Desastre do óleo no litoral: desmonte das políticas de proteção do meio ambiente

Vazamento de óleo que atinge o litoral nordestino evidencia a falta de condições da Marinha e do Ibama em fiscalizar e tomar medidas contra desastres deste porte. Foto: Marinha do Brasil/Fotos Públicas

Fatos relevantes e medidas de governo

Um vazamento de óleo sem precedentes, na costa da região Nordeste, marcou o mês de outubro. Inédito na história brasileira, pela extensão geográfica e pela duração no tempo, suas consequências atingiram cerca de 2.250 quilômetros, em mais de duzentos pontos em 98 cidades de 9 estados. O desastre impôs ao governo a necessidade de mobilizar o Plano Nacional de Contingência, envolvendo Ministério da Defesa (via Marinha), Ministério do Meio Ambiente (via Ibama) e Ministério de Minas e Energia (via Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e Petrobras). O Plano, entretanto, foi acionado com pelo menos um mês de atraso e em um cenário de redução de recursos.

A comissão da Câmara aprovou esse mês o novo marco legal e regulatório do saneamento básico. O texto aprovado permite, por exemplo, a cobrança de valor mínimo para fazer novas conexões em casas e edifícios que não fazem parte da rede pública de águas e esgoto. A proposta estabelece que os contratos de saneamento deverão definir metas de atendimento de 99% da população com água potável e de 90% com coleta e tratamento de esgotos até o fim de 2033. Não há, entretanto, a previsão de sanções para o descumprimento dessas metas. Há ainda estímulos para que os governos privatizem e/ou abram o capital das companhias estatais do setor, além da previsão de expansão da atuação da Agência Nacional de Águas.

Análise crítica

A guerra comercial e as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos sobre o Irã e a Venezuela caminham no sentido de obstaculizar a presença desses países no comércio exterior e nas finanças internacionais, as indústrias naval e petrolífera tem sofrido o impacto dessas medidas de formas mais aguda por meio da retaliação à circulação de seus navios petroleiros.

Como se tratam de países com níveis significativos de reservas, produção e exportação de petróleo, as rotas para a circulação de navios-tanques tem sofrido com o aumento no valor do frete, que pode chegar a doze milhões de dólares para um trecho entre Caracas e Xangai.

Esse aumento de custo logístico tem provocado o crescimento do número de navios-tanque trafegando em alto mar sem rastreamento. É cada vez mais recorrente a prática de se desligar os transmissores para que os navios não possam ser rastreados por satélite a fim de burlar as barreiras e tarifas, na modalidade off transponder que configura uma verdadeira frota crescente de “petroleiros piratas”.

No caso do Irã, as rotas de abastecimento marítimo de petróleo têm registrado um número cada vez maior de casos de sistemas de localização desligados ou de transmissões de informações falsas sobre as cargas transportadas. Em entrevista recente, quando questionado sobre o uso de táticas de “vendas secretas” por meio de “navios invisíveis”, o ministro iraniano do petróleo, Bijan Namdar Zangeneh, sem negar ou condenar esse tipo de prática respondeu: “usamos qualquer método, fazemos o nosso melhor para exportar petróleo e não nos rendemos perante sanções. Todos os métodos são bons aqui. Exportar petróleo é o nosso direito legal”.

No caso da Venezuela a situação é ainda mais dramática, pois as sanções se estenderam para o embargo dos ativos da petrolífera PDVSA no exterior, levando o país a enfrentar uma maré negativa de redução dos investimentos, sucateamento de portos, encerramento de operações em terminais e engarrafamento de navios no mar do Caribe. Esse conjunto de impactos levou o país a estimular o abastecimento de navios fora dos portos, em alto mar, na modalidade ship-to-ship, o que aumenta os riscos de vazamentos e derramamentos. A angolana Sonangol Kalandula foi a primeira petrolífera a utilizar um navio-tanque carregado de petróleo venezuelano no modo navio a navio.

Diante desse cenário as mais diversas empresas navais e petrolíferas têm se utilizado das estratégias de mercado acima descritas. A chinesa COSCO Shipping Taker, que presta serviços de transporte para as petrolíferas CNOOC e Sinopec, teve cerca de um terço dos seus petroleiros trafegando com transponders desligados. A inglesa Fendercare Marine, que presta serviços logísticos para as petrolíferas Shell e BP, ampliou o número de operações de carga e descarga navio a navio.

As novas táticas empresariais de transporte e logística marítima (off transponder e ship-to-ship), que decorrem das novas estratégias nacionais de guerra comercial (com sanções e embargos), podem ter alguma relação com o recente caso de vazamentos ou derramamentos de óleo que atingiu a costa do Nordeste brasileiro.

A catástrofe ambiental tem proporções consideráveis. Até dia 23 de outubro já são nove estados atingidos, em mais de 75 municípios, e mais de 180 pontos identificados com manchas de óleo cru, em uma faixa de mais de 2.250 quilômetros de costa litorânea. Já são 201 praias afetadas e mais de novecentas toneladas do material já foram recolhidas. O impacto ambiental, social e econômico ainda é incalculável, o mesmo vale para os custos de limpeza e descontaminação para os cofres públicos.

Os primeiros apontamentos indicaram, em uma primeira hipótese, que o óleo pode ser de procedência venezuelana, ao contrário do que sugeriram os mais apressados, entretanto, é muito improvável que as machas de óleo tenham descido diretamente da Venezuela em direção ao Brasil, primeiro, porque a região é impactada pela Corrente Marítima da Guiana que orienta a maré no sentido contrário ao das manchas; segundo, porque a exploração e produção de petróleo venezuelano é fundamentalmente onshore (em terra) e não offshore (em mar); terceiro, porque as manchas aparecem primeiro no litoral maranhense, e não nas costas do Suriname, das Guianas ou do Amapá.

Esses indícios aumentam a probabilidade de que o problema esteja relacionado não à produção, mas sim à circulação de petróleo. Nesse sentido, considerando uma segunda hipótese, merece destaque a possibilidade de que o crime ambiental esteja ligado a um outro acidente. Nas costas de Sergipe e Alagoas foram encontrados recentemente tambores, bombas, frascos e alguns barris com a inscrição “Argina S3 30”, que identifica um óleo lubrificante da Shell cuja origem também pode ter relação com o DNA do óleo encontrado nas manchas que contaminam a costa brasileira. Disso não resulta, entretanto, que a petrolífera anglo-holandesa seja a imediata responsável, há de se considerar ainda uma terceira hipótese, a de que o óleo seja de compradores e transportadores terceiros, como a empresa grega Delta Tankers, proprietária do navio Bouboulina, acusado de ter sido o responsável pela tragédia marítima e ambiental.

Sendo assim, para além da causa do vazamento, é importante notar como esse desastre evidencia a falta de condições do Ibama e da Marinha para prevenir, monitorar, fiscalizar, investigar e apurar esse tipo de problema. O desmonte das políticas de meio ambiente e de defesa colocam em risco o meio ambiente, as águas e os recursos naturais estratégicos.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo
Análise integrante do boletim mensal de outubro De olho no governo

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