Cem dias: aumento do desmatamento na Amazônia e saúde indígena abandonada
Publicado 29/04/2019 - Atualizado 29/04/2019
Fatos relevantes e medidas do governo
Sustentabilidade ambiental e política agrária
Emjaneiro de 2019, o desmatamento na Amazônia cresceu 54% em relaçãoao mesmo mês do ano anterior. Foram 108 km2 de vegetaçãodesmatada, frente a 70 km2 quadrados no mesmo período doano anterior. Segundo o Boletim do Desmatamento da Amazônia doInstituto Imazon, a área desmatada no primeiro mês de 2019 equivalea 15 mil campos de futebol. Os estados que apresentaram maiordesmatamento foram o Pará, com 37% da área desmatada neste período,Mato Grosso, com 32,4%, seguidos de Roraima (15,7%), Rondônia(8,3%), Amazonas (5,6%) e Acre (0,9%). No Amazonas e em Rondônia, noentanto, a proporção do desmatamento neste ano foi 6 vezes e 4,5 vezes maior do que no ano anterior, respectivamente.
O formato de aplicação de multas por crimes ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) será alterado pelo governo. Uma minuta de decreto de lei do Ministério do Meio Ambiente (MMA) pretende criar um núcleo de conciliação que poderá mudar o valor ou mesmo anular multas por crimes ambientais. O núcleo seria formado por três representantes do MMA e do Ibama. Caso seja implementado, o decreto também impedirá que os valores arrecadados com as multas sejam convertidos parafinanciar projetos estratégicos ambientais. Atualmente, os recursos das multas vão para um fundo gerido pelo Ibama que consegue planejar o financiamento de ações estratégicas para meio ambiente de forma autônoma. No ano passado, os recursos das multas haviam sido utilizados para financiar projetos ambientais na bacia do rio São Francisco.
A principal unidade de saúde do país de acolhimento e acompanhamento dos indígenas que passam por tratamento de saúde, a Casa de Saúde Indígena (Casai), em Brasília, teve os 100% de seus repasses financeiros suspensos desde janeiro. No país, mais de treze mil funcionários estão sem receber desde então. Os locais de atendimento que ainda funcionam dependem da ida voluntária dos funcionários com salários atrasados e de fornecimento de alimentação de conveniadas, que topam continuar prestando o serviço mesmo sem receber seus pagamentos. O governo também pretende descentralizar a responsabilidade da saúde indígena para estados e municípios. A medida causou uma série de protestos realizados pelos povos indígenas.
Assim como outras unidades do país, a Casai, de Brasília, quando não consegue realocar para outras unidades de saúde pública precisa devolver indígenas às suas aldeias sem o tratamento devido. Na última semana de março, 54 indígenas ainda estavam na unidade. A maioria das etnias Xavante e Yanomami. Em janeiro e fevereiro foram atendidos/acolhidos na unidade 111 pacientes e 165 acompanhantes. A“economia” com o não pagamento da alimentação na unidade não passa de R$ 70 mil ao mês.
Desenvolvimento regional
Noque se refere ao desenvolvimento regional houve movimentação dos governadores da região Nordeste posicionando-se contra as principais pautas do governo que estão circulando no Congresso Nacional. Com afinalidade de montar o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, os governadores do Ceará, Rio Grande do Norte, Maranhão, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe assinaram uma carta emitindo posição coletiva a respeito da segurança pública, do Banco do Nordeste, da Sudene, da Reforma da Previdência, bem como pela defesa do Estatuto do Desarmamento e contra a desvinculação das receitas frente as despesas obrigatórias constitucionais.
Alémdisso, o Ministério da Fazenda anunciou que vai repassar recursos dofundo social do pré-sal para estados e municípios a partir de 2020.Esse percentual atualmente corresponde a cerca de R$ 17 bilhões. A iniciativa do governo mostra sinais de disputa entre a Petrobras e o governo federal sobre os recursos excedentes a cessão onerosa. Em2010, a Petrobras assinou um acordo de R$ 74,8 bilhões com a União para a exploração de cinco bilhões de barris de petróleo na Bacia de Santos; com o desenvolvimento do pré-sal estima-se que a área cedida para a Petrobras tenha mais seis bilhões de barris, a União pleiteia receber os valores desse excedente, mas há disputas entre as partes sobre qual deve ser o valor desse novo pagamento.
Em 26/03, o ministro da Economia Paulo Guedes participou da reunião extraordinária do Fórum de Governadores no Palácio do Buriti.Estavam presentes os governantes das 27 unidades federativas do país.Para o governo federal, o principal objetivo da participação no encontro foi buscar apoio dos governadores para emplacar a reforma da Previdência Social utilizando como moeda de troca as transferências de recursos da União. Além dos recursos do pré-sal, foi promessa do Ministério da Economia a elaboração pelo governo federal de um plano de recuperação fiscal dos estados em trinta dias.Posteriormente o texto do plano precisará passar pela apreciação do Congresso Nacional.
Análise Crítica
Logo nos primeiros dias de 2019 o Bioma Amazônico passou a sofrer as consequências das ações e ideário de desrespeito ao meio ambiente do atual governo. Grande parte do desmatamento na Amazônia se dá atualmente em áreas privadas, dedicadas ao agronegócio, como soja,café e pecuária. Estas áreas foram responsáveis por 67% deste desmatamento de 2019. Em torno de 21% do desmatamento se deu em assentamentos, que por desamparo do poder público vem sofrendo nos últimos anos com violências, invasões e grilagens de terra. No Assentamento Virola-Jatobá (PA), por exemplo, que é vizinho ao Assentamento Esperança (PA), onde a missionária Dorothy Stang foi assassinada, cerca de 160 famílias assentadas já denunciaram que desde 2017 grileiros, madeireiros e fazendeiros ilegais já se tornaram maioria no local. Eles os ameaçam e destroem suas produções, além de desmatar e lotear ilegalmente a terra.Levanta-se a preocupação também com a proporção de desmatamento ocorrida neste ano em Terras Indígenas (7%) e Unidades de Conservação (5%), cada vez mais invadidas também para exploração mineralógica, madeireira e agropecuária.
As mudanças que o governo Bolsonaro pretende fazer no Ibama afetarão aautonomia dos técnicos e flexibilizarão a aplicação de multas por crimes ambientais no país. A criação do núcleo com apenas três integrantes significará um colapso na repressão aos crimes ambientais, uma vez que será impossível esses poucos técnicos avaliarem um volume próximo a 16 mil atuações anuais. O descaso com os crimes ambientais na gestão de Bolsonaro já mostra fortes indícios. No início de 2019, o Ibama aplicou a menor quantidade de multas desde 1995. Obviamente as infrações contra o meio ambiente não foram reduzidas no período. No primeiro bimestre foram aplicadas 119 multas, enquanto que em 2018, 2017 e 2016 as multas foram correspondentes a 1.581, 1.630 e 1.810, respectivamente.
A questão da retirada de recursos destinados à saúde indígena causa preocupação para as comunidades tradicionais. Uma das propostas doatual ministro da Saúde, Luiz Mandetta, é deixar o atendimento desta população a cargo dos municípios e dos estados. Isto impõe mais um desafio aos indígenas, pois, além das aldeias que ficam em locais remotos, as demais também não costumam se localizar próximo ao centro das cidades. Isso somado às péssimas condições de transporte público no país, em geral, dificultará muito o acesso dos indígenas doentes ao atendimento de saúde. Esta proposta do novo governo se soma às demais de pressão sobre as terras e cultura indígena. O povo indígena parece estar sendo atacado politicamente de todas as formas possíveis. Em meio a diversos protestos realizados pelos povos indígenas, o governo estuda repensar a questão.
Quanto ao desenvolvimento regional, o encontro dos governadores da região Nordeste mostrou que parcela dos entes federativos não está alinhada com a pauta que o governo federal busca emplacar no Congresso Nacional. Os governadores nordestinos emitiram posição coletiva contra a Reforma da Previdência, pela defesa do Estatuto do Desarmamento e contra a desvinculação das receitas frente às despesas obrigatórias constitucionais. No documento, os governadores, posicionam-se “em defesa dos mais pobres, tais como beneficiários da Lei Orgânica da Assistência Social, aposentados rurais e por invalidez, mulheres, entre outros, pois o peso de déficits não pode cair sobre os que mais precisam da proteção previdenciária”, assim como apontam insatisfação com a propostade “desconstitucionalizar a Previdência Social, retirando da Constituição garantias fundamentais aos cidadãos”. Por outro lado, o governo federal busca apoio dos governadores e prefeitos para emplacar a reforma da Previdência utilizando como moeda de troca a elaboração de um plano de recuperação fiscal dos estados, bem como os recursos provenientes do fundo social do pré-sal para os demais entes federados.