Semi-estagnação e incerteza: o balanço de 2019

Em dezembro de 2019, quando a grande mídia alardeava resultados parciais como prova de que a economia brasileira tinha finalmente voltado a crescer, escrevemos, para este mesmo veículo, pequena análise que defendia uma perspectiva contrária. Agora, iniciado 2020, cabe não só fazer um balanço do que foi 2019, como perguntar se é possível que esperemos, para 2020, que a economia cresça e que deixe para trás o período de seu pior desempenho. Para essa tarefa, vamos, algumas vezes, retomar parte do que dissemos em dezembro passado.

Mais uma vez o Brasil encerrou o ano com um crescimento pífio. Segundo estimativa divulgada pelo Banco Central, em 19/12/2019, a economia brasileira teria crescido 1,2%. Saberemos se isso irá se confirmar quando da divulgação dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É preciso lembrar que a queda acumulada do Produto Interno Bruto (PIB), em 2015/2016, foi da ordem de 7%, de modo que a o “crescimento” de 2017, 2018 e 2019 (pouco acima de 1%) não só fica longe de situar a economia em seu patamar de 2016, como indica algo inédito em seu desempenho, que a recuperação esteja sendo extremamente lenta. E essa situação de semi-estagnação, tal como dissemos em outro artigo, nos coloca em consonância com o que ocorre no resto do mundo desde, pelo menos, a crise de 2007/2008, com raras exceções. A economia, na melhor das hipóteses, se arrasta.

Se a estimativa do Banco Central se confirmar, o desempenho terá sido pior do que em 2017 (1,3%) e levemente superior a 2018 (1,1%). Como resultado, teremos um PIB per capita 7% menor do que em 2014. Em outras palavras, o país está produzindo em nível próximo ao que fazia em 2012, abaixo, portanto, de seu desempenho no período pré-crise. Para esse resultado, contribui sobremaneira a política de extrema austeridade adotada com relação ao gasto público, o que impede que o setor estatal estimule a economia. Lembremos que, em 2018, o investimento total, público e privado, foi o menor em 50 anos; realidade que não se alterou ao longo de 2019. Vale lembrar que tanto a reforma das relações capital / trabalho quanto a das pensões, realizadas no governo Temer e Bolsonaro, respectivamente, foram “vendidas” como condição para a retomada do crescimento da economia, pois reverteriam o quadro de incerteza dos negócios.

No plano do emprego, a situação é ainda pior. Esse “arrastar” da economia brasileira, caracterizado por um desempenho de semi-estagnação, ocorre num quadro de elevado desemprego e de aprofundamento da precarização do trabalho. Embora o desemprego tenha diminuído um pouco, o ano registrou uma taxa média de 11,9%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo IBGE (2020) de modo que 12,6 milhões de trabalhadores estiveram excluídos do mercado de trabalho. A melhora na taxa de desemprego (12,3% em 2018) foi acompanhada da piora da situação daqueles que estiveram ocupados em 2019, pois a informalidade atingiu 41,1% da população ocupada, o equivalente a 38,4 milhões de pessoas, o maior contingente desde 2016.

Isso significa que a maioria do emprego gerado em 2019 foi criado exatamente na informalidade, isto é, em ocupações de baixa remuneração e que não garantem ao trabalhador direitos sociais e trabalhistas. Essa situação é ainda mais agravada quando se considera a subutilização, os desalentados (aqueles que desistiram de procurar ocupação) e a presença do desempregado de longa duração: no último trimestre de 2019, dos 94,6 milhões de ocupados, 26,2 milhões estavam subutilizados, os desalentados compreendiam 4,6 milhões de pessoas e os desempregados a mais de dois anos perfaziam cerca de 3 milhões.

O resultado dessa situação é o aumento da pobreza no país. O número de pessoas vivendo com R$ 145,00 mensais, considerados miseráveis, é estimado em 13,5 milhões de pessoas, contingente que tem aumentado desde o início da crise, em 2015. Essa pobreza está presente nas ruas de qualquer cidade brasileira, mas ganha uma dimensão enorme nas megalópoles do país. O Censo da Situação da População de Rua, estima que, na cidade de São Paulo, o número de pessoas vivendo nas ruas é de 24.344, registrando um aumento de 53% em relação a 2015, ano em que a crise econômica teve início (queda do PIB de 3,5%). E para os movimentos que trabalham com a população em situação de rua, esse número seria ainda maior, dado considerarem que a metodologia utilizada para contagem apresenta alguns problemas.

O ano de 2019 também foi aquele que registrou a maior saída de dólares dos últimos 38 anos. Segundo o Banco Central (BACEN, 2020), com dados até meados de agosto, os investidores haviam retirado US$ 62,24 bilhões da economia brasileira, sendo US$ 44,5 bilhões da Bolsa de Valores de São Paulo. Essa retirada da Bolsa foi a maior desde a crise de 2008. Para isso, contribuiu as expectativas negativas quanto ao desempenho da economia mundial e as tensões entre os Estados Unidos e a China. Em agosto, dado a desvalorização acentuada do Real, pela primeira vez desde a crise da subprime de 2009, o governo Bolsonaro vendeu dólares de suas reservas. No ano, o governo reduziu em US$ 17,8 bilhões o estoque de reservas internacionais, posto que a retirada de capital não melhorou nos meses que se seguiram a agosto, tal como se pode ver no Gráfico 1.

Gráfico 1

Fonte: Brasil, 2020

O quadro de incertezas afetou tanto a conta de Transações Correntes como a Conta Capital no Balanço de Pagamentos. As Transações Correntes registraram um déficit de US$50,8 bilhões (2,76% do PIB), superior ao do ano anterior, US$41,5 bilhões (2,20% do PIB). No caso da Balança Comercial, embora ainda superavitária, em US$ 46,7 bilhões, foi 19,6% inferior a 2018, acusando redução tanto da exportação como da importação. Nas exportações, o destaque ficou por conta da queda dos produtos manufaturados, cujo comprador, a Argentina, reduziu a importação em 35,6%.

Na conta Capital, não houve alteração substantiva no Investimento Direto no País (IDP), que acusou, no acumulado do ano, pequena expansão. O ingresso líquido de IDP totalizou US$78,6 bilhões (correspondendo a 4,27% do PIB), valor próximo aos US$78,2 bilhões registrados em 2018 (4,15% do PIB). A manutenção do nível dessa conta é, num certo sentido, indicativa das dificuldades que o governo tem dito em efetivar seu programa de privatização, cujo objetivo é passar para o setor privado o que ainda resta de estatal no país, da exploração do pré-sal, bancos públicos e até parques e presídios. Já o afluxo de capital destinado a instrumentos de portfólio negociados no mercado, teve, como indicado acima, trajetória bem diversa. Segundo o Banco Central, em 2019, ocorreram saídas líquidas de US$7,6 bilhões, compostas por US$3,6 bilhões em ações e fundos de investimento, e de US$ 4 bilhões em títulos de dívida. A evolução mensal dessa conta pode ser vista no Gráfico 1.

No curto prazo, não há perspectiva de melhora da situação econômica brasileira. A aposta nas políticas ultraliberais, ao contrário do que era expresso por seus defensores, têm provocado a situação de sua semiparalisia. Para isso concorrem, de um lado, redução da presença do Estado em todos os níveis, do investimento às políticas sociais, provocada pelo congelamento dos gastos por vinte anos. De outro, o setor privado que atua em quadro de incertezas dado pelo cenário econômico e político internacional, e que tem, cada vez mais, a possibilidade de ampliar seu capital via “investimentos” em capital fictício, principalmente na compra de ações e títulos no mercado secundário. Como vimos, os efeitos dessa situação sobre a reprodução da vida têm sido enormes.

Referências

BACEN. Estatísticas do Setor Externo – Nota para a imprensa. Banco Central do Brasil, 27/01/2020. Disponível em https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/Documents/Estatisticas_mensais/Setor_externo/Nota%20para%20a%20imprensa%20-%20Estat%C3%ADsticas%20Setor%20Externo.pdf Acesso: 02/02/2020.

IBGE. Desemprego cai para 11,9% na média de 2019; informalidade é a maior em 4 anos. Rio de Janeiro, IBGE, 2020. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26741-desemprego-cai-para-11-9-na-media-de-2019-informalidade-e-a-maior-em-4-anos. Acesso: 02/02/2020.

Rosa Maria Marques é membro dos Grupos de Trabalho da Clacso Integración Regional e Seguridad Social e professora titular da PUC-SP.

Marcelo Depieri é professor da Universidade Paulista (Unip).

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