Desonerações e estímulo ao crédito com depósitos de recursos na Justiça do Trabalho

Ministro Paulo Guedes: mudança da regra da Justiça do Trabalho poderá liberar R$ 65 bilhões de depósitos recursais trabalhistas para serem oferecidos como crédito para as empresas via bancos. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Fatos relevantes e medidas de governo

O governo federal estima abrir mão de R$ 331,2 bilhões de arrecadação no ano que vem por conta de renúncias tributárias. O valor – equivalente a 4,35% do Produto Interno Bruto (PIB) – foi enviado ao Congresso Nacional pela Receita Federal para compor o Orçamento do ano que vem e significará um aumento de 8,09% em relação ao gasto tributário de 2019.
Com o objetivo de estimular o crédito para capital de giro das empresas, o Ministério da Economia estuda uma proposta de mudança numa regra da Justiça do Trabalho liberando R$ 65 bilhões que atualmente estão parados na forma de depósitos recursais.

O preâmbulo de uma resolução publicada pelo Conselho do PPI anuncia que o governo pretende estimular o transporte de cabotagem no país, hoje restrito a empresas nacionais, abrindo o setor para embarcações estrangeiras e, assim, ampliar a competição e reduzir os preços. Diz o texto: “o transporte aquaviário de cargas é comparativamente mais eficiente, seguro e apresenta menores custos e impactos ambientais que o modal rodoviário ou ferroviário”. (…) a maior participação do transporte por cabotagem “é a medida mais eficaz e célere para equilibrar os dis- pêndios excessivos da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios em projetos de infraestrutura rodoviária e ferroviária”. Se de fato for adiante, essa medida deve tensionar ainda mais a relação do governo com os caminhoneiros.

A Proposta de Lei Orçamentária (Ploa) de 2020, encaminhada pelo governo para o Congresso Nacional prevê a redução de 41% nas verbas do programa “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV), o que equivale a um corte de R$ 1,9 bilhão. Se aprovada, apenas R$ 2,7 bilhões serão destinados ao programa no ano que vem. De 2009 a 2018, a média anual orçamentária do MCMV foi de R$ 11,3 bilhões.

Por conta da queda das vendas para o mercado interno no último mês de agosto (-2,3%) e ainda em razão da forte contração 34,7% das exportações para a Argentina (comparado ao mesmo mês de 2018), a produção de veículos caiu 7,3% em agosto e o número de empregados no setor diminuiu 4%, ambos na comparação com o mesmo mês do ano passado.

O Ministério da Economia anunciou que prepara proposta de venda das empresas da União que detêm dados cadastrais da população brasileira (Serpro e Dataprev). Só no ano passado, o Serpro teve uma receita líquida de R$ 2,7 bilhões, e a Dataprev, de R$ 1,26 bilhão. A primeira possui cerca de 9.100 funcionários concursados, a segunda, 3.400. No mercado, juntas, as empresas têm o valor estimado de seis bilhões de reais, sem considerar o valor das informações que armazenam.

A despeito de seu discurso radicalmente privatista, do deliberado encolhimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do crescente abandono das funções públicas do Banco do Brasil e da Caixa, o governo anunciou que pretende criar um banco estatal para financiar o setor de defesa. Por estranho que pareça, a proposta inclui aportes do BNDES no novo banco.

Está em discussão no governo a possibilidade de acabar com o monopólio da Caixa Econômica Federal sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Pela regra atual, a Caixa recebe 1% dos aportes do fundo para gerenciar os recursos, que, no ano passado, alcançaram R$ 5,1 bilhões.
O Parlamento da Áustria rejeitou o acordo UE-Mercosul, o que poderá bloquear uma ratificação unânime no Conselho Europeu, inviabilizando o acordo. A postura brasileira sobre as queimadas na Amazônia foi uma das questões que geraram críticas ao pacto.

O governo descontingenciou R$ 12,5 bilhões do orçamento de 2019, evitando o risco iminente de apagão operacional em vários ministérios. A medida veio acompanhada de uma revisão na estimativa de gastos com servidores na União, cujo valor estava estranhamente inflado em R$ 5,8 bilhões.

O capitão Bolsonaro aprovou com alguns vetos a MP da “liberdade econômica”, esvaziando o poder regulatório do Estado sobre diversas atividades econômicas e flexibilizando ainda mais a regulação do trabalho no país.

Análise crítica

O rosário de reformas de inspiração ultraliberal que vem sendo executado desde que a presidenta Dilma foi golpeada (a imposição do teto de gastos, a reforma trabalhista, a MP da “liberdade econômica” e agora a quase concluída reforma da Previdência) não cumpriu nenhuma de suas promessas, tão somente prolongando a estagnação econômica que angustia a sociedade brasileira e deixa a grande maioria da população ao Deus dará.
A taxa de desocupação, por exemplo, que no quarto trimestre de 2017 (quando a reforma Trabalhista entrou em vigor) era de 11,8%, permanece exatamente no mesmo patamar, enquanto a taxa de trabalhadores subutilizados (desocupados + desalentados + subocupados) cresceu ao longo do período pós-reforma, saltando de 23,9% em 2017 para 24,3% em agosto de 2019.

Além disso, outro dado um tanto surpreendente – ao menos para aqueles que apostavam no caráter virtuoso das inovações contratuais introduzidas pela reforma – é o do aumento da informalidade, que tem alcançado níveis recordes no país. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, 41,4% dos trabalhadores ocupados no trimestre encerrado em agosto estavam na informalidade, sendo que dos novos postos de trabalho criados entre junho e agosto, nada menos que 87,1% eram informais. Ou seja, as reformas em série não ajudaram a aquecer o mercado de trabalho, nem tampouco favoreceram a formalização das relações laborais no país.

Diante desse quadro, a falta de sensibilidade com a grave deterioração do mercado de trabalho do país chega a ser espantosa, mesmo para quem não alimentava nenhuma expectativa positiva em relação a um governo cuja área econômica é comandada por Paulo Guedes, um representante primitivo dos interesses rentistas no Brasil. Ao contrário, tem-se a impressão de que o capitão e seu superministro se apoiam na dramática situação do mercado de trabalho brasileiro para dobrar a aposta e lançar medidas ainda mais deletérias.

Um pequeno, mas emblemático exemplo desse comportamento oportunista e ineficaz é a ideia ventilada pelo governo de capturar R$ 65 bilhões (a bagatela de 1% do PIB) que atualmente estão parados na forma de depósitos recursais da Justiça do Trabalho para entregá-los aos bancos a fim de que ampliem as linhas de crédito para capital de giro das empresas.
Difícil imaginar medida mais estapafúrdia. Em primeiro lugar, porque o problema da escassez de crédito para essa e tantas outras demandas do setor produtivo brasileiro não se deve à falta de capital (funding) dos bancos para realizar esse tipo de operação. O que trava o crédito no Brasil são os spreads estupidamente elevados, agora protegidos pela ausência da concorrência das linhas baratas dos bancos públicos. Sob a orientações de sucessivos ministros-banqueiros, não apenas fizeram minguar o BNDES, como Banco do Brasil e Caixa passaram a mimetizar o comportamento dos bancos privados, refastelando-se no melaço rentista que escorre para o funil de um cartel formado por cinco casas bancárias, cujo poder se manifesta no controle de mais de 80% do crédito do país.

Em segundo lugar porque com os tais R$ 65 bilhões, seria possível tomar medidas muito mais efetivas para dinamizar a economia, criar empregos e retirar do sufoco a enorme maioria de brasileiros que depende do seu suor para sobreviver. Entre outras possibilidades, um grande programa de investimento em infraestrutura social (saneamento básico, habitação popular, centros de saúde, etc) traria resultados em um curto prazo, com grande alcance econômico e social.

Lamentavelmente, contudo, o governo prefere manter-se fiel a sua ideologia liberal ultrapassada e aos interesses rentistas que lhe dão sustentação política.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo
Análise integrante do boletim mensal de outubro De olho no governo

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