De olho na política de desmonte ambiental do governo Bolsonaro
Mudanças nos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente promovidas neste início de governo favorecem a exploração dos recursos naturais em detrimento da proteção ambiental
Publicado 19/02/2019 - Atualizado 19/02/2019
FATOS RELEVANTES E MEDIDAS DO GOVERNO
Sustentabilidade ambiental e politica agrária
No artigo 39 da MP870/2019, o governo Bolsonaro transferiu o serviço florestal brasileiro do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para o Ministério da Agricultura (MAPA) e a também a atribuição de gestão das florestas públicas. A MP 870/2019 transferiu do MMA para oMinistério de Desenvolvimento Regional a responsabilidade da política nacional de recursos hídricos e da Agência Nacional de Águas (ANA) pelo decreto nº 9.660. A MP também extinguiu do MMA a área que trata das condições climáticas, que inclui a Comissão Nacional de Combate à Desertificação.
A mudança ministerial de Bolsonaro favoreceu o lobby do agronegócio. O MAPA passa a contar com sete secretarias, que possibilitam aos grandes proprietários rurais ampliar o acesso à terra, ao crédito, à irrigação, ao uso de agrotóxico e a expansão do mercado externo.Além do MAPA, coordenado pela ministra Tereza Cristina(ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e defensora do uso de Agrotóxicos), os ruralistas também ocupam o primeiro escalão do Ministério do Meio Ambiente (Ricardo Salles) e do Ministério de Relações Internacionais (Ernesto Araújo) – ambos defensores do agronegócio e da redução das áreas de proteção ambiental.
O artigo 21 da MP870/2019 transferiu para o MAPA as funções de demarcação de terras indígenas e de titulação de quilombolas, que nos governos anteriores eram atribuições do Ministério da Justiça e da Casa Civil, respectivamente. O governo defende a medida ao mencionar a necessidade de exploração econômica das terras e a integração dos indígenas na sociedade.
O crime ambiental de Brumadinho trouxe para centralidade da pauta política a discussão sobre a questão ambiental, até então deixada em segundo plano pelo atual governo. O rompimento da barragem ocorrida na planta de mineração de ferro da empresa Vale já deixou 166 mortos e 155desaparecidos até esse momento (atualização). As medidas sugeridas pelo governo Bolsonaro visam favorecer as mineradoras. Antes do crime ambiental de Brumadinho/MG, as propostas divulgadas por Bolsonaro eram de flexibilizar o licenciamento ambiental para as atividades extrativistas, diminuir a fiscalização de empresas mineradoras e eliminar os órgãos de controle ambiental. No mesmo caminho, o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, chegou a defender um licenciamento ambiental simplificado e autodeclaratório que responsabilizaria as pessoas físicas responsáveis pelos laudos e não as mineradoras.
Vale mencionar que Ricardo Salles foi condenado em primeira instância em 2018 por improbidade administrativa, quando era secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, num processo sobre a alteração de mapas da várzea do Rio Tietê que beneficiou uma empresa mineradora.
O MAPA liberou o registro de novos produtos comerciais com agrotóxicos para fins comerciais – medida publicada no Diário Oficial da União de10/01/2019. A permissão envolve a liberação da comercialização de substâncias como o metomil e o imazetapir, ambas utilizados na produção agroindustrial. A quantidade de agrotóxicos na soja proveniente do Brasil é tão elevada que o Serviço Federal de Vigilância Veterinária e Fitossanitária da Rússia poderá proibir temporariamente a importação. A Comunidade Europeia também declarou a possibilidade de restringir a importação de soja brasileira.
Desenvolvimento regional e territorial
Oficialmente, a situação de calamidade financeira ocorre quando as dívidas de umente federativo ultrapassam 200% suas receitas. Em 2018, quatro estados da federação (Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e Roraima) já decretaram situação de calamidade financeira. Eles se juntam aos três que já o tinham feito em 2017: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O posicionamento do governo Bolsonaro frente à dívida dos estados se baseia no desequilíbrio entre declarações genéricas do presidente: “a dívida interna do Brasil não é impagável, mas precisaria ser renegociada”,“dá para você pagar isso daí se você tiver um bom ministro da Economia, como temos o Paulo Guedes” e as do próprio Ministro“está fora de questão renegociar a dívida”. Em reunião do dia16 de janeiro entre o presidente, o ministro e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, para tratar das dívidas do estado, o caminho indicado ao governador foi privatizar, reformar a Previdência estadual e impor um teto de gastos públicos ao estado ainda mais restritivo.
ANÁLISE CRÍTICA
A primeira versão da reestruturação ministerial contemplava a extinção do MMA, mas para evitar desgastes com os ambientalistas, o governo Bolsonaro optou por mantê-lo, restringindo suas principais funções. As medidas causaram fragmentação da política ambiental e retiraram do MMA os instrumentos necessários para uma atuação articuladora e integradora para a sustentabilidade do meio ambiente. A consequência possível será o aumento do peso dos ruralistas na definição das políticas públicas, enfraquecendo a pauta ambiental.
O perfil dos cargos dirigentes do MAPA revela o peso de representantes do agronegócio. Além do MAPA, observam-se a defesa dos mesmos interesses nos ministérios do Meio Ambiente e de Relações Internacionais. As consequências podem colocar em xeque a base da sustentabilidade ambiental recém-constituída no país, assim os ruralistas podem influenciar na saída do Brasil dos principais acordos internacionais sobre o meio ambiente, ministrar a favor da exploração irrestrita da Amazônia, na flexibilização da lei que institui as Unidades de Conservação e na flexibilização de
regras de licenciamento ambiental e de fiscalização.
A comunidade indígena se mostrou contrária à medida a MP 870/2019principalmente por subordinar os povos indígenas e quilombolas aos interesses do agronegócio em caso de disputas por terras. Somam-se a esse cenário as declarações de Jair Bolsonaro favoráveis à exploração econômica dos recursos naturais em terras indígenas,da necessidade de integração dos índios na sociedade, assim como a ideia de as demarcações de terras ferirem a soberania nacional por possuírem suas próprias regras.
Para evitar desastres ambientais como o de Brumadinho e Mariana, o Estado brasileiro deve adotar medidas de maior rigidez na legislação ambiental e na avaliação dos riscos de barragens, considerando um licenciamento ambiental que realmente elimine os riscos. Essas medidas precisam ser acompanhadas de protocolos de segurança, rigidez na fiscalização das mineradoras e do empoderamento dos órgãos de controle ambiental. Além disso, as empresas de mineração que atuam no Brasil não podem se ausentar de realizar investimentos substanciais na manutenção e alterações de suas plantas.
A ampliação do uso de agrotóxicos afetará a saúde dos brasileiros e a produção de alimentos saudáveis, bem como enfraquecerá as políticas públicas tradicionais voltadas à produção de alimentos orgânicos como alternativa de produção sustentável nos princípios da agroecologia.
A consequência do endividamento estadual é o impedimento de acessar novos financiamentos, dificultando os investimentos em infraestrutura e a capacidade de arcar com despesas custeio. A solução para a dívida fiscal dos estados apontada pelo governo Bolsonaro circula entre privatizações, reformas previdenciárias e imposição de teto de gastos aos estados. Em 2017, o governo Temer também impôs medidas restritivas que se mostraram ineficazes, com aumento da dívida líquida em 20,2%. Medidas práticas para gerar emprego e renda,aumentar a arrecadação e aperfeiçoar o planejamento financeiro não parecem ter entrado no radar de soluções do governo federal.