O desmonte do setor industrial do Brasil e a estratégia econômica dos EUA

Usina de Itaipu: governo paraguaio foi acusado de pagar mais caro pela energia para empresa brasileira. Foto: Caio Conde/Fotos Públicas

Fatos relevantes e medidas de governo

Um estudo realizado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) indicou que o Brasil tem a terceira maior desindustrialização entre trinta países desde 1970, ficando atrás apenas do Reino Unido e da Austrália. A participação da indústria no PIB do país caiu de 21,4% em 1970 para 12,6% em 2017.

A Petrobras assinou com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) um termo de compromisso de cessão que orienta a petrolífera a abrir o mercado de gás brasileiro nos próximos meses. De acordo com o documento, até o final de 2021 a Petrobras deve realizar a venda integral de ativos e de participações diretas e indiretas nos segmentos de transporte (gasodutos) e distribuição (gás canalizado). A petrolífera brasileira está se comprometendo em já vender 10% da participação que possui na Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e outros 10% na Transportadora Associada de Gás (TAG). Além disso, a companhia venderá também 51% na Transportadora Brasileira Gasoduto Brasil-Bolívia (TBG) e a participação indireta que possui em companhias distribuidoras de gás. Segundo o governo boliviano, a estatal YPFB tem interesse em aumentar sua participação acionária na TBG.

A usina hidrelétrica de Itaipu binacional esteve no epicentro de uma crise política no Paraguai. O caso teve início após a revelação de um “acordo secreto” em que o governo paraguaio se comprometia a comprar energia mais cara do que o usual. O tratado entre os dois países precisa ser revisto até 2023. Há, entretanto, um contencioso sobre o uso da energia excedente gerada pela Usina e que tem um valor mais barato do que a chamada energia garantida. O acordo que se firmou de forma favorável ao Brasil envolveu suspeitas de favorecimento a empresas de energia ligadas politicamente às famílias do vice-presidente paraguaio e do presidente brasileiro. O governo dos Estados Unidos e do Brasil intervieram para contornar a situação e o acordo foi desfeito.

A investigação sobre as relações entre o governo do Peru e a construtora Odebrecht seguem a todo vapor. A empresa brasileira admitiu ter pagado propinas para ser contratada para executar obras de infraestrutura no país, e o caso já provocou a prisão do ex-presidente peruano Alejandro Toledo e ameaça o também ex-presidente Ollanta Humala. O caso Odebrecht é emblemático das dificuldades enfrentadas por construtoras investigadas por corrupção no Brasil e na América Latina. Diante desse cenário de fragilidade da empresa nacional, os governos do Brasil e dos Estados Unidos assinaram um memorando indicando a contratação prioritária de empresas de engenharia pesada estadunidenses para a realização de obras de infraestrutura no Brasil.

Análise crítica

O país enfrenta atualmente um dos mais acelerados processos de desmonte da indústria brasileira. Uma política econômica hostil ao capital produtivo e uma política industrial avessa ao capital nacional têm acelerado a desindustrialização precoce do Brasil.

O recente estudo divulgado pelo IEDI evidencia a perda do peso da indústria no PIB, no emprego, na arrecadação e no investimento. Em países como a Inglaterra, o desaquecimento da indústria é resultado de como o progresso técnico viabilizou uma melhor distribuição do PIB/per capita e como isso criou um padrão de consumo menor para bens e maior para serviços. Já no Brasil, a desindustrialização acontece precocemente, sabotando a possibilidade de construção de uma melhor distribuição de renda e de um mercado de consumo mais amplo.

Esse processo se inscreve no interior de uma mudança estrutural de maior monta, qual seja: a reorientação da política externa e da política comercial dos EUA, que, para fazer face à expansão industrial chinesa, tem se valido de estratégias para viabilizar o reposicionamento das grandes empresas norte-americanas no mercado latino-americano em geral e no mercado brasileiro em particular.

Prova disso é a recente declaração do secretário de Comércio dos EUA de que o governo norte-americano quer voltar a ser o principal parceiro econômico da América Latina.

Os Estados Unidos vislumbram a existência de cerca de 1.700 projetos de grande escala na região e indicam o Brasil como aliado estratégico na expansão do investimento privado dos EUA. Daí a importância do protocolo de intenções que indica a priorização da contratação de empresas norte-americanas em projetos de infraestrutura no Brasil.

Além disso, esse processo se vale da reatualização de instrumentos clássicos do final do século 20, como a defesa intransigente das privatizações. Nesse sentido, a indústria de óleo e gás e a indústria de energia elétrica se colocam como fronteiras prioritárias dessa nova dinâmica, por isso a abertura do mercado brasileiro de gás pode ser compreendida como mais um capítulo dessa trajetória.

Vale destacar que esse processo também utiliza novos dispositivos de enfrentamento interempresarial típicos desse início do século 21, como a luta contra a corrupção, como deixa evidente o caso da Odebrecht na região latino-americana.

Nesse cenário, o Brasil tem atuado a favor dos interesses norte-americanos na região, como mostram as negociações do gás na Bolívia, da energia elétrica no Paraguai e da engenharia pesada no Peru.

Trata-se, desse modo, de enfraquecer o Estado e as empresas nacionais para o fortalecimento do poder estatal e empresarial norte-americano, com o risco adicional de que a substituição do investimento público nacional pelo investimento privado internacional devaste ainda mais a indústria na região do Cone Sul.

Esta análise integra o boletim mensal de julho De Olho no Governo, produzido pelo Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo

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