Esvaziamento das políticas sobre mudança climática e proteção da Amazônia
Publicado 13/06/2019 - Atualizado 16/08/2019
Fatos relevantes e medidas do governo
Sustentabilidade ambiental e política agrária
Em meio ao cenário de perda da biodiversidade, o governo Bolsonaro anunciou que dos R$ 11,8 milhões que seriam usados neste ano na Política Nacional sobre Mudança do Clima, para atender a compromissos assumidos pelo Ministério do Meio Ambiente, R$ 11,3 milhões foram contingenciados, o correspondente a 96% dos recursos. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) sofreu um corte de 24% de seu orçamento, comprometendo a fiscalização de crimes ambientais, como o desmatamento ilegal.
Além dos cortes anunciados, houve polêmica envolvendo o Fundo Amazônia, financiado majoritariamente pela Noruega e Alemanha. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em entrevista coletiva concedida no dia 17 de maio, fez declarações vagas sobre possíveis incoerências na governança do Fundo, sem mencionar quais seriam tais irregularidades. Soma-se à estratégia de desestruturação do fundo o afastamento da responsável pelo Departamento de Meio Ambiente e Gestão do Fundo Amazônia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Daniela Baccas, sem justificativa.
Frente ao desmonte da política ambiental brasileira, mais de seiscentos cientistas publicaram carta aberta na revista Science (vol. 364 de 26 de abril de 2019) pedindo para a União Europeia o condicionamento do comércio com o Brasil à gestão adequada do meio ambiente.
No Brasil, governadores de onze estados brasileiros firmaram compromisso em perseguir as metas do Acordo de Paris para redução do aquecimento global em evento da Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan). Por fim, em 8 de maio, ex-ministros do meio ambiente “de Collor a Temer” se reuniram no Instituto de Estudos Avançados da USP, em São Paulo (SP), para avaliar a atual política ambiental brasileira e estabelecer um posicionamento crítico ao novo governo.
Uma pesquisa publicada pela Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) chegou à conclusão de que a natureza está sendo devastada a taxas sem precedentes na história humana. Segundo o relatório, mais de um milhão de espécies estão ameaçadas de extinção (aproximadamente 11% das espécies do planeta), bem como vem se esgotando a infraestrutura natural que atualmente utilizamos para viver. Segundo outro relatório, realizado pela Global Forest Watch e atualizado pela universidade americana de Maryland, o Brasil foi o país que mais desmatou florestas primárias em 2018. Foram 1,3 milhões de hectares desmatados no país em um total de 3,6 milhões de hectares no mundo. Em janeiro de 2019, o desmatamento da Amazônia cresceu 54% em relação ao mesmo mês de 2018.
No que se refere aos povos indígenas, em 28 de maio, o Senado Federal votou pela continuidade da MP 870/2019, mantendo em quase sua totalidade a reforma ministerial de Bolsonaro. No que se refere aos povos indígenas houve derrota do governo, uma vez que a maioria dos senadores votou pelo retorno da Funai para o Ministério da Justiça, reincorporando também a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas. A Funai estava no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), e a demarcação havia sido alocada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A versão da MP foi submetida ao Senado no formato de projeto de lei depois de ter sido aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 22 de maio.
No caso dos agricultores familiares, houve suspensão de repasse de R$ 800 milhões, verbas que seriam direcionados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Ao todo já foram contingenciados R$ 6,8 milhões do conjunto de iniciativas que integram o plano safra 2018/2019.
Desenvolvimento regional
Estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo apontou diferenças significativas entre parte do período de crescimento da economia do país (2010 e 2014) e o período recessivo (2015-2016). No período 2010-2013, o crescimento se concentrou em municípios e regiões onde historicamente havia menor desenvolvimento eco- nômico e social, com destaque para o Amazonas, Piauí, Maranhão, Acre, Paraná, Ceará, Pará e Mato Grosso – que contaram com 70%ou mais de seus municípios com crescimento positivo do PIB.
Entretanto, o período 2015-2016 mostrou que poucas regiões mantiveram seu ritmo de crescimento. Isso ocorreu principalmente em alguns municípios dos estados de Mato Grosso, com 64,5% cidades com crescimento do PIB superior a 3%, Alagoas (46,1% municípios), Pará (45,8%), Tocantins (43,2%) e Mato Grosso do Sul (43%).
Houve regiões que apresentaram inversão do ritmo do crescimento anterior, tais como os municípios do Acre (81% dos municípios com PIB médio anual negativo), do Amazonas (77,4%) e do Ceará (68,5%). Por fim,merecem destaque regiões que vêm apresentando PIB negativo em ambos os períodos analisados, entre elas Rondônia (com 46,2% de seus municípios com PIB negativo), Rio de Janeiro (55,4%), São Paulo (56,1%), Sergipe (66,7%), Espírito Santo (66,7%) e Santa Catarina (67,1%).
Do ponto de vista regional, outro assunto chamou atenção:trata-se da criação do Consórcio Nordeste. As Assembleias Legislativas deCeará, Paraíba, Piauí, Maranhão e Pernambuco aprovaram em maio deste ano a adesão de seus estados ao Consórcio, somando-se à Bahia, que já havia aderido em abril. O Rio Grande do Norte enviou, também em maio, o projeto ao Legislativo. O Consórcio Nordeste foi lançado em reunião dos governadores daregião em março deste ano e vem se consolidando como uma importante articulação com vistas ao desenvolvimento sustentável da região e contraponto fundamental às políticas neoliberais do governo federal.
Análise crítica
O resultado do relatório da IPBES também apontou para uma elevada associação entre a redução da biodiversidade e as mudanças climáticas,a última causada pelo impacto da ação humana, tais como o desmatamento e criação de gado que ampliam a emissão de gases de efeito estufa. Nesse sentido,os governos, empresas e grandes agricultores não estão cumprindo seu papel no desenvolvimento sustentável, estando longe de cumprir as metas do Acordo de Paris ou dos parâmetros estabelecidos pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Por sua vez, o relatório da Global Forest Watch e da universidade Maryland apontou forte velocidade do desmatamento brasileiro. O relatório ainda aponta que o Brasil havia reduzido tal desmatamento em 70%entre 2007 e 2015, durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Entretanto, voltou a crescer massivamente a partir de 2016 – período pós-golpe e início do governo Bolsonaro. A perda de floresta nativa ocorreu principalmente no entorno de muitas reservas indígenas.
Diante desse contexto, o governo Bolsonaro cruza os braços em relação à política de mudanças climáticas. Em suas declarações, membros do primeiro escalão do governo consideram o aquecimento global uma teoria alarmista e apocalíptica. Os recursos orçamentários da Política Nacional sobre Mudança do Clima foram contingenciados em 96% neste ano, enquanto o Ibama perdeu um quarto de seu orçamento.
O desmonte da política ambiental gerou críticas no Brasil e no mundo, com desta- que para carta aberta de seiscentos cientistas publicada na revista Science, para o pronunciamento de governadores de onze estados brasileiros e para o encontro de ex-ministros do Meio Ambiente com o intuito de estabelecer um posicionamento crítico ao novo governo.
Além disso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,pretende enfraquecer as organizações que atuam em defesa da Amazônia, e suaestratégia é desestruturar o Fundo Amazônia ao fazer declarações vagas sobreindícios de irregularidades em sua governança, bem como afastar a principalgestora dos recursos do fundo no BNDES.
O Fundo Amazônia foi criado pelo governo Lula via Decreto 6527/2008, com forte apoio internacional. Por meio de recursos oriundos principalmente da Noruega (97,4%), Alemanha (2,1%) e Petrobrás (0,5%), já investiu cerca de R$ 2,8 bilhões em mais de 130 projetos de fiscalização e atuação contra o desmatamento na Amazônia. O Fundo é administrado pelo BNDES e passa por auditoria anual do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos dois países, sem nunca ter apresentado irregularidades.
O retorno da Funai e da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Justiça pode ser avaliado como uma vitória dos povos originários frente aos retrocessos impostos pelo governo Bolsonaro. O tema estava entre as principais reivindicações das lideranças indígenas brasileiras, que se reuniram em torno do Acampamento Terra Livre, ocorrido em abril deste ano, em Brasília.
Já os cortes orçamentários no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) significaram uma derrota no financiamento da produção de toda uma cadeia de pequenos produtores, formada por agricultores familiares, assentados da reforma agrária, quilombolas, indígenas, extrativistas, caiçaras, ribeirinhos e pescadores artesanais. No que se refere ao desenvolvimento regional, o Consórcio Nordeste se propõe a construir a unidade regional buscando o diálogo com os demais estados e com o governo federal tendo em vista a diminuição das desigualdades sociais e a construção de políticas públicas que promovam direitos sociais se contrapondo às políticas neoliberais do governo federal.