Relatório sobre Mundo do Trabalho – setembro/19

As queimadas na Amazônia e o desmonte do trabalho de fiscalização

Fatos relevantes:

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as queimadas no Brasil aumentaram 82% em relação ao ano de 2018. Se compararmos esse mesmo período (de janeiro a agosto), foram registrados 71.497 focos de queimadas neste ano, contra 39.194 no ano passado (1). De acordo com a análise de Carolina Dantas para o portal G1, esta é a maior alta e também o maior número de registros em sete anos no país (2).

Número de focos de queimadas registrado de 2013 a 2019:

2013: 34.420.

2014: 47.239.

2015: 47.804.

2016: 66.622.

2017: 49.890.

2018: 39.194.

2019: 71.497.

Percebe-se, pelos números divulgados pelo Inpe, que o aumento das queimadas em 2019 representa o maior da série histórica recente do país. Desde 2013, o número de queimadas nunca aumentou tanto de um ano para outro.

A série histórica de 2013 a 2019 também pode ser vista pelo gráfico abaixo, divulgado pelo Inpe e veiculado no artigo do G1:

Cinco estados tiveram um maior aumento no número de queimadas no Brasil desde o início do ano, em comparação com o mesmo período do ano passado: Mato Grosso do Sul, com uma alta de 260% em relação a 2018; Rondônia, com 198%; Pará, com 188%; Acre, com 176%; e Rio de Janeiro, com 173%. Se tomarmos como base apenas o número, Mato Grosso é líder, com 13.641 focos, o que representa 19% do total nacional.

Abaixo, um gráfico com os estados brasileiros com maior número de queimadas em 2019:

Ao lado de ONGs e organizações internacionais do terceiro setor da economia, a Igreja Católica vem monitorando os desmatamentos realizados na Amazônia e convocou para o mês de outubro de 2019 o Sínodo da Amazônia, um encontro de bispos do mundo inteiro com o objetivo de discutir a questão ambiental, de modo geral, e a floresta amazônica, de modo específico, sendo do Brasil a maior delegação. As discussões sobre a Amazônia vêm sendo feitas com a sociedade civil e com os povos originários há pelo menos três anos. O mês de outubro será o momento decisivo do Sínodo.

O evento vem sendo conduzido pela ala progressista do clero, com o total apoio do Papa Francisco. O governo vê com preocupação este encontro e tentou infiltrar representantes na delegação, o que foi recusado prontamente. Nenhum político exercendo cargo no governo poderá participar do encontro. O general Villas Bôas, ex- comandante do Exército e atual assessor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), demonstrou preocupação com o evento e o acusou de ter “viés político”, ou seja, contrário às políticas ambientais do governo Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.

Medidas do governo:

Fundo Amazônia:

No dia 15 de agosto, a Noruega, que entre 2009 e 2018 repassou 93,8% dos R$ 3,4 bilhões doados para o Fundo Amazônia, anunciou a suspensão do repasse de R$ 132,6 milhões. A Alemanha também já anunciou que suspenderia R$ 155 milhões. As medidas foram anunciadas após o aumento do desmatamento na Amazônia e mudanças na gestão do fundo.

Segundo análise de Patrícia Figueiredo para o portal G1, o risco para as fiscalizações após as suspensões se dá porque as verbas financiam, por exemplo, meios de transporte especiais, como veículos 4×4 e helicópteros, que são necessários para a realização das vistorias do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na região (3).

O Fundo Amazônia contou, nos últimos 10 anos, com 93,8% de verba da Noruega e 5,7% da Alemanha, além de 0,5% de recursos da Petrobras, para ações de combate ao desmatamento e desenvolvimento sustentável. Quase 60% dos recursos são destinados a instituições do governo.

Desde 2016 o Ibama recebe recursos do fundo para bancar o aluguel de veículos especiais em operações na Amazônia. De 2016 a 2018, pelo menos 466 missões de fiscalização do órgão foram bancadas pelo fundo. Ao todo, essas ações geraram aplicação de mais de R$ 2,5 bilhões em multas.

A suspensão do repasse dos países estrangeiros é um passo decisivo para o fim do Fundo Amazônia e o desmonte do Ibama, o principal órgão fiscalizador da Amazônia. Não é coincidência que isso aconteça justamente no momento em que o governo prolifera discursos relativizando a importância da fiscalização.

Não obstante o aumento nítido dos focos de queimada em 2019, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, filiado ao partido Novo, responsabilizou as gestões anteriores e afirmou que “fiscalização não resolve a questão do desmatamento e das queimadas na Amazônia”. A afirmação foi feita durante evento na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na tarde do dia 26 de agosto. Salles afirmou que os governos anteriores não deram a devida atenção a um trabalho de sustentabilidade na região da Amazônia e destacou a necessidade de desenvolver economicamente a área.

Cortes orçamentários – Ibama e ICMBio:

O Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mandou cortar em 24% o orçamento anual previsto para o Ibama, órgão que está vinculado a sua pasta. Com o corte, que retira recursos que cobririam três meses dos gastos previstos para 2019, o Ibama terá seu orçamento reduzido de R$368,3 milhões para R$ 279,4 milhões (4).

As informações são de que o mesmo corte deve afetar o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), responsável por fiscalizar as unidades de conservação florestal do país.

Os cortes de orçamento ocorrem em um momento de crise da pasta. Servidores do ICMBio divulgaram carta de repúdio contra Salles (5), que determinou abertura de processo administrativo disciplinar contra funcionários do órgão no Rio Grande do Sul, após cobrar presença deles em um encontro com ruralistas. Ocorre que eles não foram convidados para o encontro. Esse episódio resultou no pedido de demissão do presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard.

No momento em que governo levanta sinais de que poderá rever decretos de criação de unidades de conservação, o ICMBio perde R$ 45 milhões do orçamento previsto para este ano destinado ao apoio à criação, gestão e implementação das Unidades de Conservação Federais, uma redução de 26%.

Utilização de PMs para fiscalização ambiental:

Em resposta ao enfraquecimento da fiscalização da Amazônia, ao eminente fim do Fundo Amazônia e ao desmonte do Ibama e do ICMBio, o governo Bolsonaro anunciou a intenção de utilizar Policiais Militares de folga para fiscalizar unidades federais de proteção ambiental.

Pela proposta do governo, os PMs auxiliarão no trabalho dos fiscais do Ibama e do ICMBio. O pagamento das diárias será feita por meio de um convênio direto entre União e cada unidade da Polícia Militar.

A crise desencadeada no ICMBio abriu caminho para que o ministro Salles reformulasse a pasta (três diretores pediram demissão e um último foi demitido). Foram anunciadas as nomeações do coronel da PM Lorencini, tenente da PM Simanovic, major da PM Marcos Aurélio e major da PM Marcos José, além do também coronel da PM Homero. Nenhum dos substitutos possui o nível de especialização e expertise dos antecessores.
Em resumo, a proposta do governo estrutura-se na precarização do trabalho de fiscalização (contratação de PMs de folga, nomeação de militares para a pasta). Vale lembrar que o cargo de PM exige descanso, bom funcionamento físico e mental, ou seja, uma saúde integral. Num país que tem a PM que mais mata e que mais morre em serviço, essa medida soa singela e improvisada: um remédio simples para um ferimento gigante.

Análise crítica:

Desde 1988, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Ministério da Ciência e Tecnologia, monitora, via satélite, o desmatamento na Amazônia. O objetivo é quantificar os desmates de áreas com vegetação nativa, além dos focos de queimadas e, dessa forma, ter embasamento científico para as ações de fiscalização, controle e combate aos desmatamentos ilegais. Essa mesma instituição, entretanto, vêm sofrendo desgastes com alterações procedimentais importantes durante a gestão do presidente Bolsonaro.

Após a divulgação dos dados sobre o aumento do desmatamento no país, no início de agosto, o ex-presidente do Inpe Ricardo Galvão foi exonerado e declarado “adversário político” pelo governo. Em reposta, Galvão respondeu que o trabalho do Inpe tem respaldo científico, e não político. A verdade é que o governo Bolsonaro lida com o meio ambiente de modo ideológico, e não científico. Há, na mentalidade conservadora, no núcleo ideológico do governo, a ideia de que o meio-ambiente é uma pauta progressista, e a resposta que o conservadorismo dá para o tema da ecologia é o ceticismo científico, a descrença na ciência – como na descrença sobre o aquecimento global, sobre as mudanças climáticas, o efeito estufa e etc.

Os efeitos das queimadas e do desmatamento atingem a região Norte, primeiramente, mas também os centros urbanos brasileiros e também o ecossistema global. Cabe relembrar que na segunda-feira, dia 19 de agosto, anoiteceu muito cedo nas cidades de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná. Por volta das 15h, uma forte névoa preta cobriu a capital paulista, deixando a cidade no escuro. Especialistas ouvidos pelo portal de notícias G1 explicaram que uma frente fria com ventos marítimos originada do Sul do Brasil trouxe uma nuvem do tipo stratus (6), mais baixa e carregada. Junto a isso, a fumaça originada das queimadas da floresta amazônica nos estados do Norte foi potencializada com focos em outros países da América Latina. Ou seja, as queimadas colaboraram para o surgimento da nuvem preta em pleno meio de tarde na região sudeste do Brasil.

Há um último ponto a ser ressaltado no debate sobre a gestão da Amazônia. O governo Bolsonaro, de cunho claramente liberal, neste tema em específico reivindica a defesa da soberania nacional (7) . A equipe de Bolsonaro tenta resistir à influência de países estrangeiros na gestão da Amazônia, tenta alavancar um discurso patriótico, inclusive rejeitando fundos de apoio estrangeiros, como no caso da França, em que Bolsonaro
teve um embate de cunho pessoal com o presidente francês (e com a esposa dele, num linguajar claramente ofensivo e jocoso), cobrando um pedido de desculpas como condição para receber o apoio financeiro da França e da União Europeia. No fundo, o que o governo procura é o passe livre da comunidade internacional para explorar economicamente a Amazônia, até mesmo com garimpos ilegais, o que afeta diretamente o estilo de vida dos povos e comunidades originárias.

Notas:

1Desde 1988, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Ministério da Ciência e Tecnologia, monitora, via satélite, o desmatamento na Amazônia. O objetivo é quantificar os desmates de áreas com vegetação nativa e, dessa forma, ter embasamento científico para as ações de fiscalização, controle e combate aos desmatamentos ilegais. Essa mesma instituição, entretanto, vêm sofrendo com alterações procedimentais importantes durante a gestão do presidente Bolsonaro. Após a divulgação dos dados sobre o aumento do desmatamento no país, por exemplo, o ex-presidente do Inpe Ricardo Galvão foi exonerado e declaro adversário político do governo.

2 Queimadas aumentam 82% em relação ao mesmo período de 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/19/queimadas-aumentam-82percent-em-relacao-ao- mesmo-periodo-de-2018.ghtml, acessado em 23de setembro de 2019.

3 Fim do Fundo Amazônia pode afetar fiscalização do Ibama contra o desmatamento . Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/16/fim-do-fundo-amazonia-pode-afetar-fiscalizacao- do-ibama-contra-o-desmatamento.ghtml, acessado em: 23 de setembro de 2019.

4. Dados disponíveis em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-ricardo-salles-manda- cortar-24-do-orcamento-do-ibama,70002806082, acessado em 26 de setembro de 2019.

5 Mais informações em: https://sustentabilidade.estadao.com.br/blogs/ambiente-se/servidores-escrevem- carta-acusando-salles-de-destruicao-da-gestao-ambiental/, acessado em 26 de setembro de 2019.

6Stratus são nuvens muito baixas (entre 0 e 1000 metros) de aspecto estratificado, que cobrem largas faixas horizontais do céu, como um tapete com uma cor cinzenta mais ou menos uniforme. Por vezes estão na superfície como um nevoeiro ou neblina. Quando se apresentam fracionadas (quebradas, partidas) são chamadas de fractostratus.

7. No discurso proferido na ONU, por exemplo, no dia 24 de setembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro falou em “defesa da soberania nacional” contra uma suposta “mentalidade colonialista”, que visa internacionalizar a Floresta Amazônica.

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