Indígenas perdem espaço de participação na saúde e reforma da previdência avança na Câmara

Ministério da Saúde retira representação da Funai na secretaria de saúde indígena, ações do Ministério da Mulher Família e Direitos Humanos são marcadas por visão punitivista na questão ds drogas e da Anistia.

Fatos relevantes e medidas do governo

Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) 

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Franklimberg Ribeiro de Freitas, foi exonerado do cargo no dia 11. Em seu lugar foi nomeado o também general Fernando Melo, que ocupava o cargo de assessor da Presidência, com funções semelhantes à de um secretário-executivo.

Embora o governo tenha recuado da decisão de extinguir a Secretaria Nacional de Saúde Indígena (Sesai), como planejado inicialmente, remanejou cargos e apresentou uma nova composição do Ministério da Saúde (MS), retirando assentos da Funai para este último, e extinguiu o Departamento de Gestão da Saúde Indígena. O MS suspendeu contratos com instituições conveniadas, o que provocou problemas tanto nos Distritos Sanitários Indígenas (DSEIs), quanto nas Casas de Assistência à Saúde Indígena (Casai), que chegaram a interromper alguns serviços.

O MMFDH lançou, em parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM/ONU), o “Guia de Orientação em Direitos Humanos”, material informativo para orientar imigrantes na “obtenção de documentação, com informações sobre direitos trabalhistas e acesso a serviços de saúde, além de indicar locais e serviços que podem oferecer ajuda.”

Em junho, a ministra do MMFDH, Damares Alves, e o Conselho da Comissão de Anistia indeferiram 433 requerimentos de anistia, além de quatro requerimentos de reclamantes de pensão especial às pessoas atingidas por hanseníase submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia.

Por meio da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), O MMFDH repassou R$ 500 mil  para o Programa Forças no Esporte (Prodesp), a fim de aumentar o alcance das atividades em todo o país.

O MMFDH, por meio da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa (SNDPI), lançou no dia 3 de junho a Campanha Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Pessoa Idosa, para prevenir e identificar situações de violência, negligência e abuso contra os idosos.

No dia do orgulho gay, a ministra Damares Alves disse reconhecer a violência contra a comunidade LGBTQI+ e ressaltou que deve haver um enfrentamento tenaz a esse tipo de ocorrência. No início do mês a ministra criticou o que chama de “ideologia de gênero”, afirmou que a perspectiva de gênero é uma “teoria que surgiu nos últimos anos” e tem sido a causa do sofrimento de parte dos jovens que se automutilam ou tentam tirar a própria vida.

Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) – O CNDH recomendou ao Ministério da Saúde não abolir o uso do termo violência obstétrica das políticas e programas de saúde, que declarou supostamente não haver “consenso quanto à definição do termo”. O termo violência obstétrica foi reconhecido como violação de direitos humanos das mulheres pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2014, na Declaração de Prevenção e Eliminação de Abusos, Desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. A supressão do termo dos  protocolos do sistema de saúde dificulta a apuração devida dos casos e representa um retrocesso nas políticas públicas de saúde da mulher e saúde materna.

O CNDH considera ilegal o decreto no 9.831, de 10 de junho de 2019, que exonera os onze peritos e peritas do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura e acaba com o Órgão. Recomenda à Presidência da República a sustação imediata do decreto e a nomeação dos “Membros do Mecanismo e Comitê de Prevenção e Combate a Tortura” como preconiza a legislação federal vigente. Destaca a importância da manutenção do Sistema Nacional de Prevenção e Combate a Tortura, tal como previsto na lei 12847/2013, em seu art. 5o, III que garante que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento cruel desumano ou degradante”.

O CNDH recomenda que o tratamento dado a comunicadores por parte dos agentes públicos siga diretrizes estabelecidas em normas internacionais e nacionais que visem garantir o respeito ao exercício profissional, à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa e o direito à informação. E às entidades públicas e privadas envolvidas com a proteção dos direitos humanos o cumprimento à deliberação de sua 45a Reunião Ordinária, realizada nos dias 13 e 14 de março de 2019. 

Recomenda ainda que a Concessionária Norte Energia assuma o custeio de uma auditoria externa para verificação das violações de direitos humanos em curso na Volta Grande do Xingu e as transformações que a concessionária Norte Energia acarretou na vida das comunidades da região. Reivindica ao Ministério Público e Defensoria Pública da União, em Altamira, a adoção das medidas necessárias para responsabilização da concessionária Norte Energia pelas violações de direitos humanos praticadas em face das populações da Volta Grande, tendo em vista os impactos não 15mitigados de sua interferência no rio Xingu, bem como a sua ação direta na vida das comunidades.

O CNDH recomenda ao Ministério do Desenvolvimento Regional, ao MMFDH e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública que assegurem o acesso aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda; e a disponibilização de canais de comunicação para o recebimento de denúncias de violência contra a população em situação de rua, bem como de sugestões para o aperfeiçoamento e melhoria das políticas públicas voltadas para este segmento.

Recomenda ao Ministério do Desenvolvimento Regional desenvolver em âmbito federal programas de habitação voltados para a população em situação de rua inspirados nos princípios do “Moradia Primeiro” (Housing First, política testada em Nova Iorque nos anos 1990), induzindo os estados, o Distrito Federal e os municípios a fazerem o mesmo com seus programas locais.

O CNDH criou o Grupo de Trabalho Direitos Humanos e Empresas, veiculado à Comissão Permanente dos Direitos ao Trabalho, à Educação e à Seguridade Social do CNDH, cujas principais atribuições são promover a interlocução com órgãos e entidades que acompanham a implementação de padrões internacionais de respeito aos direitos humanos na atividade empresarial brasileira; produzir material destinado à informação sobre os direitos humanos nas atividades empresariais no país; e propôs a edição de atos que atendam à garantia de respeito aos direitos humanos das pessoas afetadas por atividades empresariais. O grupo é composto por representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), da Defensoria Pública da União (DPU), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias (Unicopas), Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), MMFDH, Ministério de Relações Exteriores e Ministério da Economia.

Seguridade social ampliada

O deputado Samuel Moreira (PSDB) apresentou o relatório da PEC 6/2019 na Comissão Especial da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, com diversas alterações no texto original apresentado pelo governo. Fundamentalmente, propôs a retirada da proposta de capitalização da Previdência e das mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC). E ainda alterou a faixa de renda proposta para a concessão do abono salarial, retirou a inclusão dos servidores públicos federais no regime geral da Previdência, aumentou para 20% a alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), alterou a proposta de destinação dos recursos do PIS/Pasep, retirando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do destino de parte dessa arrecadação e suprimiu a maior parte das propostas de alteração nas aposentadorias rurais.

Por outro lado, o relatório manteve a desconstitucionalização das regras previdenciárias, a alteração da idade mínima para aposentadoria proposta pelo governo (62 anos para mulheres e 65 anos para homens), o rebaixamento da aposentadoria parcial, e a exclusão das receitas da Seguridade Social da Desvinculação de Receitas da União (DRU). 

Foi sancionada a Lei 13.840, de 5 de junho, que autoriza “a internação involuntária de pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas”. Trata-se de uma alteração da lei 13.343/2006, que criava o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre drogas. A lei sancionada altera, fundamentalmente, o parâmetro principal de políticas sobre drogas vigente até então, o da redução de danos, e retoma a lógica do combate ao consumo.

Ainda na saúde, o governo sancionou também no dia 5 de junho, o projeto de lei de conversão (PLV) 3/2019 – instrumento que converte medida provisória do governo em lei para regulamentar uma linha de crédito bilionária para as entidades filantrópicas da saúde. Trata-se de uma alteração na Lei do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que passa a destinar parte dos recursos para operações de crédito destinadas às entidades filantrópicas da saúde. Uma semana depois, o governo anunciou uma linha de crédito de R$ 1 bilhão com base na lei sancionada.

Trabalho e renda

No dia 11 de junho, o governo Bolsonaro conseguiu a aprovação pelo Congresso do crédito suplementar de R$248,9 bilhões extras ao orçamento. A liberação trouxe alívio para o governo, que corria o risco de descumprir a regra de ouro, prevista na Constituição Federal, que proíbe que o governo faça dívidas para pagar despesas correntes, como por exemplo o Bolsa Família. Caso não fosse aprovada essa medida temporária e com a possibilidade de ter a regra de ouro descumprida, o presidente Bolsonaro estaria em uma situação difícil, correndo o risco de, no limite, ser submetido a um impeachment.

Caducou no  dia 28 de junho  a MP 873/19, que impedia o desconto em folha de contribuição sindical voluntária. Quase simultaneamente, o deputado federal Carlos Veras (PT-PE) apresentou e conseguiu aprovar na Comissão de Trabalho seu projeto de decreto legislativo 75/2019, que na prática derruba o decreto presidencial 9735/2019, cujo teor era semelhante ao da MP 873. Se mantido, o decreto presidencial fará as vezes da MP que caducou. O projeto de decreto legislativo de Veras ainda precisa ir a plenário.

No trimestre de março a maio de 2019 havia 28,5 milhões de pessoas subutilizadas no Brasil. Este contingente bateu o recorde da série e cresceu 2,7% frente ao trimestre de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019. No confronto com igual trimestre de 2018, esta estimativa cresceu 3,9%. De março a maio de 2019, os desocupados somaram R$ 13 milhões.

Educação

A intervenção por parte do governo Bolsonaro nas universidades tem perpassado a esfera orçamental e adentra o campo das nomeações de reitores e reitoras das universidades públicas. Três delas já passaram por intervenção direta do presidente nas nomeações, Universidade Federal Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal do Rio (Uniorio) e a Universidade do Triângulo Mineiro (UFTM). Por mais que o poder de nomeação de reitor e vice-reitor esteja, por lei, nas mãos do presidente da República, existe desde o governo Lula uma tradição de nomear os primeiros nomes presentes na lista tríplice, encaminhada pelas instituições, cujos nomes são selecionados por professores, funcionários e alunos.

Em relação à educação infantil, no dia 25/06 ocorreu uma cerimônia com o ministro da Educação Abraham Weintraub, representantes dos três poderes e da sociedade civil, coordenados pelo Conselho de Justiça, para assinar o Pacto Nacional pela Primeira Infância, sancionado em 2016. A medida visa mapear a situação das crianças de 0 a 6 anos no Brasil e treinar os profissionais da área de acordo com os requisitos do Marco Legal da Primeira Infância. O pacto dialoga com a proposta principal do MEC, que é o foco na educação básica.

ANÁLISE CRÍTICA

Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos – Na disputa sobre a pasta, mais uma vez quem perde são os povos indígenas, cuja saúde, já precarizada, tende a ter menor amplitude, com a redução de quadros e de participantes da sociedade civil em seus conselhos. O departamento extinto era um dos mais importantes, onde estava a gestão e o controle social. Nos últimos meses, o atendimento aos povos indígenas já vinha passando por problemas. O governo terceirizou uma obrigação que era sua, com o repasse dos recursos para terceirizadas, e sinaliza mudanças que vão de encontro à luta dos povos indígenas para garantir um sistema de saúde autônomo e participativo. As mudanças propostas por decreto não foram discutidas com os indígenas, e as lideranças têm receio de que a participação delas na gestão seja reduzida ou eliminada.

Sobre a ação adotada para os imigrantes, é considerada importante, mas não inovadora. Muitas organizações da sociedade civil atuam nesse sentido de orientar o imigrante. O apoio aos imigrantes deveria vir na forma de lei, para garantir sua aplicação.

Uma das principais mudanças do CNDH, em sua nova formação, diz respeito ao número de recursos cabíveis às decisões. Antes, não havia limitações, e a Comissão acabava por analisar várias vezes o mesmo pedido do anistiado. A partir de agora, será admitido somente um pedido de reconsideração. Somente neste ano, 1.123 requerimentos foram indeferidos pela ministra Damares Alves e apenas 5% dos pedidos parcialmente deferidos. Há uma clara negligência, para não dizer perseguição, aos presos políticos da ditadura.

Em certa medida, a negação de pedidos de anistia sinaliza para o tratamento que as divergências políticas atuais poderão vir a ter, o que já se observa na prisão preventiva e inexplicada de ativistas políticos, como é o caso da prisão da ativista Preta e outros cinco participantes do movimento de moradia, em São Paulo. O acirramento da perseguição política ganha respaldo com a atual atuação da Comissão de Anistia, que indefere a maioria dos pedidos.

O repasse de recursos para o Prodesp é bom, porém, sua abrangência é bastante restrita. Atualmente o programa está em 117 municípios, o que corresponde a 2% do total, e atende a 28 mil crianças. Os critérios de seleção dos municípios e beneficiados também não são transparentes.

A Campanha Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Pessoa Idosa é importante, mas precisa vir acompanhada da elaboração de um plano de ação, em parceria com estados, municípios e Distrito Federal. Ainda não há notícias sobre esse desdobramento.

A perspectiva de gênero tem sua legitimidade amplamente reconhecida por entidades e especialistas. A Organização das Nações Unidas (ONU) possui, inclusive, uma campanha de âmbito global, chamada Livres & Iguais, que visa fazer frente à intolerância contra grupos LGBTQI+. A legislação brasileira já avançou no sentido da permissão da adoção a casais homossexuais e qualquer regressão nesse sentido, além de ilegal, é uma violação a um direito adquirido por uma população já fortemente marginalizada.

Ainda que não tenha o poder de deliberação, o CNDH tem sido um importante órgão de contenção de medidas que ferem os direitos humanos, chamando a atenção em diferentes frentes para a ilegalidade de propostas ou necessidade de atuação na proteção de direitos, entre outros. Em suas recomendações, o CNDH, mostra a importância dos Conselhos e a participação de órgãos consultivos e da sociedade civil na manutenção de um projeto democrático de país. As respostas a essas recomendações, no entanto, precisam ser acompanhadas.

Seguridade social ampliada  –  A apresentação do relatório da reforma da Previdência mexeu na “assinatura” da reforma. Até o fechamento desse levantamento, o relatório, apresentado em meados de junho, ainda não havia sido aprovado pela Comissão Especial. O texto apresentado atende as demandas dos parlamentares do “centrão”, que já se opuseram aos elementos agora alterados ainda no início do governo Bolsonaro. Para além dessa aparente vitória do bloco, o texto aponta para a tentativa da Câmara de “assinar” a autoria da reforma. As alterações diminuem o ímpeto selvagem no governo, mas não é de se enganar que a reforma continua extremamente lesiva para a classe trabalhadora.

Para cumprir o fetiche do R$ 1 trilhão de economia, o relatório propôs uma grave redução da arrecadação do BNDES e concordou com o governo na proposta de uma idade mínima surreal para a aposentadoria. A quantidade de alterações não pode enganar, a perspectiva ultraneoliberal da reforma se mantém, especialmente sobre a ótica da destruição do sistema de seguridade social a médio prazo.

Na temática da saúde, o governo apontou esse mês para dois caminhos. O primeiro, de caráter nitidamente ideológico, segue tratando a questão das drogas como guerra, voltando à lógica primitiva da internação compulsória, cuja ineficácia foi amplamente comprovada ao longo da história da saúde pública no mundo. Essa mesma medida fortaleceu as entidades filantrópicas, na mesma esteira da liberação de crédito do BNDES: o governo Bolsonaro prioriza entidades do terceiro setor em detrimento de um sistema público de saúde em grave processo de deterioração em virtude da Emenda Constitucional 95 e dos novos cortes apresentados no orçamento. Os atos do último mês apontam para a precarização do SUS e para a marginalização das pessoas pobres que fazem uso abusivo de drogas, já que a lei certamente só afetará aqueles que dependem da saúde pública. Ricos fazem “rehab”, pobres são internados a pauladas.

Educação  – Além de não respeitar a nomeação do primeiro nome indicado na lista pelo colegiado das instituições, atacando assim a autonomia das universidades e seus valores democráticos, os nomes selecionados trazem questionamentos a respeito do tipo de processo de seleção que está sendo utilizado pelo presidente e o receio de que questões ideológicas e políticas estejam guiando as nomeações.


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