a mobilização incessante da comunidade científica, de membros do próprio ministério e de parlamentares que compreendem a importância e o significado de priorizar o planejamento e o investimento em CT&I, de forma “paciente”, destravado de amarras orçamentárias e financeiras, em outubro não ocorreu nada diferente.

Apenas a constatação que serão anos de apreensão, difíceis. A exemplo da hipótese de junção do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ/MCTIC), que atua na oferta de bolsas de pesquisa científica e tecnológica e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES/MEC), na expansão e consolidação da pós-graduação. Um baque e desconstrução de um dos pilares
do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – SNCTI.

Num horizonte de contenção de despesas das duas agências o CNPq remanejou, em 26 de setembro (Decreto n° 10.028/19), R$ 80 milhões da rubrica de fomento para pagar apenas um mês (setembro) as bolsas de pesquisa ativas (80 mil). Não cobriu um santo, mas descobriu outro, fato que será repetido em 2020 nas mesmas rubricas bolsas(R$ 980 milhões), perto do mínimo necessário (R$ 1,050 bilhão) e fomento, que ficará com apenas 12% do montante de 2019.

Para o pagamento das bolsas pelo restante do ano a solução veio através da ampliação do limite de despesas, por meio de portaria do ministério da Economia (R$ 156 milhões), e emissão de crédito suplementar (PLN nº 41/19-CN) aprovado pelo Congresso Nacional em 23 de outubro (R$ 93 milhões), resolvendo a despesa para bolsas do CNPq, além de propor valor para construção da Fonte de Luz Síncrotron de 4ª Geração-SIRIUS.

Essa conta, em valor superior de R$ 330 milhões através de emissão de crédito suplementar era para ter sido fechada em junho (11), quando da aprovação pelo Congresso do PLN nº 4-CN, que permitiu ao governo federal contrair dívida com aemissão de títulos públicos no valor de R$ 248 bilhões (R$ 376 bilhões em 2020),quebrando a Regra de Ouro.

Igualmente temeroso, porquanto realizado de forma açodada, está sendo levada a cabo a reestruturação, na órbita da chamada “Reforma Administrativa”, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE.
Na realidade um desmonte num roteiro conhecido. Primeiro, desmerece e ataca a credibilidade da Instituição e de seus operadores, depois retira seu principal dirigente confrontando a norma que o elegeu legitimamente (Comitê de Busca), indica um interino e, por fim, refaz as estruturas, competências estabelecidas, funcionamento e propósito do Instituto, a partir de leituras atrasadas e desconectadas de junção de atividades que não se aplicam ao INPE, extremamente especializado.

Para minorar danos ou, talvez, decisões precipitadas, não se preocupa, em qualquer momento, em ouvir servidores, o Comitê Científico do órgão e a comunidade científica.

Necessário, mas dúbio na redação e interpretação em algumas cláusulas e descaracterizado de qualquer indicador de transferência tecnológica, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas-AST (PDC nº 523/19) sobre lançamento de aeronaves a partir do Centro Espacial de Alcântara (MA), assinado pelo Brasil com os Estados Unidos, país que produz cerca de 80% dos artefatos tecnológicos embarcados em veículos lançadores de satélites, foi aprovado pela Câmara do Deputados em 22 de outubro.

Inobstante faltar, expressamente, reciprocidade de direitos e deveres entre Brasil e EUA, deverá o AST, se preservadas as populações quilombolas locais (77% do total declarado), envolvendo-as na consecução do parque aeroespacial a ser montado e titulando suas terras, trazer impacto socioeconômico positivo para o Estado e a comunidade.

Sem isso, repetirá Kourou, o Centro Espacial da Guiana Francesa, que abriga a base de lançamento de foguetes e satélites de três grandes agências: ESA (Agência Espacial Europeia), Ariane Space, sociedade da qual participam dez países europeus e o CNSE (Centre National d’Études Spatiales), agência espacial francesa, um espaço-porto no qual apenas quem participa, de alguma forma, das atividades de lançamento, vive adequadamente. A maioria, extramuros, sobrevive sem infraestrutura mínima, desemprego elevado e renda ínfima, abaixo da linha da pobreza.

Sem conseguir agregar interesses privados, abertura acelerada de mercado desejada pelo ministério da Economia, preservação do conhecimento nacional e adensamento da cadeia nacional de Informática para fazer frente a produtos externos, o governo federal (Economia e CT&I, notadamente) não conseguiu produzir um texto para atualizar a “Lei de Informática” (8.248/91) e responder às exigências da Organização
Mundial do Comércio (OMC) até 1° de janeiro de 2020.

De acordo com a punição da OMC o Brasil terá que substituir incentivos à produção nacional atrelados ao o Imposto sobre Produto Industrializados (IPI) por um novo regime, eliminando Processos Produtivos Básicos (PPBs) da Lei de Informática que exigem conteúdo local e ajustando o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays (PADIS), através da redução do IPI e PIS/COFINS como subsídios.

Nesse impasse, sem uma possível Medida Provisória (MPV) discutida o ano todo, a Câmara Federal aprovou regime de urgência para tramitação de um projeto de autoria própria (PL nº 4.805/19), que permite o uso de créditos tributários a partir de um novo sistema de pontuação que valorize etapas produtivas realizadas no país.

Medidas propostas

No mês de outubro o governo federal continuou a não produzir qualquer novidade ou política de relevância na área de CT&I.

Às duras penas conseguiu valores para pagar as bolsas do CNPq, mesmo que a custo do corte de recursos destinados a fomento.

Volta e meia assusta o país e a comunidade científica com ideias de junção do CNPq e CAPES.

Igualmente, insiste em desconsiderar o INPE ao sugerir uma reengenharia no órgão, a partir de três áreas (espaço, ambiente, tempo e clima), transformando quinze coordenações altamente especializadas em apenas quatro, caso que produzirá sombreamento e sobreposição de tarefas, restringindo a qualidade da informação somada a uma possível absorção, pela nova estrutura, do Centro Nacional de Monitoramento e
Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), hoje independente.

Nesse vácuo, o Congresso atuou favoravelmente em algumas decisões, a exemplo da vedação à limitação de empenho e contingenciamento das ações de CT&I em 2020, através da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO, Anexo III, Seção I) e da proposta de uma nova Lei de Informática que poderá obrigar, finalmente, o Executivo a emitir um MPV, abarcando a revisão já realizada de quarenta PPBs assim como regras gerais para o novo sistema de pontos, no qual a pontuação atingida em cada etapa produtiva será calculada pelo número de produtos que ela construa no país em relação ao total produzido pela etapa, ou desta em relação à produção total, a que for maior (portarias n°s 46 e 47, DOU de 21/10).

Derrubou, ainda, o veto presidencial (3/19) que impedia fundações de apoio a universidades de fazer gestão de fundos patrimoniais (fundos filantrópicos; endowment funds). Essa decisão colabora e completa a Portaria n o 5.918, de 29 de outubro (MCTIC), que estabelece regras para o credenciamento dessas Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais, que poderão apoiar, através de doações de pessoas físicas ou jurídicas, instituições de Educação, CT&I, Cultura, Saúde, Meio Ambiente etc.

ANÁLISE CRÍTICA

Prestes a completar um ano o atual governo federal piorou, sobremaneira, os avanços alcançados pelo SNCTI nas três últimas décadas.

Sem qualquer proposta voltada à área de CT&I causa, de um lado, assombro a cada ideia sugerida. De outro, relega, em planos últimos, sem capacidade de convencimento, os órgãos do Sistema àqueles centrais de elaboração das políticas públicas atuais, contracionistas notadamente.

Como já reprisado neste relatório setorial de CT&I do Observatório da Democracia, desde sua primeira edição, vive-se uma missa de réquiem do Sistema, para além do penar para o pagamento de bolsistas, da destruição de carreiras individuais consolidadas e da retenção de dotação desta ou daquela entidade.

Articula-se sim um fechamento e liquidação completa das instituições voltadas ao conhecimento, pesquisa e inovação no país.

A que fim saberemos ainda.

Uma boa indicação talvez seja a ampliação da vocação nacional para aplicação da Teoria das Vantagens Comparativas, obtendo altos resultados econômicos através da exportação de comodities e importação de semicondutores.

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