Governo prepara o caminho para privatizar a Eletrobras com projeto de lei

Com a privatização da Eletrobras, o país pode caminhar para ter a tarifa de energia elétrica mais cara do mundo. Foto: Pedro França/Agência Senado

Fatos relevantes e medidas de governo

No mês de setembro o fato relevante mais importante na área de infraestrutura se deu com o envio ao Congresso, pelo governo, do projeto de lei que dá início ao processo de privatização da Eletrobras. O Ministério de Minas e Energia afirmou neste mês que o governo pretende concluir a aprovação do PL. Segundo o Executivo, a intenção é a aprovar o modelo da operação ainda em 2019 para que ele possa ser concluído em 2020.
A intenção do governo é realizar uma emissão de ações para dissolver a participação da União no capital social da empresa. Pelo modelo desenhado, nenhum acionista vai poder ter mais do que 10% das ações da Eletrobras no que diz respeito a voto. O governo talvez fique com 30% a 40% das ações da empresa, o percentual ainda não foi definido.

O aval do Congresso é necessário para que o governo dê prosseguimento ao repasse do controle da estatal para a iniciativa privada. Isso porque a inclusão da empresa no Plano Nacional de Desestatização (PND) deve ser aprovada por meio de mudança na legislação. O ministro de Minas e Energia tem declarado que o tema tem sido tratado em suas viagens internacionais e que há interesse na empresa, que representa 31% da geração de energia do país.

O governo espera arrecadar R$ 16,2 bilhões com a operação, de acordo com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2020 enviado ao Congresso. A estimativa anterior era de doze bilhões de reais.

No entanto, o governo vai enfrentar resistências de deputados e senadores para aprovar o PL que abre caminho para a privatização. As dificuldades são maiores no Senado, de onde o presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) já avisou ao Palácio do Planalto que não existe clima para aprovação. Líderes partidários ouvidos avaliam que o cenário também é desfavorável à privatização na Câmara, mesmo com o apoio de Rodrigo Maia (DEM-RJ).
As bancadas do Norte e do Nordeste são as mais resistentes à mudança. Essas duas regiões são dependentes da estatal para geração de energia, sobretudo a eólica, e não querem a abertura do mercado para investidores estrangeiros.

Congressistas do Norte e Nordeste ocupam 48 das 81 cadeiras do Senado e 216 dos 513 assentos da Câmara. Por interesses diversos, a resistência à privatização une políticos da esquerda à direita. Vale lembrar que, em junho, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Executivo não pode vender estatais sem a aprovação do Legislativo. Pela decisão, só podem ser negociadas sem a aprovação do Congresso as subsidiárias.

Análise crítica

A Eletrobras e suas subsidiárias estão na lista de empresas que serão privatizadas prioritariamente no próximo período. Mesmo considerando diferenças entre a privatização pura e simples e a “capitalização” que leva o Estado à perda do controle, o Brasil sairá de um seleto clube de países que contam com a hidreletricidade como base principal de sua matriz elétrica e, que, por isso mesmo, mantêm essas empresas sob o controle público.
Segundo dados do World Economic Forum, China, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Rússia, Noruega, Índia, Suécia, Venezuela e Japão são os dez líderes da produção de hidreletricidade. Dentre esses, apenas Brasil, Canadá, Noruega, Suécia e Venezuela tem mais de 50% de sua energia nas usinas hidrelétricas. O Japão é o único privado, mas suas hidrelétricas respondem por apenas 7% da demanda. Portanto, com toda essa singularidade, caso o Brasil privatize a Eletrobras será o único a ter adotado essa política. Será que os outros estão errados? Será que a luta contra a corrupção não é suficiente para permitir que tenhamos empresas públicas?

A primeira dúvida que surge é a capacidade de estabelecer um sistema de regulação e fiscalização eficiente. Comparação das agências reguladoras brasileiras com o sistema estadunidense provoca sérias dúvidas sobre saber privatizar. No setor elétrico, o Federal Energy Regulatory Comission (Ferc) tem o triplo de especialistas da Aneel e ele nem significa a totalidade do sistema regulador, pois vários estados têm agências independentes.

Esse assunto é essencial, pois dados históricos coletados na Aneel mostram que, no período 1995-2018, a tarifa média residencial subiu 60% acima da inflação. A tarifa industrial (das distribuidoras) superou o IPCA em 130%. Esses dados deveriam levar à conclusão de que só vender empresas não significa um processo com objetivo público.

O curioso é que também se imagina um futuro cenário radicalmente diferente da experiência brasileira dos últimos vinte anos quanto à independência e pujança do setor privado. No caso do setor elétrico, dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Eletrobras mostram que, nesse período, cerca de trezentos bilhões de reais se originaram de empréstimos ou de parcerias com a estatal. Nos últimos dez anos essa sujeição se acentuou atingindo cerca de bilhões de reais ao ano. Portanto, se esses dados significam alguma coisa, a ausência da Eletrobras e a redução de apoio do BNDES podem gerar uma desagradável surpresa.

O que muitos não entendem é que, mesmo com um crescimento da economia bem abaixo de países como a Coreia do Sul ou a China, o Brasil necessita no mínimo de 2.000 MW médios novos todos os anos. Isso significa duas usinas como Itumbiara de Furnas por ano, simplesmente a nona maior usina brasileira. Portanto, o mercado, que funciona bem em estabilidade, precisa ter mecanismos para contratar seu futuro.

A Eletrobras sempre foi usada para remediar problemas do processo de privatização e mercantilização da energia. Primeiro foi obrigada a comprar distribuidoras rejeitadas pelo mercado na década de 1990. Herdou as empresas do Piauí, Alagoas, Acre, Rondônia e Roraima, enquanto o setor privado acolhia as empresas de estados menos problemáticos. Depois do racionamento, por gerar hidroeletricidade, foi obrigada a perder contratos e gerar energia por valores ínfimos capturada pelo mercado livre.

Em seguida, é usada para alavancar interesse de investidores privados com as parcerias e, por último, sofre praticamente sozinha a desastrada intervenção para reduzir tarifas artificialmente. A marca de todos esses passos é o sacrifício de receita da Eletrobras e a liberação do setor privado de qualquer responsabilidade ou esforço. Portanto, o defeito está fora da estatal.

Com essa trajetória, injustamente e sem o devido cuidado nas comparações, a empresa é rotulada de “ineficiente”, inclusive com a depreciação sobre seu corpo funcional.

É preciso lembrar que o setor privado virá comprar ativos existentes. Como aconteceu na década de 1990, nada novo será construído. Agora dificilmente ocorreria um racionamento, pois a demanda está estagnada e temos uma “oferta” cara de térmicas. Mas é bom lembrar que o interesse do capital está associado ao desmonte da tarifa imposta pela intervenção tarifária de 2013. Pode-se imaginar o que ocorrerá quando cerca de 14 mil MW deixarem de custar quarenta reais e passarem a cobrar duzentos reais/MWh.

Em 2016, a Agência Internacional de Energia, numa comparação de tarifas internacionais, usando o método de paridade do poder de compra, o único realmente válido, nos colocou como o terceiro país de energia elétrica mais cara. Com a privatização da Eletrobras, o país pode caminhar para ter a tarifa de energia elétrica mais cara do mundo.

Grupo de Conjuntura da Fundação Perseu Abramo
Artigo integrante do boletim de análise de setembro “De Olho no Governo”

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