Relatório sobre Democracia – Março/2019
Publicado 01/04/2019 - Atualizado 02/04/2019
Considerações gerais
Os primeiros 100 dias do governo Bolsonaro na área da Comunicação podem ser analisados a partir de duas perspectivas: a ausência de políticas para a área e os ataques à liberdade de expressão.
A primeira constatação pode ser confirmada pelo documento entregue pela Casa Civil sobre as 35 prioridades para os 100 primeiros dias de governo. Entre as metas do Ministério da Ciência, Tecnologia, Informática e Comunicação não há nenhuma voltada para a área da Comunicação. Apenas nas metas da Secretaria de Governo da Presidência aparece a reestruturação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que na prática significa terminar o processo de desmonte da comunicação pública já iniciada no governo Temer.
O segundo aspecto pode ser medido pelas ações e declarações do presidente Jair Bolsonaro e outros membros do governo de perseguição a jornalistas e a meios de comunicação. Também por medidas e propostas de caráter autoritário e que institucionalizou a censura e a violação da liberdade de expressão como política.
Fato/Análise crítica
Ataque à liberdade de imprensa e ameaça a jornalistas – O tratamento dispensado por Bolsonaro aos jornalistas durante a sua posse – confinando profissionais da comunicação por horas em um sala fechada, sem comida e banheiro, além de ter sido um profundo desrespeito à uma categoria profissional, restringiu o trabalho da imprensa, flertando com a censura. Profissionais não tiveram acesso às autoridades e a espaços estratégicos para a cobertura jornalística, com o claro objetivo de tentar controlar o que poderia ser dito sobre o novo governo.
Os ataques de Bolsonaro e seus filhos à jornalista Constança Resende, que teve áudio vazado e manipulado, é outro episódio recente de como o governo usa de ameaças e violência para tentaram censurar a imprensa.
A ação judicial movida pela EBC contra a ex-presidenta do Conselho Curador da EBC, Rita Freire, também está entre as tentativas de censura promovidas pelo governo. A jornalista mantém um site com a memória do conselho curador cassado para impedir que o conteúdo produzido desapareça da história.
O desrespeito ao direito à comunicação se dá, também, quando um integrante do governo se nega a prestar esclarecimento sobre suas ações e agenda, como fez Sérgio Moro ou ser questionado por meio da Lei de Acesso a Informação sobre uma reunião com a Taurus. Moro usou o “direito à privacidade” para não responder à solicitação, desrespeitando a lei e o direito à informação.
Desestruturação do Ministério das Comunicações – A fusão do Ministério da Comunicação com o Ministério da Ciência e Tecnologia no governo Temer foi alvo de críticas por parte de muitos setores. A manutenção dessa estrutura no governo Bolsonaro, com a indicação de Marcos Pontes para dirigir a pasta, em certa medida alterou o cenário deste ministério, colocando a comunicação como tema secundário.
Além disso, é importante olhar para as nomeações feitas para o segundo e terceiro escalão das secretarias ligadas à Comunicação dentro do ministério. Um exemplo é a nomeação de Elifas Gurgel para a Secretaria de Radiodifusão.Gurgel é um militar da reserva, com experiência em comunicações e tecnologia de informação de órgãos militares. Se vista no contexto de várias outras medidas e manifestações do governo (MP 870/2019, pacote anticrime, entre outras), a nomeação de Gurgel deixa claro a política de controle e vigilância que pretende se imprimir às comunicações no país.
Ataque á comunicação pública – Empresa Brasil de Comunicação: A restruturação da EBC proposta pelo governo Bolsonaro é, na verdade, a total desestruturação do caráter pública da empresa criada em 2008. Entre as medidas que foram anunciadas para a “nova EBC” estão a unificação entre a NBr e a TV Brasil que terá uma programação de ‘viés governamental’ como dito pelo próprio Secretário de Governo. Deve haver, também, a extinção de emissoras da rádio e da concessão da EBC no Maranhão.
Ao dar este passo, o governo acaba com de uma vez com todo o projeto de construção de uma rede pública, que estava sendo alinhavada entre a EBC e as outras emissoras públicas estaduais.
A Agência Brasil, que ainda conseguia ter um caráter um pouco mais amplo, apesar da censura contra os jornalistas, o assédio e a mudança substancial na sua linha editorial desde a intervenção iniciada no governo Temer, deve ser completamente capturada para deixar de ser uma agência de notícias e passar a ser uma agência de propaganda das ações do governo.
Ofensiva contra as Rádios Comunitárias: A perseguição contra as rádios comunitárias se coloca com ainda mais força neste novo cenário. Já no dia 31/12/2019, numa negociação entre o ex-ministro Gilberto Kassab e a equipe de transição, foram publicadas no diário oficial mais de 130 portarias cancelando concessões de rádios comunitárias em todo o país. E já se tem informações de que o atual ministro deverá ampliar o número de rádios extintas, além de endurecer o processo para a concessão de novas outorgas.
Telecomunicações: Neste campo continua a batalha contra a aprovação pelo Senado do PLC 79 que altera a Lei Geral de Telecomunicações em vários aspectos, entre os quais acaba com o modelo de concessões para a exploração dos serviços, transformando tudo em autorização e, consequentemente, muda o regime de prestação destes serviços, colocando todos no regime privado. Isso reduz a capacidade de regulamentação do Estado, em particular nos aspectos de modicidade tarifária, continuidade e metas de universalização. A proposta não tem origem neste governo, mas o atual ministério e outros membros do governo já trabalham no Senado para garantir a aprovação da Lei.
Ainda com relação à prestação de serviços de telecomunicações, o ministro Marcos Pontes manifestou em declaração à imprensa que deve retomar a discussão sobre a adoção do modelo de franquia de dados na oferta dos serviços de Banda Larga no país, medida que, se adotada, afetará negativamente o acesso à internet para milhões de brasileiros.
Satélite Geoestacionário: Não há, até o momento, nenhuma manifestação do ministro Marcos Pontes nem de outro integrante do governo sobre qual medida será adotada para colocar em funcionamento o satélite geoestacionário que deveria cumprir o objetivo de levar internet banda larga para regiões sem acesso à serviços de banda larga no país, como a região Norte.
Internet: Nesta área o que desponta são as movimentações de setores do governo para ampliar a vigilância em massa das pessoas a partir da coleta e tratamento de dados pessoais pela internet. A discussão em torno dos vetos do ex-presidente Temer à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais está em curso no Congresso, e entre os aspectos principais está a definição de como será o desenho institucional do órgão que deverá ficar responsável por acompanhar a implementação da lei e fazer a fiscalização. Originalmente pensada para ser uma autoridade independente – vetada por Temer – o que se constrói agora a partir do governo é uma tentativa de criar uma estrutura subordinada ao Ministério da Justiça. Sérgio Moro tem todo o interesse neste assunto, tanto é que o tema de sua agenda com os dirigentes da CIA, nos Estados Unidos, foi a possibilidade de fazer um acordo com a agência norte-americana para que o governo brasileiro possa acessar dados de cidadão que possuem contas em plataformas como Facebook e Google sem a necessidade de ordem judicial, o que passa por cima tanto de legislações nacionais como o Marco Civil da Internet, quanto dos tratados internacionais.