Relatório sobre Ciência e Tecnologia – Março/19

  1. FATOS RELEVANTES:

O mês de março não trouxe novidades em relação à área de Ciência, Tecnologia e Inovação – CT&I, constata-se uma redução drástica dos recursos executados pela área e a assinatura do Acordo de Alcântara, cujos termos ainda são desconhecidos.

Não há nenhuma discussão acerca da exclusão do setor de Comunicação da Pasta. Tampouco se discute sobre a liberação das ações do ministério da Emenda Constitucional 95 (“Teto de Gastos”). Também não estão sendo debatidos outros temas, como a recuperação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT- por via do retorno do Fundo Setorial do Petróleo (CT-Petro) ao MCTI(C)/Finep – ou a reinserção do impedimento de limitação de empenho das rubricas de CT&I na Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 9, § 2º, LRF). Os debates preexistentes sobre a ampliação do número de Fundos Setoriais, a exemplo de novos, como o Fundo Setorial Social (CT-Soc), o Financeiro (CT-Fin), o da Construção Civil (CT-CC), propostas já pautadas e defendidas no ministério, não são cogitadas.

A execução orçamentária e financeira segue o caminho traçado a partir de 2014, ano que desencadeia uma redução abrupta do orçamento de CT&I. A Lei Orçamentária em curso (2019) é conta do governo Temer/Kassab, então ainda não há o que se cobrar muito. Entretanto, já com o texto do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) a ser enviado ao Congresso Nacional até 15 de abril, será possível ter noção de como serão tocadas as metas e prioridades da administração da Pasta e, fundamentalmente, qual será a fatia de CT&I no projeto de Lei Orçamentária para 2020, a ser enviado em agosto.

Nada de novo será apresentado em relação a CT&I se for mantido o curso da execução orçamentária atual(1). Para avaliação, comparamos o valor empenhado no FNDCT (UO 24901) e MCTI(C) (UO 24000) nos meses de janeiro e fevereiro de 2019 com o mesmo período de 2010 (diferença de nove anos). A seguir, atualizamos o valor de 2010 para 2019 pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), calculado pela FGV.

Os investimentos vêm caíndo. Em 2019, entre janeiro e fevereiro, foram investidos R$ 357,9 milhões no FNDC, o que equivaleria em valores de hoje a R$ 623,4 milhões. Porém, entre janeiro e fevereiro de 2019, só foram executados R$ 141,7 milhões, ou seja, o equivalente a apenas 39,6% do total empenhado no mesmo período em 2010. Quando corrigimos esses valores pela inflação, a diferença fica ainda maior, e o valor investido atualmente fica em 22,7% do que foi em 2010. Ou seja, nestes primeiros dois meses de 2019 o FNDCT reservou dotação orçamentária e consequente obrigação de pagamento pelo Estado de escassos 39,2% do que havia previsto em 2010, nove anos já passados. Corrigido para 2019 o número piora: tão somente 22,7% do valor de 2010.

No MCTI(C) todo, sem correção monetária, os valor se aproximam. Inobstante realizado nove anos antes, o valor de 2010 (R$ 887,5 milhões) significou 63,7% do total de 2019 (R$ 1,4 bilhão) para os meses de janeiro e fevereiro acumulados. Em valores reais, atualizado 2010 para 2019 (R$ 1,5 bilhão), o valor empenhado nestes meses iniciais de 2019 significou 90% do de 2010.

A novidade no setor é a esperada assinatura do Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST) com os Estados Unidos para implantação do sítio e aval para lançamento de veículos lançadores de satélites, não duais, a partir da base de Alcântara.

  1. MEDIDAS PROPOSTAS:

Tirante o AST assinado com EUA, em relação a CT&I, continua a Pasta sem quaisquer novidades. Sobre este Acordo, aliás, já comentamos no relatório de fevereiro . É importante recordar, posto que não é conhecido o texto, que continuamos com as mesmas dúvidas.

Ficaremos amalgamados, manietados a um Acordo que impeça o desenvolvimento e assunção de tecnologia de lançamento de satélites, operação e construção de foguetes, sob a falsa conversa da dualidade do conhecimento, ou o conhecimento tecnológico e o resultado comercial serão compartilhados?

Inobstante, é fundamental que o AST preveja a inserção das comunidades quilombolas da região de Alcântara no processo de estruturação, operação do sítio e desenvolvimento tecnológico advindo da instalação do Centro de Lançamento. Esta condição deve vir expressa no corpo do Acordo, caso contrário serão inúteis discussões com as comunidades, assim como a expectativa de inserção desta população no resultado econômico e absorção de conhecimento para trabalharem nos serviços diretos e indiretos gerados pelo parque espacial.

Paralelamente, deverá o compromisso de instalação do Centro ser acompanhado da titulação e consequente regularização das terras. A propriedade da terra permitirá às comunidades, ademais, seu o desenvolvimento econômico e social locando terras para o projeto. Como base do Acordo, além da permissão para uso das fontes de receita advinda da operação para o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, administrado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), conforme divulgado extraoficialmente, é fundamental, igualmente, que os resultados financeiros possam, sim, ser utilizados no desenvolvimento e construção de foguetes nacionais.

Se as devidas medidas não forem tomadas, o discurso da dualidade do conhecimento servirá apenas para manter a dependência tecnológica e comercial do grande produto que envolve bases espaciais, qual seja, a produção e lançamento de foguetes. Usar o argumento que o conhecimento é dual, podendo ser utilizado pelo Brasil para fins militares (bélicos), é apenas um engodo histórico que nos restringe a depender eternamente de transferência tecnológica sem poder adquirir conhecimento em várias áreas, não somente espacial.

Não menos importante, resta estar intrínseco ao projeto a obrigatoriedade de instalação, pela parte estadunidense, de um Centro de Pesquisa Espacial na região, instituto de conhecimento a ser operado e gerido por brasileiros e estadunidenses e financiada sua manutenção e custeio, após início das operações, com rubricas binacionais, e depois pelos resultados do próprio negócio. Trata-se de contrapartida importante a ser atribuída aos parceiros pelo uso da privilegiada área.

As condições deste projeto estão lançadas. Podem ser boas para população local, para o Estado e para o País, ou, na contramão, a repetição do embuste tentado com o Acordo frustrado de 2000.

As listas de produtos negociados (trânsito de pessoas, tecnologia, população quilombola, infraestrutura na cidade de Alcântara, conhecimento compartilhado, instalação de centro de pesquisa, aplicação dos recursos gerados e as próprias salvaguardas tecnológicas reservadas aos detentores da base do conhecimento e patentes, quais sejam os estadunidenses), assim como com as respectivas concessões outorgadas por cada um dos parceiros é que vão definir o resultado, para bem ou para o mal.

ANÁLISE CRÍTICA:

Sem muitas novidades, CT&I concentra nossas discussões do mês sobre dois assuntos: 1) a assinatura de um draft, um rascunho desconhecido, do AST, por Brasil e Estados Unidos sobre a utilização da Base de Alcântara para lançadores de aparelhos espaciais; e 2) como exemplo e demonstração, inobstante período curto, do processo contínuo de redução, a execução orçamentária da Pasta, no período de janeiro e fevereiro de 2019, frente ao mesmo período de 2010.

Sobre Alcântara depositamos esperança de que as partes tenham proposto um Acordo pautado pelo equilíbrio nos produtos, negócios e formato de realização. O descompasso, privilegiando a parte norte-americana poderá fazer naufragar, novamente, o projeto, já no Congresso Nacional.

Sobre o orçamento, um horrenda constatação. Sua desidratação, nos últimos cinco anos, notadamente, vem provocando um acelerado desemprego na classe que mais representa e traz resultados para CT&I de qualquer país: mestres e doutores. Segundo pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CGEE), Organização Social do MCTI(C), enquanto a taxa de desocupação de mestres e doutores gira em torno de 2% no mundo, no Brasil o desemprego destes chega, em média, a 25%. Tomados somente mestres o percentual chega a 35%. Na forma expressa pelo professor Silvio Meira, da UFPE, “o Brasil está formando mestres e doutores para o desemprego”.

Nota
1  Fonte: Sistema SIGA (Senado Federal)

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