Leis mais flexíveis favorecem a grilagem de terras e o aumento do desmatamento

Medidas federal e estaduais que anistiam grileiros, o retorno da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura e a redução drástica no orçamento destinado à agricultura familiar aprofundam política pró-agronegócio de Bolsonaro

Fatos relevantes e medidas do governo

Estimativas da organização Imazon mostraram que um terço da Amazônia Legal não possui destinação fundiária e a maior parte desses territórios pertence às unidades federativas, portanto submetidos às legislações estaduais. No âmbito do governo federal, destaca-se a Medida Provisória no 759/2016, aprovada pelo Congresso em 2017, que versa sobre alteração na legislação fundiária. A MP beneficiou a grilagem por meio da expansão da área passível de titulação, funcionando como uma espécie de anistia aos grileiros de terras invadidas.

Quanto aos estados, foram observadas pela Imazon flexibilização nas legislações fundiárias da Amazônia legal aprovadas por assembleias estaduais do Amapá (em 2018) e do Mato Grosso (em 2019), ambas favorecendo a grilagem. A Assembleia Legislativa do Pará também aprovou um projeto de flexibilização fundiária em 11 de junho de 2019, porém ainda aguarda aprovação do governador para ter validade.

 A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) fez o lançamento do tema da Década da Agricultura Familiar com o objetivo de colocar em prática um plano de ação global contra a fome e a pobreza rural até 2028. Entre os objetivos específicos do plano de ação da FAO destacam-se criar um ambiente político propício para fortalecer a agricultura familiar, apoiar os jovens, fomentar a igualdade de gênero, impulsionar as organizações de produtores, melhorar sua inclusão e resiliência, conseguir sustentabilidade e inovar em favor do desenvolvimento territorial.

Em meio ao lançamento da campanha mundial da FAO, os agricultores familiares brasileiros não têm nada a comemorar e enxergam com preocupação a perda dos direitos adquiridos nas últimas décadas. Entre os problemas enfrentados, destacam-se os cortes de quase 40% no orçamento do Ministério da Agricultura, que afetam diretamente o financiamento da produção de toda uma cadeia de pequenos produtores, especialmente os agricultores familiares, assentados da reforma agrária e extrativistas. No governo Bolsonaro houve suspensão de repasse de R$ 800 milhões em verbas que seriam direcionadas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Ao todo, já foram contingenciados R$ 6,8 milhões do conjunto de iniciativas que integram o Plano Safra 2018/2019.

Quanto aos povos indígenas, observam-se novos retrocessos. Por meio de nova medida provisória, Bolsonaro reverte decisão do Congresso Nacional e retorna a responsabilidade de demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A MP 886 foi publicada no Diário Oficial da União em 19 de junho deste ano e indica que são áreas de competência do Mapa a reforma agrária, a regularização fundiária de áreas rurais, a Amazônia Legal, as terras indígenas e a titulação de quilombos.

Atualmente, os índios ainda têm como conquista a volta da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Justiça, entretanto os ruralistas não estão satisfeitos com a decisão e pediram a cabeça do presidente do órgão. A exoneração do presidente da Funai, Franklimberg Ribeiro de Freitas, foi motivada por pressão dos  ruralistas conduzidos por Luiz Antônio Nabhan Garcia (secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e presidente licenciado da União Democrática Ruralista).

Segundo Franklimberg, a motivação de sua exoneração foi sua resistência em acabar com o Departamento de Proteção Territorial da Funai – área destinada a proteção, identificação e demarcação de terras indígenas. O desejo dos ruralistas foi atendido e a função de demarcação das terras da Funai foi extinta com a nova MP em meio ao retorno do órgão para o Ministério da Justiça.

Desenvolvimento regional – Aumeto de 1% no Fundo de participação dos municípios

Quanto ao aumento de 1% no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), observa-se grande expectativa de prefeitos brasileiros. Trata-se da PEC 391/2007, que prevê a ampliação do FPM de 24,5% para 25,5% do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e do IR (Imposto de Renda). A PEC do senador Raimundo Lira, já aprovada no Senado, propõe alterar a artigo 159 da Constituição Federal que disciplina a distribuição de recursos da União ao FPM, bem como já foi aprovada na Comissão Especial no dia 18 de junho e está, assim, pronta para ser submetida ao Plenário. Apesar da expectativa dos prefeitos, a ampliação da participação dos municípios será gradual, sendo de 0,25% nos anos de 2020 e 2021, de 0,5% em 2022 e apenas a partir de 2023 passará a ser de 1%, ou seja, o alivio às finanças municipais viria apenas na próxima gestão. 

Outra possibilidade aguardada pelos estados e municípios é a participação de no Bônus de Assinatura do pré-sal. Com expectativa de alívio ainda neste ano para as contas municipais e estaduais, a participação nos recursos arrecadados pela União com o leilão do excedente da cessão onerosa do pré-sal deve se feita por meio da lei da partilha no segundo semestre, segundo o governo. A União espera arrecadar cerca de R$ 106 bilhões com o Bônus de Assinatura.

Por fim, há o debate acerca da prorrogação dos atuais mandatos municipais para a coincidência das eleições em 2022, que tem despertado o interesse de mandatários municipais, apesar das dificuldades no Parlamento e a posição contrária do PT. A apresentação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 56/2019, do deputado Peninha (MDB/SC), reacendeu o debate sobre a coincidência de mandatos e o fim  da reeleição para o Executivo.

A proposta foi apensada à PEC 376/2009, do Deputado Ernandes Amorim (PTB/RO), que, assim, voltou a tramitar. A PEC tem a seguinte ementa: “Estabelece a coincidência geral dos pleitos para todos os mandatos eletivos, aumenta de 8 para 10 anos o mandato de Senador, estabelece o mandato de 5 anos para todos os cargos eletivos e põe fim ao instituto da reeleição para os cargos do Poder Executivo”

ANÁLISE CRÍTICA

No que se refere ao meio ambiente, observa-se elevação do ritmo do desmatamento de 20% entre agosto de 2018 e abril de 2019, resultado não só do enfraquecimento das políticas públicas do governo federal aplicadas no período pós-golpe, mas  também da flexibilização da legislação dos estados. A flexibilização da legislação fundiária dos estados e do governo federal favorece a grilagem. Essa lógica, frente ao afrouxamento das leis fundiárias estaduais e federais, acontece em pleno cenário de perda da biodiversidade e causa impacto sobre o enfrentamento das mudanças climáticas e o combate à degradação ambiental.

Em meio ao lançamento do tema da Década da Agricultura Familiar da FAO, o Brasil ainda corre o risco de voltar ao Mapa da Fome da ONU. Essa preocupação ocorre não só pelo corte no financiamento governamental, mas também pela desestruturação de toda a política agrária de estímulo à agricultura familiar para atender demandas dos grandes proprietários rurais, cuja prioridade é o agronegócio e a produção de commodities.

A MP 886 que colocou novamente a responsabilidade de demarcação de terras indígenas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) foi considerada uma derrota para os povos indígenas. Em 28 de maiom, o Senado havia aprovado a MP 870/2019, mas votou pela saída da Funai do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e seu retorno ao Ministério da Justiça, que reincorpora também a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas  que havia sido alocada no Mapa. A versão da MP foi submetida ao Senado no formato de projeto de lei depois de ter sido aprovada pela Câmara em 22 de maio.

O resultado da votação do Senado havia sido considerado um avanço dos povos originários e estava entre as principais reivindicações das lideranças indígenas brasileiras, que se reuniram em torno do Acampamento Terra Livre, ocorrido em abril, em Brasília. O encontro contou com cerca de quatro mil índios, e as representações  indígenas reuniram-se com os presidentes do Senado e da Câmara do Deputados para pedir apoio à alteração dos efeitos da MP 870/2019. É relevante mencionar  que existe na Funai a reivindicação da demarcação de 154 territórios indígenas, que aguarda o posicionamento do órgão. A publicação da nova MP de Bolsonaro causa conflito com o poder Legislativo e coloca o governo como principal inimigo dos povos originários.

Frente às dificuldades de caixa, prefeitos e governadores buscam novos recursos, entre eles a distribuição de parte do que for arrecadado com o bônus de assinatura no leilão do excedente do pré-sal para estados e municípios. A ampliação do FPM  em 1% é outra aposta de prefeitos. Além disso, há o debate acerca da prorrogação dos atuais mandatos municipais para a coincidência das eleições em 2022, que tem despertado o interesse de mandatários municipais, apesar das dificuldades no Congresso e da posição contrária do PT.


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