Relatório sobre Ciência e Tecnologia – agosto/2019

FATOS RELEVANTES

Relevante, ao longo destes oito meses do atual governo federal é, de um lado, drama imediato, a ausência de recursos para o cumprimento de despesas fundamentais para o desenvolvimento científico, tecnológico e econômico do País, a exemplo de bolsas para pesquisas e pós-graduação, financiamento equalizado da inovação, fomento para formação e produção científica.

De outro, e em construção, de forma velada, mas planejada, para ocorrer em poucos anos, no tempo, o desmonte por completo do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – SNCTI.

No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, com maior visibilidade e facilidade para entendimento geral, causa relevância o obscurantismo com confirmação -morte anunciada – do cancelamento de recursos para prover pesquisas por 84 mil bolsistas (1), a partir de setembro.

O CNPq tem, historicamente, uma despesa média anual de carca de R$ 1,25 bilhão: R$ 1,05 bilhão para bolsas e o restante para fomento e manutenção. Inobstante, a Lei Orçamentária de 2019 entregou à Agência do Ministério da Ciência e Tecnologia – MCTIC R$ 330 milhões a menos do que precisava para esta despesa.

Na dependência do envio de projeto de crédito suplementar ao Congresso, compromisso firmado pela liderança do governo e pelo ministério da Economia para aprovação do Projeto de Lei no 4/19 – CN, que autorizou o governo federal a aumentar seu endividamento através da realização de operações de crédito em até R$ 248,9 bilhões, o Congresso cobrou e o Executivo nada fez.

Além dessas, o CNPq também suspendeu a segunda fase do processo para seleção de bolsistas no Brasil e no exterior, através da Chamada Pública no 22/2018 que contemplaria, com gastos estimados em R$ 60 milhões, propostas de doutorado e pós-doutorado entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020 e o Edital Universal (Chamada Universal MCTIC/CNPq no 28/2018), que aprovou 5,6 mil projetos de pesquisa, envolvendo 2,5 mil bolsas de várias modalidades e custo de R$ 200 milhões.

Projetos financiados com recursos externos através de fundações de pesquisa de vários países também serão prejudicados, posto que seus recursos foram utilizados para pagar os últimos meses dessas 84 mil bolsas, que acabam em setembro.

Emblemático, igualmente, foi a inclusão da Telebras, em 21 de agosto, no Programa de Parceria de Investimentos – PPI, visando sua privatização, a despeito do defesa da procuradora-geral da República – PGR, Dra. Raquel Dodge, quanto à manutenção da suspensão da outorga da licença conferida pela Telebras à empresa estadunidense Viasat, para exploração do Satélite Geoestacionário Brasileiro de Defesa – SGDC e invasão da soberania nacional quanto à segurança de dados e informações sensíveis.

Lançado em 2017 o aparelho tem duas faixas: uma, militar (Banda X), cedida ao Ministério da Defesa para usos militares e outra civil (Banda Ka), cedida à Telebras para ampliação do acesso à internet em alta velocidade através do Programa Nacional de Banda Larga – PNBL.

Como a PGR, o Tribunal de Contas da União-TCU também exigiu garantias ao contrato, ao cobrar da estatal a reserva de faixa mínima para operacionalização da Banda Ka. Sobre esta reserva mínima consubstancia segurança das informações governamentais e, em última análise, proteção da soberania nacional.”

De forma abrupta e sem argumento algum, a não ser a pressão agronegócio tacanho, ricardiano em suas vantagens comparativas (2), e danoso ao País no tempo, atropelou norma recorrente do ministério da Ciência e Tecnologia (Portaria no 1.037/09) e de outras instituições públicas de pesquisa que escolhem seus dirigentes por Comitês de Busca (Search Committee), ao demitir o diretor do Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE, Ricardo Galvão em 2 de agosto. Selecionado por Comitê constituído em 2016, Galvão tomou posse em 21 de setembro daquele ano, o que lhe daria, tecnicamente, mais um ano à frente do Inpe (art. 15, Portaria).

Assim como o projeto de crédito para cobrir as despesas com bolsas do CNPq (R$ 82,5 milhões mês), o executivo federal não enviou ao Congresso projeto de lei com pedido de urgência constitucional ou medida provisória – MPV atualizando a Lei de Informática (8.248/91).

Condenado pela Organização Mundial do Comércio – OMC, a partir de reclamação do Japão e União Europeia quanto à política de incentivos fiscais à indústria de eletroeletrônicos do Brasil, a partir da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, o país tem até 1o. de janeiro de 2020 para colocar em vigor ajustes na lei.

Cumpriu, todavia, o calendário previsto no artigo 35, § 2º, I e II das Disposições Transitórias da Constituição Federal – ACDCT e entregou ao Congresso Nacional, em 30 de agosto, seu primeiro projeto de lei orçamentária anual para 2020 – PLOA 2020 e plano plurianual para vigorar até o primeiro ano do próximo governo.

Para o CNPq “um crescimento” de 2,2%, readequação do valor destinado a bolsas, mas ainda inferior ao mínimo necessário, em média, para pagá-las e redução considerável em fomento, cooperação internacional e quase aniquilação de difusão e popularização da ciência.

Na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, vinculada ao ministério da Educação – MEC, tema tratado em outro relatório do Observatório da Democracia, para piorar o quadro de 2019, ano em que houve o corte de 5,6 mil bolsas, o PLOA 2020 reduziu os recursos destinados a pós-graduandos e professores de educação básica em 51,2%, de R$ 4,3 bilhões para R$ 2,2 bilhões. Com isso, em 2020, a CAPES custeará apenas 47,3 mil bolsas, reduzindo pela metade as 92,7 patrocinadas hoje.

MEDIDAS PROPOSTAS

Positivo seria o lançamento da “Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia”, divulgada em 8 deagosto pelo MCTIC, que priorizou pesquisas e inovação em ramos como nanomateriais, nanosensores, nanofármacos, saúde, defesa e segurança nacional, mobilidade etc.

Desenvolvida por CNPq, Financiadora de Estudos e Projetos – Finep, Empresa Brasileira dePesquisa e Inovação Industrial – Embrapii e Sistema Nacional de Laboratórios em Tecnologia (SisNano) aproposta recorre a fonte de recursos oriundos dos Fundos Setoriais – FNDCT, Lei do Bem (11.196/05), Leide Informática (aguardando alterações) e da Rota 2030 (Lei 13.755/18).

Ocorre que, com a Emenda Constitucional do “Teto de Gastos” (EC no 95/16) e a necessidade de superávit primário, 2/3 do custo desta política ficará retido na esterilização orçamentaria e financeira pelas contas primárias e o outro 1/3 no teto.

No CNPq, a proposta orçamentária para 2020 recompôs, com R$ 963 milhões, quase toda dotação necessária para o pagamento de bolsas de pesquisa no ano, despesa que gira em torno de R$ 1,05 bilhão/ano. Reduziu, entretanto, significativamente, os recursos para fomento da pesquisa, passando de R$ 127,4 milhões em 2019 para R$ 16,6 milhões em 2020 (-87%), cooperação internacional, de R$ 3,3 milhões para 1,2 milhão (- 64%) e difusão e popularização da ciência, de 12,5 milhões para R$ 888 mil (- 93%).

Algo soa inusitado nesta conta, pois não há resultado e conclusão pesquisa sem laboratórios preparados ou material para testes e ensaios disponíveis, todos estes financiados por rubricas de fomento.

Para inclusão da Telebras entre as empresas privatizáveis e fechar seu capital, a Secretaria de Empresas Estatais – SEST, do ministério da Economia, reclassificou, em 15 de agosto, a empresa como dependente, condição de organizações públicas controladas em que o Tesouro é responsável pelo pagamento de pessoal ou de custeio. Da mesma forma, a relacionou nos orçamentos fiscal e da seguridade do MCTIC para 2020 com R$ 741,4 milhões.

Um truque para vender a empresa, sem responder aos questionamentos do TCU, sobre a prejudicialidade ao PNBL, ou da PGR, relativamente à invasão da soberania nacional, além de não acrescentar nada às despesas fundamentais de CT&I bloqueadas este ano.

O MCTIC ao aumentar, apenas em volume o numerário de suas despesas para 2020, em 6,2%, considerados R$ 3,5 bilhões previstos em 2019 e R$ 3,8 bilhões em 2020, sem nada acrescentar ao SNCTI ou mesmo às bolsas, pesquisa em diversas áreas e produção de inovação apenas serviu, ao toque do general Queipo de Llano, de quinta coluna para o truque.

ANÁLISE CRÍTICA

Encobertado por declarações, diárias, preconceituosas ou despreparadas, provoca o senhor presidente da República e parcela de seu séquito áulico, submisso, mais que interrupção de programas e bolsas destinados ao desenvolvimento científico e tecnológico, assim como resultados inovadores que possam guindar o país a um nível civilizatório mais avançado, que ofereça oportunidades e similitudes entre as pessoas, não apenas em relação à disparidade de renda, mas, sobremaneira, à desigualdade de condições, um desmonte de todo o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Não preserva o órgãos centrais (CT&I, Saúde e Educação), agências de fomento (CNPq, Finep, e CAPES), fundações públicas e privadas, secretarias estaduais, organizações sociais e institutos de pesquisa. Nem mesmo os alicerces institucionais, tributários, financeiros e administrativos, necessários ao setor empresarial que compõe o SNTCI, investindo em Pesquisa e Desenvolvimento – P&D.

Atentam, assim, à própria soberania brasileira, inexistente sem domínio do conhecimento e produção inovadora, tornando-a caudatária de interesses inconfessos, internos ou externos.

Talvez fosse o caso desta trupe responder à afirmação da PGR, Raquel Dodge, que defende, junto ao STF, a manutenção de liminar que suspendeu o contrato, realizado sem licitação e suporte da Lei Geral das Estatais (13.303/16, art. 28, § 3°) entre Telebras e Viasat, por tal concessão atentatória ser à soberania nacional:

“A soberania, fundamento próprio do conceito de Estado e também princípio da ordem econômica (art. 170-I da Constituição), significa poder político supremo e independente. ….. Assim, tomando-se por base um entendimento mais abrangente do citado preceito, é sim temerário que 100% dos dados operacionalizados pela Banda Ka do satélite brasileiro – incluindo as receitas demandas da Administração Púbica -estejam compartilhados coma empresa americana Viasat, principalmente levando-se em consideração que as regras de confidencialidade das informações firmadas entre as parcerias não são conhecidas. Tampouco sabe-se acerca das obrigações das obrigações da organização estrangeira para com seu Estado-nação.” (grifo nosso)

Curioso, acompanhando o raciocínio da Procuradora-geral, seria entender como se cogita, pelo mesmo governo, que empresas como a russa Rosatom, as chinesas CNNC e SNTPC e a estadunidense Westinghouse possam, fazendo as obras que faltam, deter 49% do capital de Angra 3. Apenas um Acordo, para o Programa Nuclear Brasileiro, como o da Base de Alcântara, no qual os rendimento decorrentes da operação de lançamento não podem ser utilizados no desenvolvimento do Programa Espacial?

Notas:

1 Reajustadas pela última vez há seis anos, o maior volume, 55% das bolsas, são atribuídas à iniciação científica, para alunos de graduação e ensino médio, variando entre R$ 100 e R$ 400; 20% vão para pesquisadores com mestrados e doutorados (R$ 1,5 mil a 2,6 mil); 20% para bolsas de produtividade, para pesquisadores máster (R$ 1,1 mil a R$ 2,8 mil); 4% fica dividido entre apoio técnico e pós-doutorado em programas específicos (R$ 1 mil a R$ 6,5 mil); e, o restante, 1%, vai para pesquisadores no exterior (até US$ 2,3 mil).

2 Países devem concentrar sua produção, especializando-a, naquilo que tiver os menores custos comparados a outros bens em nível internacional. Com o excedente financeiro desse bem exportado o país importaria bens mais elaborados, mesmo que pudesse produzi-los por preço inferior. Caso brasileiro, para importarmos 1 tonelada de semicondutores precisamos exportar 21 mil toneladas de minério de ferro.

Voltar para apresentação

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *