Relatório sobre Ciência e Tecnologia – setembro/19

FATOS RELEVANTES

O mês de setembro carrega uma leitura simbólica – nefasta à Nação e limitada em sua capacidade de avaliação do futuro que nos aguarda – da visão do governo federal acerca da pesquisa, da geração de conhecimento, do desenvolvimento de produtos e processos novos, com tecnologia embarcada, assim como das estruturas, físicas e humanas, de CT&I, Saúde, Educação, Defesa, Agronegócio etc, que os suportam.

Elementos centrais para o desenvolvimento econômico, social e para soberania do país, o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – SNCTI tem um caminho traçado para seu sucateamento e transferência de suas entidades para outras formas de gestão e propriedade, nacionais ou externas. Num caso ou noutro, com perda de significância e resultado para o país.

Essa linha vem se consolidando através da conta orçamentária e financeira dessas estruturas, cada vez mais exauridas em despesas para custeio ou investimento.

Prática diametralmente oposta à resposta do Sr. presidente da República à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC e à Academia Brasileira de Ciências – ABC no segundo turno das eleições de 2018: “No nosso governo CT&I serão tratadas com a prioridade que merecem. Isso começa com um grande esforço para recuperar os níveis de orçamento …. CT&I, no nosso ponto de vista, não é gasto, é investimento. Olhe para todos os países desenvolvidos. O que eles fazem nos momentos de crise? Investem mais em CT&I”.

Na contramão dessa resposta, ao ler a Proposta de Lei Orçamentária para 2020 – PLOA 2020 editada ao final de agosto, primeira com a marca do atual governo, o que se vê é uma projeto de Lei de Meios pior que o do governo anterior (2019).

No ministério de CT&I o volume de recursos, tirante despesas obrigatórias, juros, encargos, amortização da dívida e reserva de contingência, previsto PLOA é de R$ 3,5 bilhões, 32% menor que o valor de 2019 (R$ 5,7 bilhões, excluídos cortes realizados durante o ano) e um terço do valor carimbado para CT&I há dez anos. Para fomento à pesquisa no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq o valor foi reduzido em 88%. Para Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES a LOA 2019 destinou R$ 4,2 bilhões. A proposta para 2020 reserva apenas R$ 2,2 bilhões, uma redução de 48%. Para Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA o corte foi de 45%.

MEDIDAS PROPOSTAS

Para piorar, só que agora sem rodeios e falsas promessas de suas lideranças no Congresso, diferentemente do orçamento de 2019, no qual a cobertura de despesas da Previdência, Assistência Social e Bolsa Família, entre outros, estavam vinculadas à aprovação da quebra da Regra de Ouro(1), a LOA de 2020 englobou os recursos destinados ao SNCTI dentre as despesas que, para serem cumpridas, deverão passar pelo Congresso Nacional e romper a Regra de Ouro. Camufladas no PLOA 2020, despesas para o ministério de CT&I e outras entidades que compõem o SNCTI receberam o “Código 9300: programações condicionadas à aprovação legislativa prevista no inciso II do art. 167 da Constituição Federal” (Regra de Ouro). Ou seja, é muito improvável que o SNTCI receba algo em 2020. Quando muito, migalhas, algo como a quebra da Regra de Ouro já realizada em 2019.

Neste ano o Congresso autorizou o governo a emitir títulos da dívida no valor de R$ 248 bilhões (PLN 4/2019 – CN). No acordo para aprovação entrou a destinação de R$ 330 milhões para quitar as bolsas de pesquisa no CNPq (84 mil) até dezembro, a ser suprido via crédito suplementar. Até agora, como não foi enviado ao Congresso o crédito prometido, apenas R$ 80 milhões foram liberados, através de Decreto de descontingenciamento, valor suficiente para pagar somente as bolsas de setembro.

Ano que vem, inobstante o aumento no valor destinado a bolsas do CNPq, através do remanejamento de 88% do custeio do fomento para esta rubrica, ainda faltam R$ 80 milhões, um mês de despesa, que giram em torno de R$ 1,05 bilhão ano.

Caso de programação de despesa incerta, que provavelmente não ocorrerá, devido à fonte de financiamento estar vinculada à Quebra da Regra de Ouro em 2020, é a rubrica de “Monitoramento da Cobertura da Terra e do Risco de Queimadas e Incêndios Florestais” (1058 20V9), a cargo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. Em 2019 a rubrica orçamentária previu R$ 3,2 milhões. O PLOA de 2020 também prevê este número, mas com R$ 1,2 milhão vinculado à Quebra da Regra, e posterior edição de crédito suplementar neste valor. Num ou noutro momento esta conta não deverá ser realizada. O valor destinado ao INPE para esta atividade, sem necessidade de aprovar a Quebra, representa uma redução de 37,5%. Nesta sensível área ambiental, discussão que o Brasil larga derrotado, depois de anos de aplauso, também está o “Apoio a Estudos e Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento Relacionados à Mudança do Clima” (1058 20VA), que dispôs de R$ 4,2 milhões em 2019 e em 2020 terá, garantido, apenas R$ 2,9 milhões (redução de 31%), de um total de R$ 4 milhões. O resto (R$1,1 milhão) “virá” da Quebra da Regra de Ouro e edição do PLN em favor do INPE, o que é improvável neste governo. Perde ainda o Instituto na conta de “Pesquisa, Desenvolvimento e Supercomputação para Previsão de Tempo e Clima” (1058 216W). Dos R$ 13,7 milhões de 2019 ficaram garantidos diretamente apenas R$ 8,3 milhões (redução de 36%). Vinculado à Quebra da Regra R$ 5,4 milhões.

Perde CT&I também, no PLOA 2020, caso não aprovada a Quebra e editado o crédito suplementar, programa como “Fomento a Projetos, Programas e Redes de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)” (2204 20US), que teve reservado R$ 32,6 milhões em 2019 e neste projeto dispõe de R$ 22,3 milhões (redução de 32%), sendo R$ 6,4 milhões advindos de uma possível Quebra da Regra.

Para “Manutenção de Contrato de Gestão com Organizações Sociais (Lei nº 9.637/1998)” (2204 212h), foi reduzido o financiamento dos projetos das OSs do MCTIC de R$ 279,6 milhões em 2019 para R$ 174,3 milhões em 2020 (menos 37,7%). Se conseguirem o valor vinculado à quebra, as OSs terão mais R$ 120,1 milhões, totalizando R$ 294,4 milhões. Neste caso, caso o acaso ocorra, haverá um aumento na soma total de 5% nos recursos para OSs (mais R$ 14,9 milhões), o que será positivo, esperamos.

Ganha, e é fato a se registrar positivamente, nesta morte anunciada, ‘Pesquisa e Desenvolvimento Científico, Difusão do Conhecimento e Popularização da Ciência nas Unidades de Pesquisa do MCTIC” (2204 20V7), que passará de R$ 12,1 milhões em 2019 para R$ 40,7 milhões em 2020 (aumento de 336,4%). Se for aprovada a Quebra, mais R$ 21,1 milhões (acréscimo final de 510,7%). Quiçá ocorra.

Quanto aos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, administrados pela Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP, a situação é crítica. Embora arrecadasse mais 13,1% em 2020, 87,5% de seu montante foi carimbado à Reserva de Contingência.

Além desse truque orçamentário maléfico ao país, quando vincula parcelas consideráveis de despesas de CT&I à aprovação da Quebra da Regra de Ouro e futura emissão de crédito suplementar, é anacrônico e escamoteado nas linhas da Lei de Meios a forma de uso da arrecadação de receitas decorrentes da exploração de petróleo previstas no PLOA 2020.

Para a União essas receitas são distribuídas por declaração de comercialidade, a partir de dezembro de 2012, em qualquer projeto, sendo 75% para Educação e 25% para Saúde (art. 2º, I, Lei nº 12.858/2013); antes de dezembro de 2012, nas áreas e camadas de pré-sal, ficando 50% para o Fundo Social e 50% para Educação (art. 2º, III, c/c art. 3º); antes de dezembro de 2012, nas demais situações, para os ministérios de CT&I (FNDCT), Defesa e Meio Ambiente (arts. 48, 49, inciso II, e 50, § 2º, da Lei nº 9.478/1997 – Lei do Petróleo).

Ocorre que “parte das vinculações a órgãos específicos da administração direta da União, definidas com o advento da Lei nº 9.478/1997, de forma recorrente, não são utilizadas para as finalidades previstas. Parcela considerável de suas aplicações é alocada em reserva de contingência de natureza financeira, o que contribui para o cumprimento da meta de resultado primário fixada nas leis de diretrizes orçamentárias”(2). Para 2020 nada diferente: dos R$ 744,8 milhões (fonte 142) destinados ao ministério da CT&I, R$ 744,6 milhões (99,9%) irão para Reserva de Contingência, ou seja, dinheiro esterilizado.

ANÁLISE CRÍTICA

Se voltarmos e lermos as edições anteriores deste relatório do Observatório da Democracia sobre CT&I notaremos que tudo que foi relatado e previsto aconteceu, tragicamente e para nosso pesar.

O que fazer na fila para bacia das almas, final do ano, sob o olhar de Caronte?

Imediatamente, mirar o PLOA de 2020 e tentar recuperar, via Congresso, o valor cortado de CT&I. Para este orçamento de 2020 recomposto – ou não -, aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias deste exercício, assim como a emenda do deputado João H. Campos (PSB/PE), já encampada pela Comissão de Orçamento, que livra o ministério da CT&I e o FNDCT de contingenciamento e da limitação de empenho, na forma do artigo 9º, § 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (LC nº 101/2000). Depois empenhar-se para evitar o veto presidencial. Salva-se, assim, 2020. E talvez alguma moedinha pro barqueiro.

Na mesma linha, recuperar o valor dos orçamentos da Capes (R$ 4,2 bilhões), das universidades e Institutos Federais de Ensino Superior e da Embrapa previstos na LOA de 2019.

Para além, aprovar – tarefa mais complexa e demorada – os projetos que tramitam no Congresso, a exemplo do PL nº 5.876/2016, do deputado Celso Pansera e da deputada Bruna Furlan ou PLS nº 181/2016, do senador Lasier Martins, que destina 25% do Fundo do Pré-Sal para CT&I; do PL nº 358/2017, do deputado Daniel Vilela ou do PLS nº 315/2017, do senador Oto Alencar, que transforma o FNDCT em fundo financeiro; e a PEC nº 24/2019, da deputada Luiza Canziani, que exclui da “Emenda do Teto” (EC nº 95/2016) os recursos destinados às universidades.

Ao largo dos muros do Legislativo Federal, e suas idiossincrasias, dificílimas, tentar trazer entidades da sociedade civil, como a Indústria brasileira, em missa de réquiem abraçada ao setor de CT&I do país, para o debate sobre os rumos que tomarão empresas, pesquisa, inovação, educação, trabalho e renda frente a um mundo que se desmaterializa cada dia mais.

Notas

1 .Regra de Ouro: norma constitucional (art. 167, III) que impede a União de contrair dívida para o pagamento de despesas correntes, a exemplo de salários, benefícios de aposentadoria, contas de luz e outros custeios da máquina pública. Para 2020, a Regra de Ouro totaliza R$ 367 bilhões. O cumprimento da Regra de Ouro deve ser verificado durante a elaboração do projeto de lei orçamentária, a aprovação e publicação da respectiva lei e a execução orçamentária.

2 Congresso Nacional. Nota Técnica Conjunta nº 4. Subsídios à apreciação do Projeto de Lei Orçamentária para 2020 (PL nº 22/2019-CN). Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira – Câmara dos Deputados e Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle – Senado Federal. Disponível em https://www.camara.leg.br/internet/comissao/index/mista/orca/orcamento/OR2020/ntc_04_19_LOA-2020.pdf. Acessado em 30 Set 2019.

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