Governo Bolsonaro continua a desnacionalizar a infraestrutura com as privatizações

Desmontagem da Petrobras com a venda de refinarias e de estrutura de logística aumenta a dependência do mercado externo e mudanças no marco regulatório do saneamento estimula a privatização nos estados e municípios

Fatos relevantes e medidas de governo

O governo anunciou em junho o plano de venda de oito refinarias e da infraestrutura logística a elas associadas (terminais aquaviários, terminais terrestres, dutos de suprimento, de derivados, entre outros). Além disso, teve início o programa de revisão da política de gás, com vistas a abrir o mercado para players privados e internacionais.

Nos dois casos, a justificativa da Petrobras é ancorada no argumento de que a desalavancagem e o desinvestimento são necessários para que a empresa possa se concentrar apenas no seu core business de exploração e produção de petróleo. Os analistas do setor, entretanto, alertam para os riscos de que tais medidas tornem o país dependente da exportação de óleo cru e da importação de derivados e de que diante dessa decisão a Petrobras se torne mais vulnerável em momentos de queda do preço do petróleo. As medidas contaram com apoio do Supremos Tribunal Federal e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

A Câmara dos Deputados recebeu o texto do Acordo da Base de Alcântara. O termo viabiliza o acesso dos Estados Unidos à base para o lançamento de espaçonaves e de outros veículos com finalidade militar. A abertura da base aeromilitar brasileira aconteceu no mesmo momento em que a parceria entre a Boeing e a Embraer deu origem à nova empresa: Boeing Brasil Commercial. Com isso, a Embraer anuncia o fim da produção em sua planta industrial de São José dos Campos, uma parte das atividades da empresa será deslocada para as cidades de Gavião Peixoto e Botucatu, outra parte ficará concentrada em Melbourne, na Flórida.

O governo propôs alterar as faixas de acesso ao programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), ampliando o crédito para famílias que ganham até R$ 9 mil. Como nos dois últimos anos o programa sofreu reduções, os especialistas enxergam na iniciativa o risco de que o MCMV se torne cada vez mais um programa de crédito imobiliário mais orientado para as classes médias do que para as camadas mais pobres da população. Ainda neste mês, segundo levantamento do jornal Valor Econômico, as maiores construtoras brasileiras encolheram 85%, e a receita líquida das empresas líderes do setor caíram de R$ 71 bilhões, em 2015, para R$ 10 bilhões, em 2018. Isso se deve aos efeitos colaterais da Operação Lava Jato e à falta de investimentos públicos em novos projetos de infraestrutura e de construção civil.

O governo negocia a aprovação do novo marco do saneamento. O objetivo é incentivar a privatização das companhias estaduais de esgotamento e água e abrir o  mercado para a iniciativa privada.

ANÁLISE CRÍTICA

O setor de infraestrutura é uma alavanca fundamental para o investimento e para a indústria. Entretanto, ao orientar a política de infraestrutura para a priorização das privatizações e da abertura de mercado o governo perde a oportunidade de utilizar um importante instrumento para a retomada do crescimento econômico.

Prova disso é que nos últimos meses a taxa de investimento no Brasil atingiu o menor nível dos últimos cinquenta anos, 15,5% do PIB, o que evidencia a fraqueza dos gastos públicos com máquinas e equipamentos, construção civil e inovação. Além disso, no último mês a atividade industrial voltou a sofrer recuo, dessa vez de -2% atingindo vinte dos 27 ramos industriais analisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Tal situação poderia ser minimizada com a reativação dos investimentos da Petrobras, que passa por desalavancagem, com os projetos de inovação da Embraer, que passaram por privatização, ou por meio do avanço de programas de habitação e de saneamento, que passam por readequação e encolhimento.

No Brasil, historicamente, o investimento público é complementar ao investimento privado. No entanto, o diagnóstico do atual governo caminha na contramão dessa constatação. Ao tratar o investimento privado como substituto do investimento público, o país perde possibilidades de reencontrar seu caminho de desenvolvimento.

É curioso notar como o desmonte das empresas estatais e das políticas públicas que robusteceram os setores de óleo e gás, aéreo e aeroespacial, de habitação e construção civil, de saneamento e água é levado adiante tendo como justificativa o velho argumento acerca da ineficiência do Estado. O paradoxal, entretanto, é que a abertura pró-mercado e antiestado tem diminuído o potencial de expansão de empresas privadas brasileiras e aumentado o potencial de expansão de empresas estatais estrangeiras.

Nos últimos anos, mais de R$ 120 bilhões foram gastos por companhias estatais internacionais em aquisições, fusões ou pagamento de outorgas. Boa parte dos investimentos é liderada por estatais chinesas, mas elas estão acompanhadas de empresas cujos acionistas relevantes são os governos da Espanha, França, Itália, Alemanha e Colômbia, entre outros.

Em certa medida, a privatização da infraestrutura se apresenta como uma forma de desnacionalização da economia, não só em favor da iniciativa privada, mas também em benefício de outras empresas estatais.


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